terça-feira, 24 de julho de 2007

Incursão ao Buteco de Ouarzazate


Casbah Taourirt - Ouarzazate - Marrocos
Fotografias de Artur Matias de Magalhães

Incursão ao Buteco de Ouarzazate

A história verídica que hoje vou relatar passou-se num destes anos em que fui passar a passagem de ano a Marrocos.
Acabadinhos de chegar do deserto, para onde fôramos no dia anterior com o Youssef, e em que visitáramos finalmente o lago Irikki, eis-nos em Ouarzazate com tempo para tomar um duche quente, mas infelizmente sem tempo de ir ao Hamam. Foi tempo de aquecer debaixo do chuveiro, que as noites de Dezembro são muito frias por estas bandas,vestir as nossas toilettes festivas e alas para que te quero para o restaurante do Mutassin.
Depois do jantar pôs-se a questão do que fazer para comemorar noite tão especial já que não é uma tarefa muito fácil em terras de sua majestade. O Youssef sugeriu que experimentássemos os hotéis em Ouarzazate para ver se havia algum bailarico para turistas. Boa ideia! Só que, depois de fazermos a ronda pelos ditos, nada de música ao vivo, nada de bailarico, nada de festas para comemorar a passagem de ano. Entretanto, quase meia-noite, e nós a insistirmos com o Youssef...Que algum sítio devia haver com música berbere ao vivo! Que queríamos um sítio típico! Devo dizer que o Youssef sugeriu o que sugeriu a medo. Disse que tinha música do Alto Atlas ao vivo e que era o único sítio de Ouarzazate onde àquela hora, naquele dia a poderíamos escutar..."Tá para nós, Youssef". Ele ainda nos tentou avisar de alguma coisa, mas nós já estávamos a caminho do tal sítio de que não me lembro agora o nome. "Anda daí, Youssef, antes que bata a meia-noite e passemos o fim de ano em comemorações no meio da rua!"
Logo que entramos e fomos recebidos com dois beijinhos, por uma mulher lindíssima, de longa cabeleira solta pelas costas abaixo e cara completamente destapada, eu soube que estávamos a entrar no buteco lá do sítio. E o buteco cheirava a vícios, envolto que estava numa densa nuvem de fumo espesso que quase não deixava ver um palmo à frente do nariz. O Artur pensou que estava a entrar no baile da colectividade lá do sítio o que me fez soltar boas gargalhadas. Sentamo-nos e discutimos o sítio onde nos encontrávamos. Só havia bebidas alcoólicas o que convenhamos que, para país muçulmano onde o álcool é proibido, não está mal. Lá pedimos cerveja e continuamos a discutir o sítio olhando em redor. A sala era um imenso rectângulo, onde fazia quase noite cerrada, envolta em neblina, onde estavam dispostas mesas redondas com cadeiras à volta. Muitas estavam ocupadas... só com homens. Para além das três mulheres do meu grupo, eu incluída, só estava uma estrangeira loira, de meia idade, rodeada de jovens mancebos, decerto berberes, que esta é a região deles, já que os árabes se concentram mais a norte. Ah, e havia ainda as mulheres que ali trabalhavam servindo às mesas e... no palco. Chegamos finalmente a um consenso entre nós... estávamos mesmo no Buteco de Ouarzazate. O Eugénio só dizia mais para si do que para nós "Ao que eu cheguei... a frequentar um buteco em Ouarzazate!" o que nos fazia soltar ainda mais gargalhadas.
Já tínhamos brindado com cerveja a mais um ano feliz quando o espectáculo começou. Os músicos instalaram-se seguidos das quatro mulheres que era suposto serem a atracção da noite.
Devo dizer que jamais tinha visto um espectáculo daqueles, e observei curiosa um show que fiquei com pena de não poder gravar, mas que ficou para sempre gravado na minha memória. E devo acrescentar rapidamente, para os meus leitores não ficarem com ideias, que o espectáculo foi-nos servido pelos homens, sim, pelos homens frequentadores daquele buteco. As mulheres em palco, de longas cabeleiras soltas pelas costas, vestidas com longas djelabas que lhes tapavam completamente o corpo, pés e mãos incluídos, abanavam discretamente as ancas enquanto entoavam canções do Alto Atlas. Os fregueses, esses, lançavam-se para uma espécie de pista mesmo em frente ao palco e dançavam uns com os outros de uma forma tão lânguida e sensual como nunca me fora dado presenciar em gente do sexo masculino. Então quando elas baixavam a cabeça para a frente e faziam uma dança, decerto erótica, com as longas cabeleiras em sucessivos números completamente sincronizados... era vê-los a entrarem em transe, literalmente em transe, em danças exclusivamente masculinas e sensualíssimas. Devo ter aberto a boca de espanto tal foi o meu espanto e nem sei mesmo se algum dos meus leitores consegue sequer imaginar semelhante espectáculo.
Não sei se o espectáculo descambou algures na noite.
Só sei que às três da manhã, quando abandonámos o lugar, o espectáculo continuava o mesmo, ou seja... fora do palco!

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