Um Acordo Indecente
por António Mendes, professor de Filosofia, Mestre e Investigador em Linguística Cognitiva
Hoje
A proposta de Acordo de Princípios para a Revisão do Estatuto da Carreira Docente e do Modelo de Avaliação apresentada pelo Ministério da Educação aos Sindicatos, ao abolir a suserania dos titulares sobre os professores, promete recentrar a vida das escolas no seu eixo essencial, o ensino e a aprendizagem, o aprender a tornar-se pessoa e cidadão participativo numa sociedade globalizada e do conhecimento.
Resgatado assim o porquê da escola e do ser docente, quase apetece dizer que se suportará qualquer como, isto é, que qualquer Estatuto ou Avaliação que venha a brotar das negociações entre Ministério da Educação e Sindicatos será sempre suportável e aperfeiçoável.
As onze páginas da proposta de acordo são, porém, de um desconsolo indescritível: limitam-se a alinhavar um novo memorando de entendimento que mantém no essencial o que mais de 100.000 docentes e educadores rejeitaram nas ruas. Ao mesmo tempo, adia, não se sabe até quando, os termos concretos do novo Estatuto e Modelo de Avaliação.
Como se não bastasse, o texto da proposta de acordo enferma de uma visão alienada e desfocada da realidade escolar: nenhuma palavra sobre sucesso ou insucesso e muito menos sobre exigência e esforço; 7 páginas em 11 são gastas com a avaliação de desempenho e apenas 1 página versa sobre o Estatuto Docente, mas com 8 dos 11 parágrafos centrados também em pormenores relativos à da avaliação dos docentes; condena docentes já profissionalizados e com mais de uma dezena de anos de serviço efectivo a um novo período probatório e à mesma prova pública de ingresso na carreira que os recém-formados; nenhuma ideia sobre formação científica, missão e condições de trabalho do docente, sobre a articulação entre avaliação externa das escolas, modelo de gestão das escolas e avaliação de desempenho docente ou sobre a implementação de bons mecanismos de avaliação interna em cada escola.
Uma das novidades desta proposta de Acordo é o Júri de Avaliação, com uma componente fixa (os membros da Comissão de Coordenação da Avaliação, isto é, o Director Executivo e 3 membros do Conselho Pedagógico) e uma componente variável, constituída por um outro docente, do mesmo grupo disciplinar do avaliado, com funções de Relator e a designar pelo Coordenador de Departamento a que pertence o avaliado (n. 23-24 do Acordo).
O facto que nos deixa pasmados é este: serão necessários agora, no mínimo, tantos júris de avaliação quantos os grupos disciplinares a funcionar numa escola e será necessário, para se concretizar a avaliação dos docentes de cada escola, que tais júris se reúnam independentemente, devendo a parte fixa do Júri participar em todas essas reuniões.
Alguém de bom senso acredita na seriedade, objectividade, imparcialidade, exequibilidade ou eficácia de um mecanismo de avaliação como este?
Ao ignorarem as questões que verdadeiramente importam para a qualidade, o Ministério e os Sindicatos sentam à volta de uma querela que não conduz o país a lado nenhum: saber quão rápido (32 anos ou mais) o Ministério da Educação (e o Ministério das Finanças) permitirá que cheguem ao topo da carreira e vencimento os cerca de 70% de bons desempenhos produzidos estatisticamente pelo Modelo de Avaliação.
Esta proposta de Acordo prometia devolver a dignidade a todos os docentes mas, afinal de contas, nem liberta a dignidade nem promove a qualidade. Quem avalia estes negociadores?
Daqui, via Ramiro Marques.
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