Elsa C. em Movimento a Caminho de Lisboa
Fotografia de Anabela Matias de Magalhães
Paradoxos
É com enorme prazer e emoção que hoje, exactamente hoje, publico um texto da minha grande amiga da ESA, Elsa Cerqueira de seu nome, a menina fogo dos cabelos revolucionários.
A NOVA FORMA DE REPRESSÃO
ou os Paradoxos da Política Educativa
Paradoxo número um
O Estatuto da Carreira Docente (ECD) dicotomizou os professores em duas categorias: titulares e não titulares. Sob esta nomenclatura opera uma falsa hierarquização: serão os não titulares menos preparados, do ponto de vista científico-pedagógico, do que os titulares?
No Decreto-Lei 200/2007, que regulamentou o primeiro concurso de acesso à categoria de professor titular, pode ler-se “a criação da categoria de professor titular tem como objectivo dotar as escolas de um corpo docente altamente qualificado, com mais experiência e formação (...)”.
Como compatibilizar a “experiência” profissional do professor com o facto de, para efeitos do referido concurso, terem sido apenas validados os últimos sete anos de experiência profissional? Por um lado, a idade surge como fonte de experiência e de formação; por outro, a história profissional que antecede o período mencionado foi reduzida a zero.
Paradoxo número dois
O novo modelo de Avaliação de Desempenho Docente (ADD) , não obstante a sua simplificação apressada, é medíocre.
Em primeiro lugar, dado o número excessivo de instrumentos de registo, a saber: grelha de avaliação do desempenho pelo Presidente do Conselho Executivo/Director; grelha de avaliação efectuada pelo Coordenador do Departamento; grelha de avaliação efectuada pelo professor Avaliador.
Do seu cariz excessivamente burocrático, infere-se a sua falta de exequibilidade.
Segundo, porque estes instrumentos de registo denotam falta de rigor, porquanto como é possível que numa turma de 25-30 alunos e durante uma aula de 90 minutos, um professor avaliador classifique o professor avaliado, por exemplo no parâmetro da “promoção de trabalho autónomo” ou no da “concessão de iguais oportunidades de participação” dos alunos?! A partir de que número é considerada a igualdade de oportunidades e a participação aceitável?
O número de alunos por turma é variável e eles possuem traços de personalidade heterógeneos: uns são tímidos, outros mais extrovertidos, etc.
Instrumentos de registo pouco rigorosos poderão avaliar com rigor?
A desmesura burocrática é proporcional à ineficácia.
Paradoxo número três
A Srª Ministra alega que muitas escolas já procederam à implementação do modelo de ADD. Não são muitas, são muito poucas. E nessas, houve falhas na rede de comunicação (vertical) que mobiliza. Caso contrário, como tornar intelígivel que algumas escolas tivessem avançado com a avaliação dos professores e a maioria não? Que no seio da mesma escola uns departamentos avancem e outros não?
Sim, as directrizes do ministério são incumpridas em muitas escolas do País.
Onde estarão colocados os 120 000 professores, presentes na manifestação do passado dia 8 em Lisboa? Em poucas, pouquíssimas escolas?!
Não é admissível o argumento segundo o qual estes professores foram manipulados por organismos sindicais, partidos da oposição, etc.
Sei pensar autonomamente e estive presente na referida manifestação!
Por outro lado, inverter o argumento dizendo que constituímos agentes de manipulação e de chantagem é, como política, não compreender um dos mais importantes pilares da Democracia: o direito à contestação. Neste caso, a uma política educativa lúcida e autêntica.
É curioso constatar que a obsessão pela quantificação sirva os propósitos do Ministério da Educação nalguns casos como, por exemplo, para avaliar a percentagem de aprovação dos alunos, do 9º ano, nos exames nacionais, para discriminar escolas mediante um ranking cujas variáveis são díspares (não têm todas os mesmos exames, os mesmos níveis, o mesmo número de alunos inscritos) e seja irrelevante quando se trata de uma manifestação que envolve 120 000 professores!
Paradoxo número quatro
Eu e outros colegas fomos obrigados, em Outubro, a elaborar as taxas de sucesso e de abandono para o presente ano lectivo!
Aqui a política dos números é, novamente, valorizada.
Pergunto: Poderei pronunciar-me do ponto de vista psico-cognitivo sobre alunos que desconheço? Sobre quantos abandonarão a escola? Poderei prever e controlar as variáveis inerentes ao processo de ensino-aprendizagem antes deste ocorrer?
Os alunos não são meros produtos, resultados e, como tal, não podem ser coisificados, enformados, deformados, enclausurados em taxas e taxinhas pré-fixadas!
Não me revejo na política do facilitismo, do “laissez faire, laissez passer”. Pugno, como professora-educadora, pela qualidade dos conteúdos, dos materiais e recursos utilizados, pelas pedagogias viabilizadas nas minhas aulas.
Não fiquei indiferente ao facto dos alunos do 9º ano – e sei bem do que falo porque o meu filho frequentou-o no ano transacto –, terem ficado muito mais “inteligentes” no exame nacional da disciplina de matemática. Não poderei esquecer que o elemento decisivo, que se repercutiu nestes resultados, foi o baixo nível de competências exigidas para a resolução dos problemas propostos.
O facilitismo é inversamente proporcional à qualidade do ensino-aprendizagem.
Paradoxo número cinco
E que dizer das quotas para as classificações agregadas a este modelo de ADD?
Sei o que valho como docente, sei o nível de conhecimentos que possuo na minha área. Terei que me submeter a este regime de classificações, também elas pré-anunciadas? Quem manipula quem?
Imaginem que possuo uma turma com dois alunos excelentes e que lhes digo: “x terá a classificação final de 19 valores e y não”. O que sentiriam eles? E os seus encarregados de educação?
Defraudados.
Este sistema de quotas é um mecanismo de distorção da avaliação. E um modelo de ADD que não admite rigor e se furta à autenticidade dos resultados servirá para avaliar? Terá alguma fecundidade?
Paradoxo final
Sou a favor da A.D.D. Estou é contra este modelo. Se pudesse classificar este e o anterior modelo diria, apenas, que o Relatório de reflexão Crítica de Desempenho era uma farsa, sobretudo devido à inoperância dos órgãos a quem competia tornar credível todo esse processo de avalição e este, que se pretende implementar, uma farsa hiperbolizada.
Sou professora/educadora e a minha primacial tarefa é ensinar/educar com qualidade, desenvolvendo nos alunos o gosto pelo Saber, pelo Fazer e pelo Ser. Serem Pessoas dotadas, no futuro, de competências indispensáveis ao exercício de uma cidadania esclarecida, activa e interventiva. O legado de um professor é re-actualizado ao longo de cada minuto das suas existências.
Os meus alunos estão e estarão sempre em primeiro lugar.
Eis uma Política Educativa repleta de paradoxos, implementando o absurdo. Há, todavia, um sentido oculto no des-sentido: o autismo político instituiu-se como forma de repressão e a renúncia ao princípio da discutibilidade a morte da Democracia.
Paradoxo mortal.
Elsa Cerqueira,
Professora de Filosofia
Nota: Sugiro que todos os que queiram enveredar pela carreira política, bem como todos os profissionais da política, leiam a obra “Górgias” de Platão e se submetam a um exame teórico-prático. Talvez percebessem porque é que a retórica que praticam não passa de “um simulacro de uma parte da política” e se consciencializassem do quão impreparados estão para o exercício da (actividade) política.
ou os Paradoxos da Política Educativa
Paradoxo número um
O Estatuto da Carreira Docente (ECD) dicotomizou os professores em duas categorias: titulares e não titulares. Sob esta nomenclatura opera uma falsa hierarquização: serão os não titulares menos preparados, do ponto de vista científico-pedagógico, do que os titulares?
No Decreto-Lei 200/2007, que regulamentou o primeiro concurso de acesso à categoria de professor titular, pode ler-se “a criação da categoria de professor titular tem como objectivo dotar as escolas de um corpo docente altamente qualificado, com mais experiência e formação (...)”.
Como compatibilizar a “experiência” profissional do professor com o facto de, para efeitos do referido concurso, terem sido apenas validados os últimos sete anos de experiência profissional? Por um lado, a idade surge como fonte de experiência e de formação; por outro, a história profissional que antecede o período mencionado foi reduzida a zero.
Paradoxo número dois
O novo modelo de Avaliação de Desempenho Docente (ADD) , não obstante a sua simplificação apressada, é medíocre.
Em primeiro lugar, dado o número excessivo de instrumentos de registo, a saber: grelha de avaliação do desempenho pelo Presidente do Conselho Executivo/Director; grelha de avaliação efectuada pelo Coordenador do Departamento; grelha de avaliação efectuada pelo professor Avaliador.
Do seu cariz excessivamente burocrático, infere-se a sua falta de exequibilidade.
Segundo, porque estes instrumentos de registo denotam falta de rigor, porquanto como é possível que numa turma de 25-30 alunos e durante uma aula de 90 minutos, um professor avaliador classifique o professor avaliado, por exemplo no parâmetro da “promoção de trabalho autónomo” ou no da “concessão de iguais oportunidades de participação” dos alunos?! A partir de que número é considerada a igualdade de oportunidades e a participação aceitável?
O número de alunos por turma é variável e eles possuem traços de personalidade heterógeneos: uns são tímidos, outros mais extrovertidos, etc.
Instrumentos de registo pouco rigorosos poderão avaliar com rigor?
A desmesura burocrática é proporcional à ineficácia.
Paradoxo número três
A Srª Ministra alega que muitas escolas já procederam à implementação do modelo de ADD. Não são muitas, são muito poucas. E nessas, houve falhas na rede de comunicação (vertical) que mobiliza. Caso contrário, como tornar intelígivel que algumas escolas tivessem avançado com a avaliação dos professores e a maioria não? Que no seio da mesma escola uns departamentos avancem e outros não?
Sim, as directrizes do ministério são incumpridas em muitas escolas do País.
Onde estarão colocados os 120 000 professores, presentes na manifestação do passado dia 8 em Lisboa? Em poucas, pouquíssimas escolas?!
Não é admissível o argumento segundo o qual estes professores foram manipulados por organismos sindicais, partidos da oposição, etc.
Sei pensar autonomamente e estive presente na referida manifestação!
Por outro lado, inverter o argumento dizendo que constituímos agentes de manipulação e de chantagem é, como política, não compreender um dos mais importantes pilares da Democracia: o direito à contestação. Neste caso, a uma política educativa lúcida e autêntica.
É curioso constatar que a obsessão pela quantificação sirva os propósitos do Ministério da Educação nalguns casos como, por exemplo, para avaliar a percentagem de aprovação dos alunos, do 9º ano, nos exames nacionais, para discriminar escolas mediante um ranking cujas variáveis são díspares (não têm todas os mesmos exames, os mesmos níveis, o mesmo número de alunos inscritos) e seja irrelevante quando se trata de uma manifestação que envolve 120 000 professores!
Paradoxo número quatro
Eu e outros colegas fomos obrigados, em Outubro, a elaborar as taxas de sucesso e de abandono para o presente ano lectivo!
Aqui a política dos números é, novamente, valorizada.
Pergunto: Poderei pronunciar-me do ponto de vista psico-cognitivo sobre alunos que desconheço? Sobre quantos abandonarão a escola? Poderei prever e controlar as variáveis inerentes ao processo de ensino-aprendizagem antes deste ocorrer?
Os alunos não são meros produtos, resultados e, como tal, não podem ser coisificados, enformados, deformados, enclausurados em taxas e taxinhas pré-fixadas!
Não me revejo na política do facilitismo, do “laissez faire, laissez passer”. Pugno, como professora-educadora, pela qualidade dos conteúdos, dos materiais e recursos utilizados, pelas pedagogias viabilizadas nas minhas aulas.
Não fiquei indiferente ao facto dos alunos do 9º ano – e sei bem do que falo porque o meu filho frequentou-o no ano transacto –, terem ficado muito mais “inteligentes” no exame nacional da disciplina de matemática. Não poderei esquecer que o elemento decisivo, que se repercutiu nestes resultados, foi o baixo nível de competências exigidas para a resolução dos problemas propostos.
O facilitismo é inversamente proporcional à qualidade do ensino-aprendizagem.
Paradoxo número cinco
E que dizer das quotas para as classificações agregadas a este modelo de ADD?
Sei o que valho como docente, sei o nível de conhecimentos que possuo na minha área. Terei que me submeter a este regime de classificações, também elas pré-anunciadas? Quem manipula quem?
Imaginem que possuo uma turma com dois alunos excelentes e que lhes digo: “x terá a classificação final de 19 valores e y não”. O que sentiriam eles? E os seus encarregados de educação?
Defraudados.
Este sistema de quotas é um mecanismo de distorção da avaliação. E um modelo de ADD que não admite rigor e se furta à autenticidade dos resultados servirá para avaliar? Terá alguma fecundidade?
Paradoxo final
Sou a favor da A.D.D. Estou é contra este modelo. Se pudesse classificar este e o anterior modelo diria, apenas, que o Relatório de reflexão Crítica de Desempenho era uma farsa, sobretudo devido à inoperância dos órgãos a quem competia tornar credível todo esse processo de avalição e este, que se pretende implementar, uma farsa hiperbolizada.
Sou professora/educadora e a minha primacial tarefa é ensinar/educar com qualidade, desenvolvendo nos alunos o gosto pelo Saber, pelo Fazer e pelo Ser. Serem Pessoas dotadas, no futuro, de competências indispensáveis ao exercício de uma cidadania esclarecida, activa e interventiva. O legado de um professor é re-actualizado ao longo de cada minuto das suas existências.
Os meus alunos estão e estarão sempre em primeiro lugar.
Eis uma Política Educativa repleta de paradoxos, implementando o absurdo. Há, todavia, um sentido oculto no des-sentido: o autismo político instituiu-se como forma de repressão e a renúncia ao princípio da discutibilidade a morte da Democracia.
Paradoxo mortal.
Elsa Cerqueira,
Professora de Filosofia
Nota: Sugiro que todos os que queiram enveredar pela carreira política, bem como todos os profissionais da política, leiam a obra “Górgias” de Platão e se submetam a um exame teórico-prático. Talvez percebessem porque é que a retórica que praticam não passa de “um simulacro de uma parte da política” e se consciencializassem do quão impreparados estão para o exercício da (actividade) política.
Elsa,
ResponderEliminarMuito bem visto, muito bem analisado.Os meus parabéns!
:)
A Elsa conseguiu verbalizar muitas das incongruências deste sistema que serve apenas para despoletar a sede pelo pequeno poder e desprestigiar o ensinar/ educar.
ResponderEliminarXi coraço para ela e para ti por ecoarem o que nos vai na alma.
Xi coração apertadinho para as duas. Obrigada pelo apoio dado aqui às raparigas!
ResponderEliminar:)
Oh! "chantagista medrosa":
ResponderEliminarComo estão as coisas na tua escola?
Na minha obrigámos a PCE a convocar uma assembleia geral uma vez que o "pegagósico" chumbou uma proposta de suspensão!
Abraço
Tenho a percepção de estar a viver história! Tal como todos os outros momentos, a distancia no tempo crivará o supérfluo e o medo substituir-se-á por um longo sorriso de alivio, no cumprimento do que cada um acredita ser o melhor!
ResponderEliminarÉ hoje!
ResponderEliminarEstás a viver e a fazer história. Não tenhas qualquer dúvida Clapinho.
ResponderEliminarAo ver as fotos desconfiei que a minha homónima, sempre tão precisa e brilhante, só podia ter uma cabeça de fogo!
ResponderEliminarUma chuvada quantas gotas albergará?
ResponderEliminarA todos os comentadores activos, interventivos e esclarecidos o meu Obrigada.
A chuvada é feita em miríade de mínimos juntos e se entranham e tecem a torrente da sede que nos espera agora.
ResponderEliminarBom descanso.