quinta-feira, 24 de junho de 2010

Honestidade


Fotografia de Não Sei Quem

Honestidade

Uma lição de honestidade com Utilidade Pública.

Enquanto autarca aceitarei prendas que possam ser encaminhadas para o Banco Alimentar contra a Fome.

Quando tomei posse como presidente da Câmara de Santarém fui confrontado com a quantidade de prendas que chegavam ao meu gabinete. Era a véspera de Natal. Para um velho polícia, desconfiado e vivido, a hecatombe de presuntos, leitões, garrafas de vinho muito caro, cabazes luxuosos e dezenas de bolo-rei cheirou-me a esturro. Também chegaram coisas menores. E coisas nobres: recebi vários ramos de flores, a única prenda que não consigo recusar.
Decidi que todas as prendas seriam distribuídas por instituições de solidariedade social, com excepção das flores. No segundo Natal a coisa repetiu-se. E então percebi que as prendas se distribuíam por três grupos. O primeiro claramente sedutor e manhoso que oferecia um chouriço para nos pedir um porco. O segundo, menos provocador, resultava de listas que grandes empresas ligadas a fornecimento de produtos, mesmo sem relação directa com o município, que enviam como se quisessem recordar que existem. O terceiro grupo é aquele que decorre dos afectos, sem valor material mas com significado simbólico: flores, pequenos objectos sem valor comercial, lembranças de Natal.
Além de tudo isto, o correio é encharcado com milhares de postais de boas-festas que instituições públicas e privadas enviam numa escala inimaginável. Acabei com essa tradição. Não existe tempo para apreciar um cartão de boas-festas quando se recebe milhares e se expede milhares.
Quanto às restantes prendas, por não conseguir acabar com o hábito, alterei-o. Foi enviada nova carta em que informámos que agradecíamos todas as prendas que enviassem. Porém, pedíamos que fosse em géneros de longa duração para serem ofertados ao Banco Alimentar contra a Fome. Teve um duplo efeito: aumentou a quantidade de dádivas que agora têm um destino merecido. E assim, nos últimos dois Natais recebemos cerca de 8 toneladas de alimentos.
Conto isto a propósito da proposta drástica que o PS quer levar ao Parlamento que considera suborno qualquer oferta feita a funcionário público. Se ao menos lhe pusessem um valor máximo de 20 ou 30 euros, ainda se compreendia e seria razoável. Em vários países do mundo é assim. Aqui não. Quer passar-se do 8 para o 80. O que significa que nada vai mudar. Por isso, fica já claro que não cumprirei essa lei enquanto funcionário público. Enquanto autarca aceitarei prendas que possam ser encaminhadas para o Banco Alimentar. E jamais devolverei uma flor que me seja oferecida.

Francisco Moita Flores, Professor Universitário e Presidente da Camara Municipal de Santarém

Nota - Com os meus agradecimentos ao Magalhães, pelo envio deste texto de Moita Flores

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