sexta-feira, 1 de maio de 2009

Riad - رياض


Riad El Yacout - Fez - Marrocos
Fotografias de Anabela Matias de Magalhães

Riad - رياض

Convém iniciar este post esclarecendo que a palavra árabe "riad" significa paraíso. E convém esclarecer desde já que estes riads, que conheço aos molhos em Marrakech, em Fez e em Essaouira, são pequenos/grandes paraísos, encravados no coração das medinas árabes, que nos deixam completamente estonteados tal a beleza, o equilíbrio, o sossego, a tranquilidade e a paz interior que proporcionam a todos quantos se disponham a aventurar por vielas muito mais do que manhosas, quantas vezes descuidadas e sujas, sem se deixar perturbar por perigos imaginários, por sombras fantasmagóricas, sem se deixar amedrontar com o outro, com o diferente.
Para quem se dispõe a transpor esta fronteira, a entrada no paraíso está assegurada, por certo.

O movimento de recuperação dos velhos riads, casas tradicionais abertas sobre um pátio ao ar livre, normalmente quadrado, onde se situa o jardim/paraíso interior, frequentemente ornamentado com laranjeiras, e em cujo centro se situa a fonte de água permanentemente fresca, teve início na cosmopolita Marrakech, a Vermelha, lá pelos finais dos anos oitenta e foi ganhando força à medida que entrávamos pelos anos noventa adentro. É, pois, um movimento relativamente recente, que eu tive o privilégio de acompanhar, quer em livros que fui comprando na Fnac Berbere de Marrakech, quer localmente, durante as minhas frequentes deslocações a Marrocos. O movimento entretanto espalhou-se como fogo ateado num braseiro e contagiou as cidades de Fez e Essaouira onde hoje em dia quase tropeçamos em riads abertos aos turistas de tal forma eles proliferaram, quais cogumelos num bosque húmido.

Identifico-me completamente com o conceito subjacente à construção destas casas tradicionais marroquinas. Por fora, percorrendo as vielas, mais ou menos descuidadas, jamais percepcionamos estes pequenos paraísos que estão por detrás destas paredes quase cegas que se fecham para o exterior. A riqueza é uma coisa que não se ostenta, que não se mostra ao outro agredindo-o. A riqueza, a existir, é interior. E no riad esta riqueza interior parte do pátio/jardim, tratado como o coração, a parte nevrálgica da casa, a partir do qual todas as divisões se articulam.
Inevitáveis as comparações com a riqueza interior humana. Por vezes a arquitectura dá-nos lições que nos deixam a pensar. Que me deixam a pensar. A pensar no meu mundo ocidental português, tão dado ao desrespeito pelo outro, tão dado ao gosto quase suicída pela ostentação da riqueza, que me incomoda solenemente, e que constitui uma das explicações da nossa desgraça colectiva. E, arre!, não aprendemos ainda nada com a História!

Continuo a percorrer as vielas de Marrakech, de Fez e de Essaouira, continuo a percorrer as velhas medinas onde nenhum carro entra, com um profundo sentimento de admiração por gente que foi capaz de desenvolver este conceito de casa aberta sobre si própria com tanta sabedoria e mestria. Porque percorrendo as vielas, de dia ou de noite, jamais adivinharemos o que está para além daquelas paredes exteriores sempre "iguais" e completamente despojadas.
E lá dentro está, quantas vezes, o paraíso!
Saibamos nós flanqueá-lo batendo ao de leve naquelas pesadas portas de madeira antiga e maciça. Se tivermos a coragem necessária para aí penetrar!

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