Impossível não pensar na cena a que infelizmente assisti, um dia destes, passada na cantina da minha escola e que me deixou profundamente envergonhada enquanto professora. Por acaso a cena ocorreu com um aluno do escalão A, ou seja, passada com um aluno verdadeiramente carenciado, daqueles que não pagam nada pela alimentação... e que também não pagam nada pelo resto.
O miúdo acabara de colocar no tabuleiro uma tigela de sopa, um prato com arroz e com peixe e, durante o andamento na fila, a tigela tombou e a sopa entornou-se molhando um pouco o individual de papel que cobria o tabuleiro.
Não tive tempo de actuar de modo a impedi-lo de fazer o que fez porque quando cheguei ao pé dele já o mal estava concretizado e já ele tinha colocado, pronta e rapidamente, todo o tabuleiro com a restante comida, imaculada de sopa, no lixo. E integrou de novo a fila para recolher novo prato de comida...
E eu, independentemente do que lhe disse, dei comigo a pensar se esta miudagem pensará que a comida que lhe chega à boca nasce no céu e do céu é despejada aos trambolhões para o nosso prato, sem trabalho de tantos, sem custos para tantos... ainda para mais quando tantas crianças pelo mundo, da idade dele e mais novas, morrem, literalmente, à fome e lamberiam cada gota da sopa por ele entornada e comeriam grão a grão, até ao último grão de arroz, daquele prato prontamente levado para o caixote do lixo... já para não falar do peixe...
Confesso que a falta de respeito pela comida é coisa que verdadeiramente me tira do sério, a mim, que sou dona de um frigorífico frugal e que volta e meia ando às voltas com a palavra frugalidade...
O bebé da fotografia é real. Tem nove meses e já carrega o pesado fardo de ter tido a infinita infelicidade de nascer na Somália, em 2016.
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