Um Dia na Vida de Uma Hooligan I
Hoje apetece-me relatar como decorreu o meu dia de trabalho da passada segunda-feira.
O meu despertador toca invariavelmente às sete e meia. Felizmente moro a 5 minutos da escola onde trabalho e, assim sendo, uma hora chega-me e sobra-me para andar nas calmas e estar na escola 10 ou 15 minutos antes do toque, a tempo de tomar o meu cafezito e trocar meia dúzia de novidades com alguns colegas hooligans para ganhar ânimo para o resto do dia.
Nem todos os hooligans que trabalham na minha escola se podem dar a este luxo. É que há hooligans do Porto, de Braga, de Vila Real e da Conchinchina que a acrescentar ao tempo da toilette matinal e ao do pequeno-almoço ainda têm a acrescentar as viagens.
Na segunda-feira apresentaram-se a preceito, muitos de preto integral, de luto pela educação. Verdadeiros hooligans.
Mas continuando. Depois do café lá subi as escadas para a biblioteca da escola onde os hooligans que recorrem às novas tecnologias, como eu, vão levantar os projectores que, a par dos computadores portáteis e dos livros, carregam de pavilhão em pavilhão mais parecendo uns burros de carga. No meu caso, cerca de 10 quilos, em dias não muito maus. E lá vou eu para a primeira aula de 45 minutos. Pavilhão A, sala 21. Porreiro, pá, o Ministério pensa em tudo. Carregadinha, subo quatro lanços de escadas e entro na sala. Liga cabos, liga aparelhos e lá se dá início à aula. Os alunos da hooligan apresentam trabalhos feitos em contexto de sala de aula, em powerpoint, sobre o Nazismo e a 2ª Guerra Mundial. Limite para cada apresentação 15 minutos. Alguns alunos apresentam os trabalhos de forma exemplar. Avaliamos os trabalhos. Não é só a opinião da professora que conta. Os alunos também têm de se habituar a intervir desde cedo. É preciso ter todo o cuidado na formação de novos hooligans. Entretanto desmonta tudo, que está na hora de mudar de pavilhão e ainda vou dar uma caminhada para o pavilhão C, distante, para voltar a subir quatro lanços de escadas para a sala do 2º andar onde o meu 9ºF já me aguarda. A cena repete-se e os alunos da hooligan, treinando eles próprios para hooligans, lá continuam a apresentar os seus trabalhos. Uf. Finalmente intervalo. Desmonta tudo, carrega tudo, mais uma viagem pela escola carregando pesos. Mas é importante manter os hooligans em excelente forma física e o ministério pensa em tudo. E eis que já toca de novo. Agora vou para uma turma de Cef`s, alunos do curso de Serralharia de 2º ano. Estamos a iniciar o módulo da Lusofonia e achei por bem passar-lhes um excelente filme português, que relata um episódio da nossa História, os amores de Pedro e Inês. Os alunos torcem o nariz. Prefeririam outra coisa qualquer a um filme português e falado em português, mas os hooligans têm estas veleidades de acharem que devem dar a conhecer o que de melhor por cá se vai fazendo e que devem ir contrariando Chiquititas e Big Brothers. Contextualizei a história do filme, e fui-lhes chamando a atenção para os diferentes tempos da história não fosse eles perderem-se no enredo. Chamei-lhe aula de motivação para o módulo Lusofonia. Desta vez a aula foi de 90 minutos. Saí satisfeita. Afinal até eles estão a gostar do filme. Intervalo. E a história repete-se com o meu Cef de Electricidade.
Uf. Toca para o almoço. São entretanto 13 e 30.
Alguns hooligans têm a sorte de almoçar em casa com a sua família. É o meu caso. Não é o de muitos na minha escola. Muitos hooligans almoçam em bandos na cantina, ou num qualquer restaurante baratito das redondezas.
Às 15 e 10 estou de volta às aulas. Os alunos do meu 9º H avisaram-me que iam faltar quase todos à aula de sexta-feira porque pertencem à organização de uma actividade preparada para o último dia de aulas. Ora como uma hooligan que dá aulas de Francês está a faltar porque tem a filha pequena internada no hospital, vai daí eu resolvi transferir a aula de sexta para a hora de Francês. Assim tenho os alunos todos na sala. Podia não ter feito isto. Chegaria sexta-feira à sala, marcaria falta a todos os alunos, faltas estas que estariam justificadas, e iria encantadita para a sala onde os hooligans se encontram. Mas não. Essa não é a minha postura. Concluímos as apresentações dos trabalhos. Os alunos fizeram a auto-avaliação, despedi-me deles desejando-lhes boas férias de Páscoa, que os hooligans têm a mania de ser educados. Uf. Intervalito de 10 minutos. Quando pouso o material na biblioteca está a tocar de novo para dentro.
E lá vai esta hooligan dar uma aula ao Cef de Carpintaria, para compensar uma que calhou num feriado. E o que é que os feriados têm a ver com isto? É que os alunos têm de ir para estágio em Maio e não posso estar a atrasar as aulas sob pena de as ter de leccionar aos sábados. Vai daí procuro não atrasar nada. Esta hooligan faz greve, tem falta, não recebe o dia de trabalho e depois repõe as aulas a que faltou. Tudo a preceito, como uma verdadeira hooligan que é.
Enfim. Toca para fora às 6 e 20. Estou em casa às 6 e 30. Exausta. E o meu dia ainda não terminou porque tenho ainda testes para corrigir que terei de entregar impreterivelmente esta semana. O meu dia ainda não acabou porque, como sempre, trago TPC da escola. E hoje nem pensar aproximar-me das minhas apresentações em powerpoint que terão de ficar para depois... que terão de ficar para depois. Estou em casa. Exausta. E continuo a trabalhar para a escola. Antigamente faria isto exausta mas com prazer. Na segunda-feira continuei a fazer os meus TPC`s mas enraivecida. Digamos que me estou a transformar numa hooligan enraivecida.
Uma hooligan a rigor! Com cabelo rapado e tudo!! lolol
ResponderEliminarE com o rebuliço que na escola vai, eu não tenho visto a minha ex-hooligan de História, no pouco tempo que la passo.
Ah, e ja me esquecia desta observação: até a professora Silvia Lamas participou na manif ! Como eu gostei de ver estas fotos!!:)
"É por estas e por outras que a Educação está em crise!..." - Diz o secretário do secretário da ministra. "Onde já se viu hooligans a dar aulas?!... É por estas e por outras que temos de meter na ordem esta horda de hooligans armados em professores!", acrescenta o secretário da ministra.
ResponderEliminarGostei do teu texto. Consegues enviar para o anti-hooligan Emídio Rangel, ou para o pasquim "Correio da manha"?
Pois é, Luís, sabes que nem me ocorreu o pormenor do cabelo?
ResponderEliminarSim, de facto, sou uma verdadeira hooligan de preto vestida até aos interiores e de cabelo rapado. De luto pela Educação. Porque não admito que políticos burocratas queiram transformar a essência da minha profissão que é dar tudo por tudo, dentro de uma sala de aulas, aos meus alunos, numa coisa que é um amontoado de reuniões e papeladas para onde inevitavelmente teremos de direccionar as nossas energias sob pena de ficarmos prejudicados na nossa própria avaliação.
Estou de luto mesmo. Até aos meus interiores.