terça-feira, 11 de março de 2008


Barca - Carvalho de Rei - Serra da Aboboreira - Amarante
Fotografia de Artur Matias de Magalhães

Ricardo Cerqueira

Viagem através da vida, da mente e do monte

II - Capítulo

Agora que já me conhecem quando eu tinha dez anos, é altura de vos contar a minha aventura.
Estávamos a viver um Inverno particularmente rigoroso. As folhas das poucas árvores pendiam como estalactites pontiagudas de gelo. Apesar do frio, gosto do Inverno, poder moldar a neve, observar os pequenos e perfeitos flocos a cair do céu nublado. Este era como uma cortina imaterial que separa as estrelas dos nossos olhos que, em vão, procuram um pequeno brilho cintilante.
Sim, quando se vive longe da cidade e das suas luzes e ruídos, habituamo-nos a ter uma noite muito clara, pois as estrelas que inundam o céu, vestem a lua com um brilho prateado tão luminoso, que imita o Sol. O único problema de estar no Norte, numa noite estrelada, é o barulho dos uivos dos lobos famintos. Nas noites de luar, ouve-se perfeitamente aquela “voz da floresta” a dirigir-se à lua.
Voltando à história, como já disse, o Inverno estava a ser muito rigoroso e a lenha era cada vez mais necessária para manter a nossa casa quente. Foi numa dessas noites de luar hipnotizante que o meu pai teve de sair de casa para ir buscar madeira. Como se lembram, não existiam árvores perto do lago, pelo que o meu pai teve de se afastar bastante de casa. Obviamente, fiquei muito preocupada e não queria deixá-lo sair de casa com o frio que se fazia sentir. Mas o frio não era a minha maior preocupação, eu tinha presenciado uma conversa do meu pai com outros guardas, sobre o quão agressivos os lobos daquela região se tinham tornado devido à escassez de alimento naquele Inverno exageradamente severo. Mas, embora estivesse preocupada, sabia que o meu pai conhecia bem a região e saberia esconder-se se necessário, por isso mantive o meu sangue-frio.
Esperei pelo meu pai a noite toda sem que ele regressasse. Acabei por ser vencida pelo cansaço e adormeci. Quando acordei reparei que continuava sozinha, por isso, concentrei-me e chamei o meu amigo imaginário. Ele perguntou-me o que se passava e eu respondi-lhe que ele já sabia. A partir desse momento, ele começou um longo discurso que foi reconfortante e encorajador, terminando com a seguinte questão:
- Só resta saber que decisão vais tomar e o que vais fazer a seguir.
Fiquei-lhe agradecida e a minha irresolução e medo cederam lugar à esperança e coragem.
Decidi esperar mais umas horas, porque o meu pai ainda poderia voltar, mas se estivesse em apuros eu deveria ser rápida.
Enquanto esperava, e já a preparar-me para a eventualidade de o meu pai não regressar, organizei e racionei a comida, preparei as lanternas, procurei o estojo de primeiros-socorros e coloquei tudo na minha mochila.
Provavelmente estão-se a perguntar porque é que eu não utilizava o telefone para pedir ajuda, em vez de estar com tanto aparato e confusão. Na verdade, durante uma tempestade de há dias atrás, um raio atingiu um poste e ficámos sem electricidade e sem linha telefónica. O meu pai esperava que o mau tempo passasse para ir à cidade chamar alguém para arranjar o poste.
As horas foram passando e achei que era altura de me pôr a caminho.
Mas, a caminho de quê? Não podia ir à procura do meu pai, porque se ele estivesse em apuros, eu pouco ou nada poderia fazer. Também não podia ir a pé para a cidade, a distância era muito grande, demoraria cerca de três horas de carro. A única coisa que podia fazer era atravessar o monte e ir até ao próximo posto de guarda-florestal. Então, sem mais demoras, pus-me a caminho.

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