O Poder Curativo dos Professores
Um texto importante de João Ruivo, que eu subscrevo, e que trouxe do blogue do Ramiro Marques.
Obrigada pela partilha, Ramiro.
O poder curativo dos professores. Um texto de João Ruivo
Ser professor acarreta uma profunda carga de utopia e de imaginário. Com o lento passar do tempo e da memória colectiva, gerações após gerações ajudaram a elaborar a imagem social de uma profissão de dádiva absoluta e incontestável entrega.
O poder simbólico da actividade docente leva a que os professores sintam sobre os seus ombros a tarefa herculeana de mudar, para melhor, o mundo; de traçar os novos caminhos do futuro e de preparar todos e cada um para que aí, nesse desconhecido vindouro, venham a ser cidadãos de corpo inteiro e, simultaneamente, mulheres e homens felizes. É obra!
Ao mesmo tempo que a humanidade construiu uma sociedade altamente dependente de tecnologias dominadoras, transferiu da religião para a escola a ingénua crença de que o professor, por si só, pode miraculosamente desenvolver os eleitos, incluir os excluídos, saciar os insatisfeitos, motivar os desalentados e devolvê-los à sociedade, sãos e salvos, com certificação de qualidade e garantia perpétua de actualização permanente.
O emergir da sociedade do conhecimento acentuou muitas assimetrias sociais. Cada vez é maior o fosso entre os que tudo têm e os que lutam para ter algum; entre os que participam e os que são marginalizados e impedidos de cooperar; entre os que protagonizam e os que se limitam a aplaudir; entre os literatos dos múltiplos códigos e os que nem têm acesso à informação.
E é este mundo de desigualdades que exige à escola e ao professor a tarefa alquimista de homogeneizar as diferenças.
Os professores podem e estão habituados a fazer muito e bem. Têm sido os líderes das forças de sinergia que mantêm os sistemas sociais e económicos em equilíbrio dinâmico. São eles que, no silêncio de cada dia, e sem invocar méritos desnecessários, evitam que muitas famílias se disfuncionalizem, que as sociedades se desagreguem, que os estados se desestruturem, que as religiões se corroam.
Mas não podem fazer tudo. Melhor diríamos: é injusto que se lhes peça que façam mais.
Particularmente quando quem o solicita sabe, melhor que ninguém, que se falseia quando se tenta culpabilizar a escola e os professores pelos mais variados incumprimentos imputáveis ao sistemático demissionismo e laxismo das famílias, da sociedade e do próprio Estado tutelar.
É bom que se repita: os professores, por mais que se deseje, infelizmente não têm esse poder curativo. Dizemos infelizmente porque, se por milagre o tivessem, nunca tamanho domínio estaria em tão boas e competentes mãos.
E é precisamente porque nunca foram tocados por qualquer força divina que os professores, como qualquer outro profissional, também estão sujeitos à erosão das suas competências; que, como qualquer técnico altamente qualificado, eles também necessitam de actualização permanente. E é por isso mesmo que os docentes reclamam uma avaliação justa do seu desempenho. Uma avaliação em que se revejam, que os estimule a empreender e que os ajude no seu crescimento profissional.
Todas as escolas preparam impreparados. Até as que formam professores. Sempre foi assim e, daí, nunca veio mal ao mundo. É a sequência e a consequência da evolução dialéctica das sociedades e das mentalidades.
Por isso, centrar a discussão na impreparação profissional dos docentes, como se tal fosse estigma exclusivo desta classe e justificasse as perversas iniciativas que lançam a suspeita pública sobre a responsabilidade ética dos educadores no insucesso do sistema educativo e no desaire das políticas educativas que não têm vindo a sancionar, isso dizíamos, traduz uma inqualificável atitude de desprezo pela verdade e pela busca de soluções credíveis e partilhadas.
Admitir que a educação pode resolver todos os problemas e contradições da sociedade, resulta em transformá-la em vítima evidente do seu próprio progresso.
Repetimos: os professores não têm esse poder curativo. Os docentes não podem solucionar a totalidade dos problemas com que se confrontam as sociedades contemporâneas, sobretudo se não tiverem os contributos substanciais dos outros agentes educativos e das forças significativas da sociedade que envolvem a comunidade escolar.
Evidentemente que a escola e os professores podem e devem contribuir para o progresso da humanidade e para o seu desenvolvimento político, económico, social e cultural. Porém, tal não é atingível apenas com meros instrumentos educacionais porque eles, por si só, não são capazes de estilhaçar o mundo de crescentes desigualdades e uma cúpula política sob a qual coexistem a injustiça, o desemprego e a exclusão social.
Os professores não têm esse poder curativo e, por favor, não os obriguem a ser mais do que são, ou nunca serão o que o futuro lhes exige que venham a ser.
João Ruivo
Bonito texto. Ainda se sonha e o mundo avança, como dizia o "nosso" colega também
ResponderEliminarAinda se sonha e avança porque nós, professores, somos resistentes de carago!
ResponderEliminarDurante estes dois últimos anos já vi a coisa bem preta e o sonho a esboroar-se... mas cá estamos, cá continuamos e a dita cuja está já de saída. Bem sei que os estragos por si feitos são enormescos e de morarão a sarar feridas ainda abertas... mas nós, professores, somos resistentes de carago!
Fóoooooooonix! Como diz a Em@!
ResponderEliminarÉ evidente que é demorarão!
mas criou um aglutinar de vontades e um sentimento de grupo que é necessário manter e perservar. Agora será sempre mais difícil amordaçar este grupo de profissionais tão importante em qualquer sociedade que se queira minimamente evoluída, mas tão maltratada neste jardim... esta estória vai ser história ... você respira com os pulmões todos!
ResponderEliminarIsso é verdade, Black. Foi ela a obreira das divisões, das disputas, dos conflitos, dos interesses mesquinhos subitamente revelados mas, sem querer, foi também ela a obreira dos laços, estreitos, criados entre nós e muito óbvios para quem frequenta blogues de professores. Por reacção. Por reacção ao achincalhamento. Quem pensa ela que é? Com quem pensa ela que está a lidar? Nós somos uma das elites intelectuais deste país e enquanto ela está a ir nós já estamos a vir! Subestimou-nos. Conhece-nos muito mal apesar de se intitular professora num sei do quê! E o num é para ficar assim tal qual.
ResponderEliminarNão deixará saudades. E que viva amargurada pelo resto dos seus dias pela "obra" que deixou.
E é verdade, esta história fará História. Já o afirmei lá para trás neste blogue.
ResponderEliminarE é verdade que respiro com os pulmões todos... ainda há pouco os espreitei e eles estavam bem catitas!
Graças a deus, né?
você é uma pessoa muito particular. Gosto da sua força. E imagino-a como aluna ... deve ser perigoso tê-la como inimiga. Outra qualidade sua é a sua imediata percepção do acontecimento. Deve ter contar muitas vezes até 10 ao ouvir alguns argumentos e ter de ficar quieta... deve ter pouca paciência para a mediocridade ... para a burrice ... de pasmada nada tem ... e não tem feitio para santa ou mártir ...
ResponderEliminarEstou a brincar consigo ... você não é disto que eu digo!
Já aqui venho.
ResponderEliminarvou deixar-lhe um endereço de uma página que tenho esta semana em online para os perto de 80 alunos que vão fazer de hoje a uma semana ....
ResponderEliminarhttp://redondo.planetaclix.pt/fimano
Ora bem... vamos por partes.
ResponderEliminarEu cultivo as amizades. Mesmo. Posto isto parece que sou uma inimiga perigosa. Dizem. :)
Um aluno meu, por acaso um dos melhores que já me passou pelas mãos, disse-me um dia que eu era um Ent, entre outras coisas que só ataca quando atacado. Lá está, é o meu lado escorpião.
De resto só fui uma aluna perigosa para os professores incompetentes e malcriados, que felizmente foram bem poucos os que apanhei.
Mas sou paciente, hoje muito mais do que já fui. Acho que a idade nos traz alguma ponderação.
E para santa não tenho mesmo vocação... vá de retro com a santidade!