quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Khaddafi


O Guia da Revolução - Trípoli - Líbia
Fotografia de Artur Matias de Magalhães

معمر القذافي

Muammar Abu Minyar al-Khaddafi está entre nós. Chegou pela manhã a Lisboa, com o espalhafato do costume, para a tão esperada cimeira UE-África, e montou, literalmente, tenda entre nós. Nascido no Grande Sahara, Khaddafi continua fiel às suas origens nómadas, recusando os costumeiros palácios presidenciais, tão comuns em todos os continentes. Vai daí, Khaddafi continua a montar tendas, para si e para o seu séquito, quer seja na Líbia, quer seja fora dela. Lisboa não foi, por isso, excepção e as tendas foram montadas no Forte de S. Julião da Barra, aqui sem o famoso sirocco ou, como lhe chamam na Líbia, o ghibli, o vento quente e seco que, não raras vezes, se faz sentir no deserto. Com ou sem vento, as tendas propiciarão todo o conforto a um dos líderes mais curiosos e originais a nível mundial.
No poder desde 1969, o que faz dele um dos líderes mundiais há mais tempo no poder, e o mais antigo de todo o continente africano, é Presidente do Conselho da Revolução e dirige a Grande Jamahiriyah Socialista Popular da Líbia Árabe com mão de ferro desde os seus vinte e sete anos. Devo dizer que aquando da minha visita à Líbia, em 2004, pensava encontrar um país onde o culto à personalidade deste personagem estivesse omnipresente e, surpreendentemente, a realidade não correspondeu à minha expectativa. Um ou outro cartaz de Khadafi em Trípoli e, nas outras localidades por onde andei, nem rasto dele. Pensava encontrar um estado hiper-policiado e também aqui me enganei. Controlo policial à entrada e saída das povoações e nada mais. E em Trípoli vi apenas um polícia de trânsito. Não sei se andarão disfarçados de pessoas normais, não sei se andarão infiltrados, mas pensava encontrar um país ostensivamente policiado como Marrocos, e um culto à personalidade como o que vigorava com Hassan II, cuja presença se fazia sentir em cada passo dado, em cada esquina dobrada, em cada porta flanqueada.
Durante a minha estadia na Líbia pouco contacto tive com a população local, embrenhada que andei pelo deserto, mas recordo um, surpreendente, com um grupo de professoras e os seus alunos, numa espécie de colónia de férias. Assim que elas souberam que estavam por ali estrangeiros, nomeadamente professoras portuguesas, procuraram-nos e, curiosas de tudo, bombardearam-nos com as suas questões. Uma curiosidade imensa da parte de uma população que durante tantos anos estivera com os contactos completamente vedados com o exterior. O mais surpreendente para nós foi o aspecto daquelas mulheres árabes, professoras. Havia-as vestidas de forma tradicional, com lenço cobrindo a cabeça, sem lenço na cabeça, vestidas de forma perfeitamente ocidentalizada, em qualquer dos casos absolutamente todas de cara destapada. Recordo uma em particular, com quem falei durante mais tempo, uma mulher belíssima e sorridente, muito bem maquilhada, cabeça completamente descoberta com longos cabelos pelas costas, culta e informada e que me fez recordar Khaddafi por uma razão muito simples. De todas as curiosidades à volta de Khaddafi esta é aquela pela qual eu nutro mais simpatia - Khaddafi é feminista, e as mulheres do seu país a ele lhe devem o papel que desempenham dentro de um país secular, mas muçulmano, onde as mulheres podem desempenhar os mais altos cargos, vestir-se da forma que entendem, conduzir automóvel ou até avião se para aí estiverem viradas. Sou sensível a isto. E confesso que quando vejo aquele folclore da sua guarda pessoal, composta por mulheres, mulheres em quem ele confia a sua segurança, não consigo deixar de sorrir. De contentamento.
E a propósito do seu país disse Seif al-Islam, filho segundo de Khaddafi e o seu mais provável sucessor: “Nos últimos 50 anos, passámos de uma sociedade tribal a uma colónia, de colónia a reino, e de reino a uma república revolucionária. Tenha paciência”.
De facto. Sejamos pacientes. Nem tudo está errado na Líbia.

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