quarta-feira, 23 de janeiro de 2008


Roda Encostada- Feira Medieval EB 2/3 de Amarante
Fotografia de Anabela Matias de Magalhães

A Minha Pátria

Com a insatisfação, o desencanto, a saturação e a balbúrdia a instalar-se nas escolas, fruto de processos precipitados e anárquicos lançados e orquestrados pelo Ministério da Educação e que ainda agora estão no seu início, confesso que, cada vez mais, vejo a minha pátria como uma roda velha, encostada, que serve para muito pouco, se não entrar rapidamente nos eixos ou nos carris. Bem sei que há nichos de excelência neste país, mas o meu sector, o sector público da Educação, está a caminhar a passos largos para o caos completo e absoluto.
Já ninguém se entende nas escolas e a procissão ainda vai no adro. É toda uma classe docente que está no mesmo barco, e o barco anda à deriva.
Já entramos em avaliação mas estamos todos de pés e mãos atadas porque não há orientações dum dito Conselho Científico, que ainda não está constituído e, consequentemente, ainda não produziu qualquer orientação para que se dê início, na prática, a esse mesmo processo avaliativo já iniciado por lei no passado dia 10 de Janeiro. Confuso? A verdade é que, a partir daí, todo o processo de avaliação de desempenho está inquinado, e tudo o que vier a ser feito é um tiro no escuro. Mas os problemas não se ficam por aqui. Há problemas bem concretos, que nós sentimos na pele, nas escolas, e que criam constrangimentos enormes na implementação deste novo modelo de avaliação. E, sem querer ser exaustiva, vou dar só dois ou três exemplos. São os Coordenadores de Departamento que vão ter de avaliar os seus colegas sem que tenham para isso qualquer formação prévia dada pelo Ministério da Educação havendo mesmo, neste momento, casos caricatos de coordenadores que vão ter de assistir a aulas, e analisar planos de aulas de colegas, sem que eles próprios algum dia tenham tido uma aula assistida, ou tenham tido que planificar uma única aula durante os seus estágios pedagógicos. São Coordenadores de Departamento que mal sabem mexer num computador e que vão ter de avaliar colegas que usam as novas tecnologias nas suas aulas, com quadros interactivos, plataformas moodle, apresentações em power point, webquests, etc, etc, criando todos os constrangimentos que essa situação acarreta. São direcções de escolas, que gostam de mostrar trabalho e são subservientes relativamente à tutela, que nos pressionam para iniciarmos um processo, do qual desconhecemos as regras, lançando, assim, todo um corpo docente, na perplexidade e desorientação.
E como se não bastasse, somos obrigados, por lei, a fazer metade da nossa formação na nossa área específica, sob pena de ter insuficiente na avaliação. O caricato é que o Ministério da Educação não disponibiliza esta formação específica. Assim sendo, não há formação específica disponível, desde o ano lectivo anterior, em nenhum Centro de Formação deste país!!!
Ou seja, o estado exige, mas não cumpre a sua parte.
Por estas e por outras, e porque nem me apetece escrever mais sobre o assunto, sob pena de ficar eu própria deprimida, é com imensa pena que transcrevo, hoje, um texto de Guerra Junqueiro, do longínquo ano de 1896, e assumo que é com imensa pena que registo tantas analogias entre este texto e os dias que vivo em Portugal, em pleno século XXI.
Dois milhões de portugueses no limiar de pobreza!!!! Por favor, tirem-me deste filme!!!!

Obrigada, Elsa, por me teres disponibilizado este texto infelizmente tão actual.

Pátria - Guerra Junqueiro - 1896

"Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga, besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia dum coice, pois que nem já com as orelhas é capaz de sacudir as moscas; um povo em catalepsia ambulante, não se lembrando nem donde vem, nem onde está, nem para onde vai; um povo, enfim, que eu adoro, porque sofre e é bom, e guarda ainda na noite da sua inconsciência como que um lampejo misterioso da alma nacional, reflexo de astro em silêncio escuro de lagoa morta (...)

Uma burguesia, cívica e politicamente corrupta ate à medula, não descriminando já o bem do mal, sem palavras, sem vergonha, sem carácter, havendo homens que, honrados (?) na vida intima, descambam na vida pública em pantomineiros e sevandijas, capazes de toda a veniaga e toda a infâmia, da mentira a falsificação, da violência ao roubo, donde provém que na política portuguesa sucedam, entre a indiferença geral, escândalos monstruosos, absolutamente inverosímeis no Limoeiro (...)

Um poder legislativo, esfregão de cozinha do executivo; este criado de quarto do moderador; e este, finalmente, tornado absoluto pela abdicação unânime do pais, e exercido ao acaso da herança, pelo primeiro que sai dum ventre - como da roda duma lotaria. A justiça ao arbítrio da Política, torcendo-lhe a vara ao ponto de fazer dela saca-rolhas;

Dois partidos (...), sem ideias, sem planos, sem convicções, incapazes (...) vivendo ambos do mesmo utilitarismo céptico e pervertido, análogos nas palavras, idênticos nos actos, iguais um ao outro como duas metades do mesmo zero, e não se amalgamando e fundindo, apesar disso, pela razão que alguém deu no parlamento, de não caberem todos duma vez na mesma sala de jantar (...)"

3 comentários:

  1. Henry Miller:

    "Podemos combater o mal mas contra a estupidez somos totalmente impotentes."

    ResponderEliminar
  2. Na mouche!É só o que me apetece dizer da oportunidade da tua escolha do texto do Guerra no contexto actual.

    ResponderEliminar
  3. Obrigada, Elsa e Helena, é bom sentir-vos desse lado.
    Bjs. :)

    ResponderEliminar