domingo, 7 de dezembro de 2014

Mil Vidas Tem S. Gonçalo

Mil Vidas Tem S. Gonçalo - Amarante
Fotografias de Antero de Alda
 
Mil Vidas Tem S. Gonçalo
 
«Eis um ritual de domingo: a missa com a filarmónica pela manhã e ao meio da tarde o cortejo de oferendas na Senhora do Vau em Gatão (o doce rufar dos bombos de Jazente por entre urzes e os lírios de Pascoaes), o regresso a S. Gonçalo, as montras da doçaria Mário, as fotografias do Eduardo e os livros do Patrício na padaria do Pardal, a passagem pela ponte velha até ao Arquinho, a Casa da Calçada, os tocadores de concertina e a cantadeira do Grupo Folclórico de Vila Chã do Marão no parque ribeirinho, os sequilhos da Tinoca e o nome da Lai-Lai ainda gravado a metal na calçada da 31 de Janeiro (o Cuvelo!), o António Pedro do Flor do Tâmega, o Júlio do Avião e as violas amarantinas na tasca do Adérito, a volta pela ponte nova, o museu de Amadeo e outra vez Pascoaes, na sua estátua de bronze sobre pedra de Guimarães, os doces fálicos do santo casamenteiro e os bolos de Teixeira da dona Isaura da Conceição, os peditórios do Alfredo marinheiro e do cigano que arranha no acordeão, os passeios de cinco euros nas gaivotas do rio, as pombas da praça, a varanda dos quatro reis, o toque dos sinos na torre do mosteiro… Depois, a visita noturna à esplanada do Café-Bar. Enfim, o zelo semanal de mais um postal para me reconciliar com Deus.»

Mil vidas tem S. Gonçalo, pág.42

 
Este livro, intitulado "Mil vidas tem S. Gonçalo, que viu a luz do dia sem lançamento oficial, da autoria de Antero de Alda, é um livro sobre nós, amarantinos, sobre as nossas rotinas que giram permanentemente à volta do velho burgo, que por sua vez giram constantemente à volta do falso santo, que apenas é beato, mas que é malandro todos os dias da sua já muito longa vida.
Assim, por certo achareis este livro muito familiar e muito confortável, não só pelas fotografias, algumas a preto e branco e outras a cores, que retratam muitas personagens da nossa praça, algumas infelizmente já desaparecidas, mas também pelos textos onde muitos de nós se podem rever. Eu revejo-me quase por inteiro aqui, mesmo se a temática me interessa essencialmente pela estética forte que comporta, pelos rituais de culto vindos de tempos imemoriais, pelas demonstrações de fé que resistem a todas as vicissitudes, a todas as passagens do tempo.
O livro, excelente opção de prenda para a quadra que se avizinha a passos largos, encontra-se à venda no Café-Bar Restaurante S. Gonçalo, Confeitaria da Ponte, Confeitaria Tinoca, Doçaria Mário, Mercearia do Covelo e Padaria e Pastelaria Pardal.

Muitos parabéns, Antero! Desejo-vos sucesso, para ti e para a obra!

2 comentários:

  1. Obrigado, Anabela, por divulgares esta edição e por transcreveres este texto, que eu acho lindíssimo porque, fazendo referência a figuras do nosso tempo (como o António Patrício, o António Pedro ou o Júlio do Avião), prolonga a tradição voyeurista pascoalina, bem patente em “O Pobre Tolo”: «Passa a Garopa, fotografada nesta alcunha… Passa o Quinze Dias… Este homem é quinze dias, outros são minutos, ou séculos como Hesíodo e Homero… E ainda o Catarro pluvioso, o Bigoila e a sua alcunha de ferro em meia lua, o Calondro, o Abelhoa, o José dos Foles, a Pioa, a Calhorda gorda e penugenta, o Vintém…»
    Do Vintém falam também Costa Neves e o teu pai, Ismael Queirós.

    E que tem tudo isto a ver com o nosso santo? É ainda Pascoaes que o diz:
    «Na tua velha ponte, S. Gonçalo,
    Contempla um pobre tolo as duas margens
    Do Tâmega.
    Dum lado, a velha Igreja,
    O Largo, a torre, em pedras de granito;
    Pedras que ali ficaram para sempre,
    Outrora adormecidas pelo canto
    De rústicos pedreiros.
    Do outro lado,
    A cavernosa rua do Cuvelo
    Que vai findar nos antros de Plutão».


    Portanto, com as graças do nosso santo casamenteiro, eis a Amarante plutónica. E porquê? À falta de outra explicação, talvez por causa do Zé Abelâmio, homem de raivas repentinas e amores violentos, que ficou para sempre paraplégico por ter mergulhado tão fundo nas fragas do rio, como diz Eulália Macedo. Plutónica, também, por causa das fragas, dos penedos, e ainda talvez por causa das Dulcineias, ou da Julieta, ou do Alexandrino Barbeiro, ou da Luizinha moleira, ou do Cão Grande da Casa do Correio, ou da azenha da Feitoria, ou da Praia Aurora ou da Ilha dos Amores… Enfim, Amarante plutónica, pascoalina e camoniana.

    Há, como se conclui, muito que ver e que ler para além daquilo que se vê e se lê de imediato neste livro. E, se me permites, transcrevo outro belíssimo texto com que justifico o seu título (um pouco como também tu referes no excelente remate que fazes no teu post).
    «Nas togas vermelhas dos homens da confraria, nas medalhinhas dos fios de ouro para trazer ao pescoço, nas pagelas de altar, estampadas em camisolas, em azulejos, no prato de porcelana ao lado do Menino Jesus de Praga na casa da dona Fátima de Jazente, nas quadras brejeiras dos lenços de namorados da loja da Zezinha do Pedro ou na imagem de barro na montra da padaria do Covelo (uma das mais bonitas que conheço, com uma imitação de pérola rosa a prender o manto), no fino traço de linho sobre uma mesa da sala de jantar do Zé da Calçada, seja onde for, nos lares de senhorios e de caseiros ou nas fotografias esquecidas de milhares de forasteiros... mil vidas tem S. Gonçalo.»

    Mais uma vez obrigado, Anabela.

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  2. Eu é que te agradeço pela generosa partilha deste livro composto de fotografias e textos sobre nós!
    Sendo um olhar "externo", é mais interno do que muitos olhares aqui nascidos e criados no velho burgo!
    Obrigada! Votos de êxito!

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