quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Os Filhos dos Professores Têm Voz? Crónica de Filha de Professora





Os Filhos dos Professores Têm Voz? Crónica de Filha de Professora

Por vezes têm, quando entendem ser importante fazerem ouvir a sua voz. Foi o caso da Dulce Pereira, estudante universitária que eu conheço pessoalmente. Conheço igualmente a sua mãe, minha ilustre colega de História que eu amaria manter na minha Escola, ao meu lado. Porque a prestigiaria, porque a valorizaria, porque a sua entrada/saída numa Escola jamais se fará de forma indiferente. Há Professores assim, que marcam pela entrega à profissão que um dia escolheram e que, maltratados e desrespeitados consecutivamente pela tutela, conseguem renovar o seu entusiasmo e receber os seus "novos/velhos" alunos de braços e coração abertos.
A mãe da Dulce Pereira tem nome. Chama-se Ana Oliveira. E também tem Uma Vida feita de inúmeras angústias comuns a tantos e tantos professores por este país fora. Mas, é verdade, também tem Uma Vida plena de sorrisos imensos, a começar pelos dela, generosos e cristalinos que encontram eco nos da sua queridíssima filha e em muitos de nós, professores e alunos que tiveram a sorte de com ela se cruzar um dia.
Desejo-lhe toda a felicidade do mundo, à sua filha também. São ambas Mulheres Guerreiras, sobreviventes da incúria do poder central, sobreviventes da acção nefasta de um MEC inqualificável.
Tenho dito.

Crónica de filha de professora

Aqui estou eu, como sempre, acordada depois do lusco-fusco, com a mente espicaçada por cada pensamento que a trespassa, recordando o antes e ponderando o depois. Ontem, marcava o relógio 7:00 da manhã e o meu subconsciente ainda não se havia apoderado de mim. Preocupava-me o incógnito, o mistério cuja solução se encontrava numas listas que o ministério da educação teima em publicar tardiamente, indicando local onde a minha mãe iria dar aulas. Curiosa a forma, como quem é súbdito tem datas que são estipuladas e têm de ser cumpridas (a colocação deverá ser aceite 48 horas depois da conhecida a escola onde irá trabalhar), mas o soberano ministério não dá cavaco às tropas, como se costuma dizer em bom português. Mas isso são assuntos paralelos. Continuando, 18:00 horas, abro a página da Direção Geral de Educação e lá estavam as tão desejadas listas (sim, sexta-feira os alunos já têm aulas e ela ainda nem conhecimento da localização da escola ou do seu horário tem). Contando que a minha mãe, pela primeira vez na sua vida, depois de dar aulas desde 1988 e termos percorrido o país desde Chaves a Santo André no Alentejo, ficaria próximo de casa, pois estava colocada no quadro de zona pedagógica de Porto e Braga e com os imensos anos de serviço que tem, descubro que fica a quase 1 hora de viagem de casa (ida e volta, 2 horas), que terá de fazer diariamente ou ficará, como habitualmente, a residir longe de casa. O mundo voltou a desabar, apesar de a notícia ser bem melhor do que aquela que recebi há dois anos em como ela iria dar aulas para o Algarve, Quarteira, com a consequente azafama do costume: notícia num dia, fazer as malas, e no dia seguinte pegar no carro cheio, arranjar um tecto para dormir e apresentar-se ao serviço, a 600 km de casa. Inconcebível! Bem, mas a situação este ano é diferente, como em todos os anos. Só não pode mudar é a capacidade de adaptabilidade de um professor, apesar do ministério ser o mais intransigente e serem necessários tribunais para o recuo em certas ordens, quando o bom senso não chega. Ligo-lhe e eis que a chamada é atendida, como sempre, com uma bela gargalhada estampada na voz. Questiono-a "Marco de Canaveses, desta vez. Com forças?" e sem hesitação, a resposta que recebo (não esperava outra coisa, para ser sincera) é: "Claro!". Dois dedos de conversa, mais umas piadas à mistura e a chamada é desligada. Ainda fiquei a olhar para o telemóvel como se de um oásis se tratasse. 20 e muitos anos de serviço, 52 anos de existência, com a saúde não propriamente em excelente estado, mas com uma vontade gigante de viver, um gosto pelo ensino que em nada é abalado e uma resistência gigante a adversidades, ali estava ela, a ser admirada, mais uma vez, por mim. É esta a minha mãe. A mulher, mãe exímia e excelente professora que se preocupa com cada aluno como se um filho fosse, com a vontade de conhecer o seu local de trabalho. Eu assumo que não teria tanta resistência quanto a dela. Questiono-me, quando a terei próximo de mim, de quando sairei da faculdade e conseguirei almoçar com a companhia dela. Talvez a resposta seja nunca, mas analisando bem a situação, talvez eu não precise disso, pois ela tem o dom de com um simples telefonema encher o meu dia e acima de tudo, o meu coração.
Entra com o pé direito na nova escolinha e com o sorriso de sempre estampado na face.
Fica com todo o meu amor,

7 comentários:

  1. Lindo demais. Fez-me chorar. Vivo a mesma situação com 3 filhas maravilhosas e estou a 200 km de casa. Estou com uma que está na universidade e as outras duas ficam com o pai em casa, aguardando o meu regresso todos os fins de semana. Conversamos por telefone ...não é a mesma coisa, quando a saudade desespera, não querem falar comigo, porque ficam mais carentes e com mais saudades. O pai ralha com elas: quer que falem comigo e peço-lhe que as deixe, porque é melhor para elas e eu sei que me amam como eu a elas e compreendo-as. Desejo muita força a todos os colegas e seus filhos na mesma situação. Não é fácil, nada fácil. Felicidades!

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  2. As lágrimas correm cara abaixo com este belo texto e o testemunho da «Anónimo» das 14:03.
    Não consigo dizer mais nada!

    Beijinhos

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  3. Como contratada, fui-o quase até aos 40 anos, tive a "sorte" de poder regressar a casa todos os dias. Mas fiz isso à custa da aceitação de horários incompletos que me fazem estar agora no 4º escalão, quase com 53 anos de idade.
    Imagino somente as angústias das despedidas...
    Beijos grandes Sandra, extensivos à colega que não se quis identificar.

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  4. Minha querida, sei bem do que falas. As minhas opções também são assim.Embora todos os anos me veja ser ultrapassada(e compreendo)não me consigo ver longe dos meus filhos, daí que me tenha emocionado com estes testemunhos. Este ano lectivo, ainda não entrei mas apesar de não arriscar muito ir para longe, muitas vezes faço muitos Kms diários. Ainda quando estive grávida da Inês fazia três horas de estrada e estava em dois Agrupamentos, em 4 espaços físicos distintos e trabalhei até ao final. Não mereço louvores, mas mostra que os professores não são aquilo que este ministério e o anterior querem/queriam fazer passar. Beijinhos e desejos do melhor para ti.

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  5. Minha querida Sandra, as pessoas primeiro e isto tem de ser válido para novos e velhos!
    Espero que consigas um lugar pertinho de tua casa e dos teus.
    Beijinho

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  6. Como me revejo em todos estes comentários. Tinha a minha filha 10 anos quando tive de me deslocar para 200Km de minha casa onde estive 4 anos. Ao fim de 1 ano de regresso a casa apenas aos fins de semana para estar com o marido e a filha fui presenteada com um divórcio (a distância também cria estas situações). A angústia sentida de só ver a minha filha tão novinha, ao fim de semana nesta fase tão dolorosa da vida de ambas...e a dor de a ver chorar todas as semanas quando me via partir para mais uma semana longe de casa. Chorávamos as duas. É uma situação desumana!

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  7. É uma situação desumana, dizes bem, anónima. E o prejuízo causado ao país é insuportável. Como é que esta gentalha não vê isto com clareza?!
    Beijo grande!

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