"Voltou à baila o tema dos
trabalhos de casa. Do muito que se tem dito, pouco se aproveita. Temo que entre
a “nefelibatice finlandesa” e o “sacode-o-capote” bem português haja de tudo um
pouco, com muito disparate e muito chico-espertismo à mistura. Deixa-me
desolado este constante despejar tudo sobre a escola e sobre os professores,
que, como esponjas, tudo absorvem (até rebentarem). Mas o que mais me custa é
ver o corpo docente na posição de sujeito da passiva, à espera que as mudanças
lhe caiam em cima.
A Escola é um sistema. Como tal,
nenhuma alteração de uma parte pode ser isolada do todo, das repercussões que
nele terá e das que dele sofrerá. Se essa harmonização não for previamente
estudada, o fracasso é mais que certo, como tem acontecido. Já devíamos ter
aprendido.
A sociedade, os últimos ministros
desta pasta e muitos pais e encarregados de educação têm dado imensas esmolas
para o peditório da desautorização dos professores. Esta (levada até ao cúmulo
do ridículo) tem produzido as piores consequências na sala de aula, com
prejuízos graves para os alunos: diminuição drástica do tempo letivo útil,
crescente falta de respeito, desconcentração generalizada, desinteresse, pouca
ambição, sentimento de impunidade… Paralelamente (e paradoxalmente), o que se
pretende que os catraios aprendam não para de crescer. Chamemos-lhes programas,
chamemos-lhes metas, chamemos-lhes competências, chamemos-lhes conhecimentos…
chamemos-lhes o que quisermos, a verdade é que engordam de modo inversamente
proporcional ao tempo útil de cada aula. Como se tal não bastasse, de todos os
lados, aumentam as vozes que exigem, cada vez mais, que os professores se
desenrasquem neste turbilhão, neste desnorteado vórtice. E ai deles, se não
cumprirem o programa! Ai deles, se não souberem lidar com todas as diversidades
e todas as adversidades! Ai deles, se não levarem o “sucesso” a beijar os três
dígitos! Ai deles — começa agora a dizer-se —, se marcarem trabalhos de casa!
Como anda iludido o nosso povo!
Há quase uma década que, neste e
noutros espaços semelhantes, tenho defendido idêntica posição (aqui, por exemplo). É possível e desejável que tal aconteça, mas de forma
sistémica, não isolada. Caso contrário, em vez de diminuirmos as desigualdades,
reforçamo-las, ainda que com ilusão contrária. Um sistema que proporcionasse a
todos os alunos um acompanhamento qualificado no seu imprescindível trabalho
individual, fora da aula, seria, sem qualquer dúvida, uma arma poderosa contra
as assimetrias, uma prodigiosa força democratizadora da escola e da sociedade.
Porém, para que tal aconteça, é preciso possuir genuína e corajosa vontade
política, sem demagogias, sem hipocrisias, sem populismos, sem aproveitamentos,
sem eleitoralismos à mistura.
Querem acabar com os trabalhos de
casa? Querem mesmo? A sério? Então, em primeiro lugar, deixem-se de imitações
nórdicas. Nós somos latinos e temos uma História completamente diferente. Em
seguida, dignifiquem os professores, não os desautorizem, devolvam-lhes, de
facto, a presunção de verdade (refiro-me, neste particular, a políticos e a
encarregados de educação). Concomitantemente, queiram tomar as seguintes
decisões, no ensino básico (agora, só para políticos verdadeiros): não permitam
que as escolas tenham mais turmas do que salas; emagreçam o currículo, de modo
a que as crianças só tenham aulas de manhã; emagreçam também os programas, devolvendo ao ensino e à
aprendizagem o precioso tempo da aplicação, da consolidação, da exercitação, da
expansão… (a qualidade significativa em vez da quantidade superficial e
efémera); devolvam às crianças o tempo (suficiente) de recreio livre após o
almoço (aulas nessa hora é… contranatura); depois dessa oxigenação do corpo e
da alma, encaminhem-nas diferentes ofertas pedagógicas livres de avaliações
(clubes, núcleos disto e daquilo, projetos…); finalmente, façam-nos regressar
às respetivas salas, onde farão os trabalhos, já não de casa, mas de escola,
sob a supervisão dos professores. Assim, todos os alunos terão “pais” com
formação superior. Entendem-me, não é verdade?
Ganhará a escola, ganhará a
família, ganhará a sociedade. Mas quem mais ganhará, de facto, são os que agora
perdem e se perdem com tão exuberante desorientação."
Nota - Com os meus agradecimentos ao Luís Costa pela pertinente prosa! Retirada daqui.
Falar sobre os excessos cometidos de TPC não é mais um ataque aos professores. De facto quando os alunos estão 09:00 por dia na escola proporcionar mais escola é minar à uma velocidade furiosa a motivação dos alunos.
ResponderEliminarA escola a tempo inteiro deu no que deu. :(
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