sábado, 30 de julho de 2016

Poços - Bar dos Poços - Memórias

Bar dos Poços - S. Gonçalo - Amarante
Fotografia sei lá eu de quem...

Poços - Bar dos Poços - Memórias

A fotografia desfocada que hoje partilho com os meus leitores é absolutamente inconfundível e marca uma época de Amarante que durou anos a fio e que não voltará mais.
Nas décadas de sessenta, setenta e ainda oitenta, os Poços, mais tarde rebaptizados de Praia Aurora, bombavam a torto e a direito e nós com eles. De notar que, quando digo "com eles", estou-me a referir aos Poços, local de captação da água que abastecia a cidade mas também, simultaneamente, local da praia fluvial mais carismática da cidade de Amarante, praia que toda a gente da minha idade frequentou mais ou menos assiduamente.
Não deixa de ser curioso que, num tempo em que as praias fluviais não estavam na moda, não eram alvo de tantos arranjos e cuidados pelo país fora, Amarante e a sua Praia dos Poços davam cartas no plano interno e no externo também atraindo gente de muitas latitudes e longitudes... quem não se lembra das holandesas, das alemãs, das espanholas, das belgas, das francesas... que por cá poisavam tempos infindos de Verão, algumas reentrando ano após ano... algumas até permanecendo aqui para sempre, já que por aqui se estabeleceram fazendo de Amarante a sua terra bem amada e de adopção... e quem não se lembra dos moços janotas vindos do Porto e até de Lisboa, que por aqui deixavam escoar o Verão, ferrinhos ferrinhos acompanhando as meninas amarantinas... e as estrangeiras também... e quem diz moços diz moças, também elas chegadas da Invicta e da capital e que povoavam Amarante durante os meses de Estio.
Quanta amizade para sempre foi por aqui construída, em dias longos e descontraídos, passados muito dentro de água, tentando escapar à canícula, dura, do Verão Amarantino.
Não posso precisar o ano em que foi construído o Bar dos Poços, o bar que dava apoio a todos quantos faziam desta praia a sua segunda casa durante os longos meses de Verão mas, certamente, datará da década de setenta.
A fotografia que hoje partilho, onde está presente o meu irmão, o meu pai, o meu avô paterno, Rodrigo Queirós, e eu própria, foi captada no Bar dos Poços. Para quem conheceu o espaço, naquelas décadas douradas de Poços, esta identificação não tem nada que enganar.
Aqui desfiámos amizades faladas em muitas línguas... até em língua gestual... que os rapazes e as raparigas da terra sempre foram desempoeirados!... por aqui aprofundámos relações que perduram até hoje. Muitas delas, e as memórias a elas associadas, só morrerão connosco.

Um dia, escrevi:

Nascer em S. Gonçalo, no início dos anos sessenta, implicou quase nascer neste afluente do Douro que corta a minha cidade em duas metades distintas. Implicou aprender a nadar na água escura do rio entre cobras velozes a roçarem o meu corpo. Implicou chegar ao Penedinho... primeira etapa vencida no meu relacionamento com o Tâmega! E chegar ao Penedo Grande atingindo a maturidade fluvial!!! Implicou atravessar o rio, a nado, parar na outra margem, entre a vegetação, enterrar os meus pés nus no lodo macio, olhar à minha volta e ver os cágados e as lontras espraiando-se no rio. Implicou andar nas guigas do Tâmega, remando ora a favor, ora contra a corrente, saltar e mergulhar do pontilhão para a água verde do rio e lanchar, obrigada, com a pele dos dedos encarquilhada, branca e "cozida" pelo excesso de permanência na água, deliciosos pêssegos carecas apanhados nos quintais dos meus avós. Implicou atravessar os açudes, em equilíbrios perigosos, saltando de pedra em pedra, apanhar girinos, com as mãos em concha, para dentro de sacos plásticos transparentes, "caçar" rãs e aprisioná-las dentro de baldes de plástico e ficar a ouvi-las coaxar, numa sinfonia maravilhosa. Implicou viajar até Frariz, conhecendo o leito do rio e as pedras que se atravessavam no caminho e tomar um merecido banho no areal desta praia. Implicou assistir aos salvamentos do Quinzinho da Cerca, de quase afogados, numa repetição quase anual de generosidade e de entrega da sua parte. Implicou esticar-me no sol quente do areal, comer gelados do Mário nos Poços... e... saudades, saudades de um tempo e de um Tâmega que infelizmente não são os de hoje.
Estas memórias de infância são minhas. Mas também são as de muitos da minha geração.
Hoje partilho-as.

Nota - Agradeço o envio desta fotografia à minha amiga de infância Francisca Cruz, que, para mim, será sempre a Chiquinha. Até ao fim dos nossos dias.

Bónus!

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