Rua da Cadeia - S. Gonçalo - Amarante
TRÊS RAZÕES E MEIA
PARA GOSTAR DA «FLOR»
PARA GOSTAR DA «FLOR»
O sr. padre Morais beijava o altar depois do «Ite, missa est» e, de novo voltado para os fiéis, abençoava-nos: «Benedicat vos omnispotens Deus, Pater et Filius, et Spiritus Sanctus». Dava-se a debandada. Já havia ratinhos na barriga. E só o S. Gonçalo é que não ia almoçar.
Meus pais e os quatro filhos íamos de seguida até «A Moda», entrando pela porta da varanda que também servia de acesso à casa do sr. Maia alfaiate. O pai recolhia o correio, metido pelo carteiro por debaixo da porta principal do estabelecimento, e, antes mesmo de ler a correspondência comercial, passava os olhos pela «Flor do Tâmega».
As cartas ficavam em descanso até ao outro dia, segunda-feira, em cima dum dos balcões, mas a «Passarinha», essa é que não ─ assistia às provas das farpelas que o sr. Maia tivesse em mãos, seguindo depois connosco para casa, onde éramos recebidos pelo cheiro quente, inebriante e apetitado, das pingadeiras, abarrotadas de vitela e de batata, a rechinarem nas fornalhas do fogão a lenha. Pingadeiras, e não pingadeira, porque duas, ainda antes de nos sentarmos todos à mesa, iam direitinhas para a cadeia, levadas como viático pelas mãos possantes da Laura. Nós, os meninos, formávamos o préstito, aguardado com palmas pelos presos. E também com a mesma pergunta de sempre: «Não se esqueceram do jornalzinho?» E lá ficava, na cadeia, a «Flor do Tâmega» da semana anterior, para ser lida e relida, passada e repassada.
Meus pais e os quatro filhos íamos de seguida até «A Moda», entrando pela porta da varanda que também servia de acesso à casa do sr. Maia alfaiate. O pai recolhia o correio, metido pelo carteiro por debaixo da porta principal do estabelecimento, e, antes mesmo de ler a correspondência comercial, passava os olhos pela «Flor do Tâmega».
As cartas ficavam em descanso até ao outro dia, segunda-feira, em cima dum dos balcões, mas a «Passarinha», essa é que não ─ assistia às provas das farpelas que o sr. Maia tivesse em mãos, seguindo depois connosco para casa, onde éramos recebidos pelo cheiro quente, inebriante e apetitado, das pingadeiras, abarrotadas de vitela e de batata, a rechinarem nas fornalhas do fogão a lenha. Pingadeiras, e não pingadeira, porque duas, ainda antes de nos sentarmos todos à mesa, iam direitinhas para a cadeia, levadas como viático pelas mãos possantes da Laura. Nós, os meninos, formávamos o préstito, aguardado com palmas pelos presos. E também com a mesma pergunta de sempre: «Não se esqueceram do jornalzinho?» E lá ficava, na cadeia, a «Flor do Tâmega» da semana anterior, para ser lida e relida, passada e repassada.
Uma segunda razão que me levou a afeiçoar-me, ainda mais, à «Flor do Tâmega», foi quando meu pai foi ofendido na sua honor e probidade profissional.
Cruzando-se dois sujeitos no passeio da Rua de Cândido dos Reis ─ o do lado do Hotel Silva ─ , um deles quis saber do outro:
─ Onde compraste esse chapéu?
─ Na loja do Carvalho! ─ respondeu o interpelado, descobrindo-se e afeiçoando com uma das mãos a aba da peça de feltro.
─ Pois compraste uma boa merda!
O deslustre não se ficou pelas palavras. Arrancando-o das mãos do outro, o interpelador atirou com o chapéu ao chão. Meu pai decidiu processar judicialmente o peralta, membro de uma família conceituada de Amarante. Logo se atravessaram as figuras gradas da terra. Sem deixarem de lamentar e condenar o sucedido, pediram a meu pai que reconsiderasse e levasse a ofensa à conta de execrável leviandade. Depois de muito assediado e instado, meu pai cedeu. Mas com uma condição: que o tratante se retractasse publicamente na «Flor do Tâmega», afirmando-se etilizado aquando do seu reprovável acto.
Cruzando-se dois sujeitos no passeio da Rua de Cândido dos Reis ─ o do lado do Hotel Silva ─ , um deles quis saber do outro:
─ Onde compraste esse chapéu?
─ Na loja do Carvalho! ─ respondeu o interpelado, descobrindo-se e afeiçoando com uma das mãos a aba da peça de feltro.
─ Pois compraste uma boa merda!
O deslustre não se ficou pelas palavras. Arrancando-o das mãos do outro, o interpelador atirou com o chapéu ao chão. Meu pai decidiu processar judicialmente o peralta, membro de uma família conceituada de Amarante. Logo se atravessaram as figuras gradas da terra. Sem deixarem de lamentar e condenar o sucedido, pediram a meu pai que reconsiderasse e levasse a ofensa à conta de execrável leviandade. Depois de muito assediado e instado, meu pai cedeu. Mas com uma condição: que o tratante se retractasse publicamente na «Flor do Tâmega», afirmando-se etilizado aquando do seu reprovável acto.
Uma terceira razão: o destaque dado pela «Flor do Tâmega» ao funeral do meu pai, nascido em Santa Cristina de Figueiró e falecido, aos 44 anos, no dia de Santa Cristina, 24 de Julho, que nesse ano de 1949 caiu a um domingo…
Por fim, a meia razão. Tinha" a «Flor do Tâmega» uma rubrica ─ A Carteira ─ em que eram assinalados os aniversários dos assinantes e dos seus filhos. Na data própria, lá saiu a efeméride: « Dia 6 de Setembro ─ O menino Fininho (em vez de Zezinho), filho do proprietário de «A Moda», senhor Joaquim Teixeira da Costa Carvalho, e da senhora D. Laura Carneiro da Silva Carvalho».
Oh! Que gozo pegado o dos meus irmãos! Que eu era fininho, o que se diz mesmo um caniço, já não duvido ao ver-me numa foto mandada ─ vai para alguns anos e (que vergonha!) nunca agradecida ─ pelo Joaquim Coelho Oliveira. A velha escola de S. Pedro e só nós, os putos, na fotografia! Tirada em "plongée", para cabermos todos, pelo pai do Eduardo?
Ainda assim, e para que conste, acho que, mesmo volvidos tantos anos, vale a pena "exigir" a rectificação do "Fininho". Ela aqui fica, por conta própria, já nem sequer como anedota; antes como um envelhecido sorriso pespontado no rosto sempre jovem da saudade.
Oh! Que gozo pegado o dos meus irmãos! Que eu era fininho, o que se diz mesmo um caniço, já não duvido ao ver-me numa foto mandada ─ vai para alguns anos e (que vergonha!) nunca agradecida ─ pelo Joaquim Coelho Oliveira. A velha escola de S. Pedro e só nós, os putos, na fotografia! Tirada em "plongée", para cabermos todos, pelo pai do Eduardo?
Ainda assim, e para que conste, acho que, mesmo volvidos tantos anos, vale a pena "exigir" a rectificação do "Fininho". Ela aqui fica, por conta própria, já nem sequer como anedota; antes como um envelhecido sorriso pespontado no rosto sempre jovem da saudade.
P. S. - Joaquim Oliveira, se te chegar aos ouvidos que eu falei de ti, vê se me arranjas a "tais" foto que eu não sei onde meti! Prometo desta vez agradecer, antes de esticar o pernil... Um abraço e BOM ANO!
Fiquei embebecida a ler esta narrativa eu, ainda não era nascida nem tão pouco em
ResponderEliminarprojecto, mas ainda me lembro de alguns nomes que foram citados. Adorei. Quanto à fotografia da Rua da cadeia também adorei eu, vivi numa das casas que se vêm na foto, o que me trás muitas memórias. Obrigada pela partilha, fizeram que eu tenha uma boa entrada em 2018 o mesmo desejo para toda as pessoas.