Canivetes Suíços
Tempos houve em que eu cantava diariamente os professores. Era modesto o canto, mas de mui genuíno sentimento. Porém, há muito que tal não me apetece. Andam estranhos, subservientes, acríticos, nada gregários, nada corporativos… distantes de quem eram. Concomitantemente, vão assumindo cada vez mais papéis e mais funções, como prestimosos canivetes suíços.
Os professores — mais mouros de trabalho a cada dia que passa — exigem respeito. "Exigem". Lamentavelmente, não há nem repartição nem balcão para formalizar tal exigência. Portanto, esse "exigir" é… meramente retórico. E no contexto em que é produzido… (num dos países mais civilizados do mundo ocidental) nem se fala! Tem o mesmo valor semântico de "queríamos" ou de "gostaríamos", ou seja, não passa de uma mera manifestação volitiva. "Queríeis!", responde a comunidade.
Num país ideal, os nossos professores não precisariam de "exigir" absolutamente respeito nenhum. As suas qualificações, a natureza da sua função e a carga de trabalhos/aborrecimentos que têm seriam mais do que suficientes para o assegurar. Todavia, estamos em Portugal. Aqui, o respeito nem sempre passa por essas calhas. Neste canteiro, à beira-mar plantado, o respeito precisa não apenas de ser merecido, mas de ser conquistado a pulso, por vezes com vigor, com muita veemência. Enfim, sempre fomos um povo de conquistadores. E é muito por isto que os professores, tão cedo, não vão ser respeitados. Não se dão ao respeito. Calma, que já esclareço!
Tal como as pessoas, também os grupos/classes profissionais mais respeitados sabem definir claramente os seus limites, os seus círculos sagrados. Vejo outros grupos profissionais demarcarem bem o seu território, enquanto assisto, com pasmo e dor, ao diário delir de todos os contornos da "classe" a que pertenço. Queima-me a alma ver — mais do que os políticos, muito mais do que a sociedade civil, muito mais do que a irreverência (ou a má educação) juvenil — os próprios professores a apagarem as suas marcações, os seus limites, os seus antigos "sine qua non". Vão perdendo consciência deles diariamente. São, cada vez mais, quase-nadas que fazem quase tudo.
Se os professores querem realmente fazer-se respeitar, têm de sair da vírgula em que se colocaram, recuperar a sua posição ereta, fazer apelo ao caráter dos tempos pretéritos, empunhar uma boa dose de intransigência e, uma a uma, (re)fazer as suas marcações, (re)definir o seu território: o que é função docente e o que não é; que disciplinas/áreas podem/devem ensinar; o número máximo de alunos por turma; o número máximo de alunos/turmas por professor; o número máximo de horas de trabalho na escola; o que devem e o que não devem justificar: até onde vai a
responsabilidade/dever de informar os encarregados de educação; que competências/responsabilidades/incumbências podem/devem/aceitam ter enquanto diretores de turma… Definidos os seus limites, não devem transpô-los nem deixar que ninguém os transponha. Não é ético, não é profissional, não é honesto. Não é honesto.
Os professores têm de deixar de obedecer a todas as ordens, a todas as convocatórias, a todas as solicitações. Se querem realmente ser respeitados, têm de se pôr no seu lugar, porque ninguém o fará por eles nem ninguém os respeitará enquanto não o fizerem. Serão bonitos e multifacetados canivetes suíços, mas toda a gente vai querer metê-los num bolso.
Luís Costa
Sou professora há 24 anos. O máximo que consegui permanecer numa escola foram três anos, apesar de pertencer ao quadro de agrupamento. Neste momento que atravessamos, não consigo referir-me a escola nenhuma como 'a minha escola', tal como fazia quando era professora contratada. Não é só o número de alunos que temos, nem o número de turmas, nem o número de funções cada vez maior que temos. É, antes de mais, o clima instalado entre a classe de professores: o senhor diretor que tudo pode e quer e manda, os senhores coordenadores disto e daquilo a quem tem de se fazer a vénia, como se o professor tivesse de prestar vassalagem ao suserano! É o exerciciozinho do poderzinho sobre o outro, baseado na humilhação, na parcialidade, na discricionariedade, na difamação mesmo do bom nome das pessoas... E tudo isto a troco de quÊ? De uma indignidade relacional no local de trabalho, de uma exibição do 'eu sou melhor do que tu', da afirmação ridícula do 'eu não erro' e 'eu só digo verdades', e, por conseguinte, nada de contestação. Não há democracia nas escolas, não há partilha, não há trabalho colaborativo, não há humanidade... Em suma, o desânimo é crescente e nada do que se avizinha me parece que vá de alguma forma reduzi-lo.
ResponderEliminarSou professor a 10 anos... no Brasil...observo com tristeza a degradação da educação em Portugal. E sabe o que é pior? Saber, que o Brasil já passou por essa fase, e não conseguimos mais sair dela!! É educadores portugueses, esse é um caminho sem volta.. é como um câncer ou cancro como vocês dizem... só se alastra e daí a pouco se perde o controle. Lutem... lutem mesmo... com toda sua força, para que as mazelas de um governo não acabem com autoridade e a vontade de se educar. Desunião, desilusão, desrespeito são os próximos passos dessa derrocada da educação. Meu nome é Maximiliano Almeida email dozentmax@yahoo.com.br sou Bacharel em História.
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