Para a Patrícia
Pequenina, aparência frágil, modesta, solidária, persistente, afectuosa, atenta, educada, sensível, determinada, generosa, perfeccionista, organizada, disciplinada, carinhosa, discreta, paciente, silenciosa. Assim é a minha mãe.
Lembrei-me hoje que me dizias frequentemente que, quando eu nasci, nunca tinhas visto um bebé tão feio. E que choravas sempre que me davas banho, sempre que davas banho a dois quilos e meio de gente. Tinhas medo de me estragar! De me estragar para sempre.
Sobrevivi... e correspondi como soube e como fui capaz.
Quando necessitaste, também eu te dei banho, limpei-te, hidratei-te, alimentei-te, aconcheguei-te. Como tu me fizeste há muitos anos atrás.
E fiz-te rir. Como tu me fizeste rir tantas vezes, já tão doente, e com um sentido de humor desconcertante.
E eu também chorei quando te vesti pela última vez com a roupa que querias e te penteei, como tu gostavas, e te ajeitei o cabelo com as minhas mãos. E observei-te em silêncio. Só tu e eu.
Tanto sofrimento sem um queixume, sem alarido. Tanto sofrimento silencioso, somente traída por uma ou outra lágrima furtiva que deixavas escapar pelo canto dos olhos, e que tantas vezes te limpei, pensando que te estavas a despedir silenciosamente de nós.
Dar para receber. Dar para receber. Não te preocupes, a Joana já aprendeu a lição.
Levei-te ao colo pela última vez num sábado de sol radioso e de céu azul, como tu tanto gostavas. Lembrei-me da outra vez em que peguei em ti ao colo e te levei à Aboboreira para veres a "minha" raposinha. Os teus olhos brilharam de excitação. Parecias uma criança!
Despedi-me de ti uma última vez. Desde Agosto que me despeço de ti como se fosse a última vez. Agora foi mesmo a sério. Já não aguentavas mais.
E eu continuo por aqui a lamber as minhas feridas pelos cantos da casa.
E amiúde ausento-me e monto acampamento no sopé de dunas gigantescas que subo de madrugada, em percursos que te deixam assustada.
Ouço o silêncio.
Observo as dunas que já vi brancas, amarelas, cor-de-rosa, laranja, castanhas, douradas, vermelhas. Grãos de areia que cantam debaixo dos meus pés.
Sinto-me perto de mim e de ti.
E tenho a certeza. Não somos nada e somos tudo... por breves momentos.
Pequenina, aparência frágil, modesta, solidária, persistente, afectuosa, atenta, educada, sensível, determinada, generosa, perfeccionista, organizada, disciplinada, carinhosa, discreta, paciente, silenciosa. Assim é a minha mãe.
Sobrevive na minha memória.
Cada vez que leio este texto vêm-me as lágrimas aos olhos.
ResponderEliminarLê-lo hoje...
Nem sei o que te diga, Inês.
ResponderEliminarQue não estava previsto eu passar por aqui, dois anos depois da morte da tua avó, da minha mãe. Por várias vezes, durante o dia de hoje, me lembrei deste texto de abertura do blogue...
Fui obrigada a passar de novo por aqui e a chorar as lágrimas que estavam contidas e por isso agradeço-te. É sempre bom chorar. :)
Termino dizendo-te que a vida é feita de perdas e de ganhos... e é isto. E é isto.
Querida amiga,
ResponderEliminarA minha mãe fazia anos hoje, nem sequer lhe conheci os cabelos grisalhos...
A vida é mesmo assim, quer queiramos, quer não.Mas que é doloroso, lá isso é.
Bjs
Sem dúvida aproximações entre nós, Dudú, para usar as palavras da Maria do Carmo.
ResponderEliminarNão sabia do simbolismo da data para ti... para mim é o que vês...
Beijinhos