sexta-feira, 23 de outubro de 2020

Irmãos de Samuel - A História Importa - A Palavra a Paulo Guinote


Irmãos de Samuel - A História Importa - A Palavra a Paulo Guinote 

Hoje dou a palavra ao Professor Paulo Guinote, subscrevendo-o por inteiro e confessando as minhas dificuldades acrescidas em lidar com este facto – o bárbaro assassinato de um Professor que, no seu local de trabalho, exercia aquela que eu considero ser uma das mais nobres profissões criadas pelo Homem, a única que dá origem a quase todas as outras, e que é exactamente a que nós também exercemos.

Abrir janelas e portas mentais, é preciso, sempre foi preciso, continuará a ser sempre preciso. Nós, de História, sabemos bem que as trevas podem estar ao virar da esquina. 

"Passa uma semana sobre o assassinato de um professor de História francês (Samuel Paty), por ter mostrado aos seus alunos caricaturas de Maomé. Como comprador antigo de banda desenhada satírica francesa (sim, do Charlie Hebdo muito antes da fama pelas piores razões, da L’Echo des Savannes, da Fluide Glacial, porque cá é o que ainda se acha), consumidor assumido de cartoons que alguns consideram blasfemos e professor de História que recorre muitas vezes a este tipo de suporte para ilustrar episódios e fenómenos da História mais recente (e não só), sinto que a violência se exerceu sobre um parte de mim, mesmo se de forma alguma me sinto no perigo que ameaça outros colegas, em outras paragens.  

Há um par de dias, a Anabela Magalhães chamou-me a atenção para a importância de assinalarmos esta data com algum tipo de iniciativa, em especial com um grafismo evocativo que nasceu de uma muito breve sessão de brainstorming virtual. Quase tudo se deve a ela, embora quem se lembrar de uma bd produzida nos tempos do Umbigo possa reconhecer os pássaros como metáforas de professores, só que agora estão bem negros, num luto bem literal. Como professores, em particular de História e muito em especial com o gosto de usarmos o humor e fontes de todo o tipo para ilustrarmos as nossas aulas e transmitirmos aos alunos a percepção da diversidade das experiências humanas através do tempo, do espaço e das sociedades, sentimo-nos “irmãos do Samuel” porque, no fundo, apenas temos a sorte de viver num cantinho onde, apesar de nem sempre ser muito bem frequentado, nos sentimos em segurança para ensinar e, ao fazer isso, recorrer a materiais que pensamos não colocar a nossa vida em risco. E esperamos que assim aconteça, apesar de sabermos que a intolerância se espalha velozmente e o desprezo pela História e a sua menorização no currículo corre a par com a nem sempre assumida vontade de truncar a memória das gerações, para ser mais fácil dar-lhes uma versão asséptica ou monocromática – seja de que sentido for – do passado humano.   

Pessoalmente, acho quase tão perigosos aqueles que fazem tudo pela calada e com um discurso sonso a favor da “diversidade” que desmentem na prática, quanto os que vozeiam por aí contra moinhos de vento ideológicos que existem apenas residualmente nas convicções mesmo dos que ainda parecem ortodoxos. Os tempos são de marca cinzenta ou de extremismos meio afantochados, sejam os da destra ou da sinistra. Os autocolantes na porta do gabinete da deputada joacine são para mim tão caricatos quanto o retorno às teses pré-científicas de algum conservadorismo cultural, pois dos dois lados apenas promovem uma mal disfarçada intolerância. Aquela que, no fundo, levou ao martírio do professor Samuel.  

Por isso, fica aqui o apelo para quem aguentou ler isto, no sentido de escreverem também algo sobre o tema ou, pelo menos, divulgarem a imagem que a Anabela produziu para este dia. Para todos os dias.  

A História Importa. A Memória importa. O Humor importa. Muito. Porque a Liberdade Importa." 

Paulo Guinote


7 comentários:

  1. Muito obrigada, Anabela, por este belíssimo texto que subscrevo na íntegra. Adoro a sua forma de pensar e a rebeldia, a forma como ousa abordar alguns assuntos polémicos. Falta-me essa coragem que admiro em gente, livre pensadora e que arrisca ser bloqueado, criticado ou... no limite da ignorância, assassinado! Pugnemos por defender os nossos valores, a liberdade de expressão, a democracia! Viva a França livre! Viva a democracia e quem a defende!
    ...

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  2. Viva, Maria!
    Este texto, que eu subscrevi por inteiro, é do Paulo Guinote.
    Agora, não vale desistir. Ainda ontem, sexta-feira, abordei estes assuntos na minha aula de História com uma turma do 7.º ano e mostrei-lhes esta imagem, ajudando-os a interpretá-la. E disse-lhes o que lhes digo sempre - não julguem que os vossos direitos são um bem adquirido para todo o sempre. Preparem-se para, em caso de necessidade, os defenderem com unhas e dentes.
    Liberdade, Igualdade, Fraternidade, Laicidade são valores de que não poderemos abrir mão sob pena de mergulhar na escuridão.
    Grata pelo carinho, Maria!

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  3. Obrigada pela iniciativa Anabela e Paulo!
    Cada vez há mais confusão no que diz respeito ao conceito de liberdade, já para não falar do mau aproveitamento, muita vez tendencioso, dos conceitos de igualdade e fraternidade. Nunca é demais difundir estes ideais e explicar como funcionam na prática, identificando os logros com que nos tentam confundir diariamente.

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  4. Vamos fazendo o que está ao nosso alcance. Mas os tempos que vivemos são difíceis e muito, muito exigentes.
    Atenção redobrada, precisa-se!
    Beijinhos Fátima. E cuida-te!

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  5. Precisamos de cidadania como pão para a boca! Precisamos de memória! Obrigada aos professores e professoras que continuam a acreditar e a investir na educação para a DIFERENÇA, LIBERDADE DE EXPRESSÃO e RESPEITO pelos que lutaram e lutam por um MUNDO melhor! Boa continuação! Muita FORÇA e resistência!

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  6. Verdade. Precisamos. Por todo o lado se sente a falta dela.
    Grata pelo apoio.

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  7. Verdade. Precisamos. Por todo o lado se sente a falta dela.
    Grata pelo apoio.

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