sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Teixeira de Pascoaes e o Café-Bar

Chávena de Teixeira de Pascoaes - Café-Bar - Amarante
Fotografia de Anabela Matias de Magalhães

Teixeira de Pascoaes e o Café-Bar

Joaquim Pereira Teixeira de Vasconcelos, mais conhecido por Teixeira de Pascoaes, nasceu em Amarante, na freguesia de S. Gonçalo, em casa de família situada na rua Teixeira de Vasconcelos, a 2 de Novembro de 1877, dia curioso para nascer, que eu conheço bem, porque dia de Fiéis Defuntos ou Dia dos Mortos, o que faz dele um escorpião dos sete costados.
Depois de passagens por Coimbra, onde completou os estudos, e pelo Porto, voltou para a sua amada Amarante onde se fixou, pelos inícios da segunda década do século XX, na casa de família, o Solar de Pascoaes, que ainda hoje existe e pode ser visitado.
O Café-Bar abriu em meados da década de trinta e o Dr. Joaquim foi sempre, tanto quanto sei, uma das figuras ilustres que o frequentava quase diariamente.
O meu pai lembra-se bem dele, figura esguia e distinta, deslocando-se com uma pequena e fina bengala que ele próprio fabricou segundo a sua vontade, pertença hoje em dia do meu primo Luís, sentava-se à esquerda de quem entra no Café-Bar, que à época era de dimensões bem mais reduzidas do que na actualidade, ocupando a mesma mesa de sempre, a primeira mesa do canto, sentando-se exactamente na posição em que o Poeta está representado na estátua da alameda a que deu o nome. "Parece que o estou a ver!" diz-me o meu pai que com ele privou até 1952, data da sua morte aos 75 anos, tinha o meu pai 15 anos de idade. O café era-lhe normalmente servido pela minha tia Maria José, que, a dada altura, lhe comprou uma chávena por onde só ele bebericava o seu "precioso veneno", para usar as suas palavras.
À saída do colégio alguns estudantes passavam pelo café e ficavam a escutá-lo. O meu pai, filho de um dos donos do estabelecimento, era um deles e foi um dos felizardos que com ele privou, escutando e sorvendo as suas sábias palavras amarantinas.
Como o Dr. Joaquim não conduzia, normalmente era o meu tio Belchior ou o meu avô Rodrigo que o levavam, nos seus carros de praça, ao seu refúgio de Gatão, sobranceiro ao Tâmega, com vistas desafogadas para o seu tão cantado Marão.
Um dia destes, mais precisamente num sábado de Outubro para podermos ser muitos, organizei uma visita guiada a Pascoaes, aos aposentos do poeta. Fomos quase trinta que numa tarde ensolarada de sábado rumámos ao solar. O grupo era heterogéneo, alguns amarantinos que conheciam muito bem a casa de a frequentarem na infância e adolescência, outros que não a conheciam de todo, amarantinos e gente vinda do Porto que assim, à boleia, ficou a conhecer os aposentos que ainda se mantêm quase integralmente iguais ao que eram no tempo do Dr. Joaquim.
Numa parede, junto à janela no quarto do poeta, lá está ainda uma série de folhas de bloco pequeno com algumas contas dos serviços feitos a Pascoaes, escritas pela mão e com a letra, muito bela, do meu avô Rodrigo...

"Êste largo de S. Gonçalo é o centro da vila, o coração do próprio santo empedernido, mas sensível e aberto a todos os romeiros piedosos e a todos os turistes das camionetes, por mais heréticos ou apóstolos de Baco. Cabe tudo, dentro dêle, até o café do Belchior ou, antes da Maria Zé, a servir o precioso veneno... tão negro, e ela corada, loira, sorridente, em estilo da Renascença, uma perfeita Gioconda. Não será a Gioconda encarnada? E, por isso, fugiu do Louvre... para Amarante. Do que é capaz uma obra de arte! A si mesma se anima e liberta do mármore ou da tinta. Não é uma deusa aquela pomba? Não faz ela o milagre de viver?
... Tomei uma chávena do dito veneno precioso, enquanto o automóvel enchia o papo de gasolina, no meio de garotos, qual dêles o mais pitoresco e andrajoso. Como futuros portugueses, têm já, no rosto, não sei o quê de sebastianista. (...)"

In Duplo Passeio, Teixeira de Pascoaes, 1942

6 comentários:

  1. Boa tarde dra. Anabela.
    Não sei como começar...nem o que dizer...mas lá vai.
    Constato que Amarante é uma terra interessante pela paisagem...pelo rio...pela cultura e obviamente pelas pessoas.
    Vem isto a propósito que pela "enumeração" que no Anabela Magalhães e no blog do Pedro Barros Pereira...há um sem fim de gente que se distinguiu nos mais variados ramos da cultura...parece-me mesmo que estaremos sobre um autêntico alfobre de gente interessante!
    Será que haverá alguma explicação de ordem genética por concentração ou estreitamento de laços tão característico nos "idos"?
    Responda quem sabe...
    Por outro lado apercebo-me que quase tudo o que mexe...tem a mão de algum seu familiar!
    Estaremos perante uma influência de gente que "disparou" em todas as direcções e situações?
    Responda quem sabe...
    É tudo quanto me apraz contar...mas contaria melhor à volta do "velho veneno" que o dr. Joaquim tomava!

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  2. Boa noite, dr. Hélio!
    Então é assim - Amarante tem um núcleo histórico precioso para terra tão pequena, apesar das asneiras que por aqui se têm feito, algumas por iniciativa camarária, outras por iniciativa privada. O núcleo onde eu nasci e cresci era uma beleza e praticamente só ele existia e tinha, tem ainda,um não sei o quê de terra burguesa toscana. O que foi construído após o 25 de Abril lixou Amarante e este núcleo de que falo está apertado entre lixo construído que precisava de ser implodido.
    Depois temos o rio, fonte de inspiração permanente, e o Marão e a Aboboreira e o nevoeiro e as neblinas matinais e os invernos rigorosos e os verões tórridos... não sei o que é que isto tem a ver com as gentes que por cá nascem e passam e que de facto são de calibre elevado para terra tão pequena. Se pensarmos num Acácio Lino, num António Carneiro, num Amadeo de Souza-Cardoso, num António Cândido, numa Agustina... e isto só para falar nos mais conhecidos a nível nacional... bolas! que temos gente ilustre até dizer chega saída de tão pequeno e especial ventre! Não faço ideia do que isto tem a ver com a genética, não faço ideia onde reside a explicação para tal concentração...
    De resto a mão de algum familiar é apenas porque a mão que tecla realizando este blogue é a minha e eu estou interessada em registar historietas da minha família, passadas aqui no burgo, apenas isso...
    E sim, estas histórias teriam outro sabor à volta do "veneno" do Dr. Joaquim...
    Um dia destes temos de combinar um encontro de bloggers... eheheh... aqui, na minha cidade...

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  3. Para quem gosta de historia como eu, nao sei nada da historia de Amarante.

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  4. Pois, João, é uma pena que não haja o mínimo de espaço para a história local nos currículos que somos obrigados a cumprir.
    por isso criei o Clube de História, para tentar aproximar os seus sócios do nosso património, para eles frequentemente desconhecido. Tenho como válido que o que se conhece e entende respeita-se mais facilmente...
    Neste blogue há algumas memórias amarantinas que eu tenho a preocupação de ir registndo de quando em vez... para que não se percam definitivamente com a morte dos mais velhos...
    Bjs

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  5. Pois é isso. Um dia conta-me no café-bar a tomar o dito "veneno" que é para eu depois poder contar a alguem, mas como ponto de partida vou começar a ler o livro "Maranus" não se conhece.

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  6. Sim, faz isso. De resto, sabes o caminho...
    Bjs

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