terça-feira, 14 de março de 2017

Parecer da FENPROF sobre o Perfil dos Alunos


Parecer da FENPROF sobre o Perfil dos Alunos

“PERFIL DOS ALUNOS À SAÍDA DA ESCOLARIDADE OBRIGATÓRIA” 
PARECER DA FENPROF 

A merecida valorização do documento O Grupo de Trabalho criado pelo Ministério da Educação para elaborar o “Perfil dos alunos à saída da Escolaridade Obrigatória”, presidido pelo Dr. Guilherme d’Oliveira Martins, apresentou no decorrer do mês de fevereiro o resultado final do seu trabalho. A FENPROF faz uma apreciação bastante positiva do ”Perfil”, porque este, rompendo com o legado da equipa de Nuno Crato, diverge de forma frontal das soluções neoliberais que têm pautado a política educativa no nosso país nas últimas décadas, nomeadamente ao nível da organização curricular e pedagógica. O documento assenta numa visão humanista da Educação, em clara oposição à postura tecnoburocrática até aqui prevalecente; regista o conceito de complementaridades no que toca aos saberes e recusa a visão hierarquizada destes, que teve o seu apogeu com o último governo da direita; sedimenta uma perspetiva de inclusão, por oposição a visões elitistas e excludentes implementadas no nosso país pelos arautos do neoliberalismo em educação. Logo no Prefácio, opondo-se à visão redutora e autoritária da aquisição de competências dirigidas à entrada no mercado de trabalho, é referido que o “aprender a conhecer, o aprender a fazer, o aprender a viver juntos e a viver com os outros e o aprender a ser constituem elementos que devem ser vistos nas suas diversas relações e implicações”. O Grupo de Trabalho considera que “isto mesmo obriga a colocar a educação durante toda a vida no coração da sociedade”. Esta referência merece algum realce porque a essência das propostas agora feitas coloca a educação ao longo da vida bem para além das lógicas da chamada educação de segunda oportunidade. Prefigura, isso sim, uma valorização do saber que dota os alunos, ao fim de doze anos de escolaridade, de uma genuína vontade de continuar a aprender durante toda a vida, seja qual for a opção de futuro que venham a adotar. Tudo isto, ali é dito, destinado a “pensar e a criar um destino comum humanamente emancipador”. O apelo à “necessidade de preparar os jovens para uma vida em constante e rápida mudança” obriga, tal como estabelece o documento em apreço, a uma construção integradora das competências-chave apresentadas. A FENPROF concorda com esta mudança de paradigma. F-052/2017 Rua Fialho de Almeida, nº 3 – 1070-128 LISBOA – Telef. 213819190; Fax. 213819198; E.mail: fenprof@fenprof.pt www.fenprof.pt 2 Um bom documento não garante, por si só, as mudanças necessárias A apreciação do documento não faz esquecer, em momento algum, que diferentes aspetos positivos nele contidos estão, no entanto, sujeitos a barreiras e constrangimentos que impedem e ou condicionam o desenvolvimento, nas escolas, do perfil dos alunos ora apontado. As dez competências valorizadas no “Perfil dos alunos para o século XXI” serão esvaziadas de conteúdo se não forem tomadas medidas ao nível da avaliação. O modelo de avaliação dos alunos privilegia as competências relativas às áreas curriculares e disciplinares concomitantes com o Português e a Matemática. A alteração do modelo de avaliação, a alteração do currículo, e não apenas a sua flexibilização, são pressupostos para que se possam desenvolver as competências descritas para os alunos, ao fim de 12 anos de escolaridade. Caso contrário, mais uma vez, esgotar-se-ão os interesses e energias das escolas sem que se efetive qualquer mudança substancial e estaremos, também mais uma vez, perante um mero artificialismo de carácter teórico. Sendo os docentes sujeitos indispensáveis na implementação de quaisquer medidas de política educativa nas escolas, situações extremamente insatisfatórias vividas diariamente por estes profissionais, tais como carreiras congeladas e desvalorizadas, turmas superlotadas, tensão na relação com alunos, escassos recursos materiais e didáticos, indisciplina na sala de aula, excesso de carga horária, inexistente participação nas políticas e no planeamento institucional, cerceamento da autonomia profissional, as constantes mudanças – muitas delas de caráter regressivo – ocorridas no sistema público de educação, a precariedade e a falta de rejuvenescimento do corpo docente são contraditórias com o enunciado do “Perfil”. Reforcese: a FENPROF entende que a manutenção daquele quadro é radicalmente incompatível com o desenvolvimento do perfil do aluno proposto. Prosseguindo, centre-se, por agora, a atenção nas formas de organização impostas hoje às escolas. Ao longo de todo o documento e, em particular, no ponto intitulado “Visão”, enfatiza-se a necessidade de que a Escola cumpra a sua função social na promoção de processos educativos que formem cidadãs e cidadãos críticos e atuantes e no desenvolvimento de uma pedagogia participativa e democrática. Em contraposição a esta visão, hoje apresentase aos alunos, como modelo ou referencial nas escolas, um paradigma de organização social excessivamente estratificado e hierarquizado, em que impera um estilo de comando e controlo apertado e centralizador, o qual favorece relações assimétricas de poder, numa lógica centralista em que um órgão unipessoal se apropria e detém o poder de posição oficial, o poder de especialista, o poder pessoal, o poder de controlo das recompensas e o poder coercivo. No documento em apreço, no entanto, aponta-se um modelo que visa simultaneamente “a qualificação individual e a cidadania democrática”, o qual pressupõe um paradigma democrático, promotor de participação, empenho, sentido crítico e responsabilidade. Ora, na prática, o modelo de gestão dos estabelecimentos de ensino portugueses perdeu os últimos laivos de democracia com a substituição do órgão de gestão colegial por um unipessoal, com a escolha de um diretor por um pequeno grupo de intervenientes em detrimento da eleição pela comunidade escolar, com a desvalorização do conselho pedagógico, órgão que passou a ser composto por elementos nomeados sem que representem, verdadeiramente, as estruturas de coordenação e supervisão pedagógica e orientação educativa das escolas e esvaziando-o de competências de decisão. Por sua vez, o modelo democrático imanente da Revolução do 25 de Abril de 1974 assenta numa lógica mais colaborativa e cooperativa, aberta ao diálogo, características diretamente relacionadas com as práticas de gestão colegiais e F-052/2017 Rua Fialho de Almeida, nº 3 – 1070-128 LISBOA – Telef. 213819190; Fax. 213819198; E.mail: fenprof@fenprof.pt www.fenprof.pt 3 descentralizadas, sem estereótipos elitistas, exigências privilegiadas nas organizações do hoje e do amanhã e em que estão pressupostos três princípios fundamentais da democracia, a saber: eleição, colegialidade, participação na decisão. O perfil dos alunos para o século XXI pressupõe uma verdadeira autonomia das escolas. No entanto, a proposta de lei-quadro para a transferência de competências na área setorial da educação para as autarquias locais conduzirá à perpetuação de uma autonomia decretada e cada vez mais restritiva das escolas e da liberdade pedagógica e profissional dos profissionais da educação, professores e trabalhadores não docentes, podendo ainda pôr em causa o caráter universalista da educação pública e, mesmo, em alguns casos, a sua matriz democrática. A FENPROF faz uma avaliação positiva do documento, mas salienta que uma visão holística e humanista da educação não se compadece com a continuidade de políticas educativas de cariz marcadamente neoliberal. Promover e garantir o envolvimento e a participação dos docentes O perfil do aluno pretendido à saída da escolaridade obrigatória aponta para uma mudança de paradigma na educação. Esta mudança implica alteração, também, nas práticas pedagógicas dos docentes e, como “não se muda por decreto”, há que garantir as condições necessárias para que o professor sinta necessidade de mudar a sua atuação. Para dar resposta ao perfil do aluno apresentado, os docentes necessitam de tempo para refletir sobre as suas próprias práticas, discutidas em ambiente escolar, com os seus pares, despertando assim o interesse pela mudança na prática educativa. São necessários espaços de diálogo para os professores terem condições para trocar experiências e para repensar e adequar as suas práticas às exigências de um novo conceito de aluno: um aluno crítico, com vontade de aprender e continuar a aprender ao longo de toda a sua vida, com competências assentes em conhecimentos, capacidades e atitudes nas diversas áreas de desenvolvimento e aquisição de competências-chave; um cidadão à saída da escolaridade obrigatória com uma perspetiva humanista e inclusiva, assentando toda a sua ação, de forma reflexiva, mas sempre sustentada num conhecimento efetivo. Cidadãos autónomos, que pensam por si e que estabelecem relações com os outros. Esta é a principal função social da escola: preparar o aluno para a vida numa sociedade em constante transformação. Esta mudança só pode acontecer se os professores forem envolvidos na discussão, na construção e na implementação destas alterações, em termos de uma participação ativa em todo o processo. Professores como autores e atores da sua prática pedagógica, em constante partilha de saberes e experiências com os seus pares. O que, manifestamente, diverge da situação para que a profissão docente tem sido remetida pelas políticas de diferentes governos. Não podem ser aqui menorizadas dimensões incontornáveis que têm a ver com a formação dos docentes, inicial, contínua e especializada, e, de cariz diferente mas absolutamente determinante, a resolução dos magnos problemas do desgaste e do envelhecimento do corpo docente, agravados de forma brutal com as políticas dos últimos largos anos. A FENPROF considera indispensável a organização de espaços de debate e reflexão nas escolas, envolvendo todos os professores, numa perspetiva construtiva de uma ação coerente F-052/2017 Rua Fialho de Almeida, nº 3 – 1070-128 LISBOA – Telef. 213819190; Fax. 213819198; E.mail: fenprof@fenprof.pt www.fenprof.pt 4 com as conceções que se pretende que os alunos apresentem no final da escolaridade obrigatória. A mudança que se perspetiva neste documento é importante e urgente, mas “ninguém muda por decreto”! Sem a criação, intencional e generosa, de condições de envolvimento dos docentes, tornando-os participantes interessados, ativos e respeitados neste processo, o perfil do aluno agora proposto não passaria de mais um exercício especulativo – ou de propaganda – no campo da educação e do ensino.

13 de março de 2017
O Secretariado Nacional

Parecer retirado daqui.

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