Tio Belchior e Primo Luís em Ford Prefect E93A
Fotografia Sei Lá Eu de Quem - S. Gonçalo - Amarante
Carros a Gasogénio
Muito embora Portugal não tenha estado envolvido directamente na Segunda Guerra Mundial a verdade é que os efeitos da mesma fizeram-se sentir por aqui pelo rectângulo à beira mar plantado, e de que maneira se fizeram sentir!, em racionamentos sem fim de produtos alimentares e não só, de que os meus avós falavam amiúde e os meus pais, que igualmente os sentiram na pele, também. Cresci a escutar a minha mãe a falar de tempos de racionamento que a mim já nada me diziam e que obrigavam os portugueses a procedimentos de expediente como o de terem de fazer o sabão e a manteiga em casa, como aconteceu nos anos da Guerra, em casa da minha avó Clotilde, na Régua, situada na Avenida João Franco.
O meu avô Rodrigo falava também dos tempos em que, obrigados pelo racionamento violento da gasolina, os carros se moviam alimentados a gasogénio. Não sei se os meus leitores saberão do que estou a falar. A fotografia que ilustra este post mostra-nos um Ford Prefect E93A, carro produzido de 1938 a 1949, período que engloba os anos da Segunda Grande Guerra, de má memória, iniciada em 1939 e apenas terminada em 1945. Os meus tios e o meu avô tiveram dois Prefect, cujas matrículas eram AE-11-18, carro normalmente conduzido pelo meu avô Rodrigo e um IL-10-76, normalmente conduzido pelo meu tio-avô Belchior, segundo me diz o meu pai que se lembra muito bem deles e me ajudou a construir este post.
Fruto do racionamento feroz, os carros que circulavam durante este período de racionamento também de gasolina foram adaptados a gasogénio que funcionava da seguinte forma e que pode ser acompanhada pela fotografia que ilustra este post - os sacos de lona, rolos compridos e estreitos, eram carregados com carvão e colocados no tejadilho dos carros. O seu número era variável podendo chegar a ser dois ou quatro. Na parte de trás do carro funcionava a caldeira propriamente dita que era do tipo "salamandra" - carregada de carvão, também podia funcionar a madeira, ardia fornecendo a energia necessária para alimentar o motor. A chatice era que o carro ia falhando à medida que o carvão era consumido e lá tinha de se encostar o veículo, recarregar a caldeira para novo bocado de viagem até ser preciso repetir exactamente os mesmos gestos numa trabalheira sem fim. A chatice é que o peso do carro aumentava exponencialmente com o peso da caldeira e dos sacos carregados de carvão fazendo diminuir consideravelmente a velocidade, andando tanto mais devagar quanto mais carvão ou lenha levasse no tejadilho.
O carvão, diz-me o meu pai, era fornecido pelas mulheres de Canadelo que chegavam à cidade com os burros carregados de carqueja e carvão, a carqueja para pôr a coisa a funcionar, como quem acende hoje uma lareira ou uma salamandra sem as acendalhas xpto, o carvão para alimentar os carros propriamente ditos.
Nota - Para além de agradecer ao meu pai as suas memórias frescas, sem as quais este post não veria a luz do dia, agradeço a fotografia do Ford Prefect ao meu primo Luís Queirós sem a qual eu estaria para aqui a escrever no escuro, sem visualizar este carro tantas e tantas vezes conduzido, e falado, pelo meu avô Rodrigo.
Ai Anabela, Anabela, porque desperdiças tu, tantas vezes, a qualidade da tua escrita?
ResponderEliminarSe gostas tanto de coisas antigas e fora de moda, não te desgastes com CGTPices e dá-nos crónicas sobre antiguidades que valham a pena, como esta dos "carros a gasogénio". Eu, por mim, folgava mais.
Beijos
Anabela
ResponderEliminarO teu pai pode contar-te o que se passou com os pneus nesses tempos de má memória. Os carros foram parando à medida que os pneus acabavam.
Pedro
Eheheh... porque preciso de fazer terapia sem ir ao psiquiatra.
ResponderEliminarE sim, eu sei que estes meus posts são do teu especial agrado...
Vou fazer mais.
Beijinhos! Excelente carnaval!
Vou continuar a fazer posts com ele ao meu lado... para as suas memórias não se perderem...
ResponderEliminarBeijinhos, Pedro!
Eu arrisco-me a dizer que tem capacidades para escrever um livro.
ResponderEliminarMuito obrigada, João, mas um livro on-line é o que estou a fazer há cinco anos, aqui... eheheh, com altos e baixos, próprios de quem escreve todos os dias, sem grandes preocupações de apuramento.
ResponderEliminarBeijinhos e votos de excelente carnaval!
Sei quem foi o inventor do "gasógénio". Foi um português (do norte) e bisavô de primos direitos meus.
ResponderEliminarAcabou por falecer numa explosão de uma das suas muitas experiências.
Depois, os dois filhos foram os idealizadores e construtores do Edfor, o automóvel de corridas de motor ford e resto português (peças fabricadas por eles).E corredores de automóveis(ex. circuito da Boavista, o antigo). Foi num "Edfor" que Manoel de Oliveira também correu muitas vezes (e julgo que ainda tem um dos quatro únicos exemplares).
A veia empreendedora continuou nos filhos e costela criativa e de inventor ainda continua nalguns netos. E a "costela" de automobilistas também.
O gasogénio foi uma bela alternativa à gasolina, então.
Foi uma alternativa que remédio, Margarida! Que revela a capacidade inventiva do homem. Desconhecia essa história desse português... penso que a primeira invenção deste desenrasque é francesa e do pós 1ª guerra mundial.
ResponderEliminarSei que no Brasil também foi muito utilizado...
Sim, foi após a 1ª guerra ou acho que mesmo durante a primeira guerra, em que Portugal participou-- necessidade invenção de recurso. Sempre ouvi essa história de ele ter sido o inventor. E não eram pessoas de se gabarem por aí além.O gosto da invenção e das engenhocas puro.
ResponderEliminarOs filhos tinham como nome de família Ferreirinha. Não sei se o pai era também Ferreirinha, mas penso que sim.
Agradeço-te a colaboração e as informações que aqui me deixas, Margarida!
ResponderEliminarExcelente post!
ResponderEliminarMuito agradecida, República das Bananas!
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