Fotografias de Anabela Matias de Magalhães
Karin Somers - "O efeito dos dias"
"Contemplar as criações modeladas, em grês, por Karin Somers é aceitar o convite para transgredir a banalidade.
São muitas viagens dentro de uma só: da exploração dos materiais aos contrastes cromáticos que revelam a singularidade de cada obra, da compreensão dos títulos ao desvelamento das mensagens, quer dizer, do saber e do sentir impregnados quer na artista, quer nas suas obras.
Um percurso labiríntico onde não se identifica o desfecho, mas no qual o espectador é interpelado constantemente pelas mais profundas inquietações filosóficas inerentes à condição humana.
Desde logo, ressalta o carácter inovador, quiçá provocador, conseguido através dos elementos cirurgicamente associados, minuciosamente simbiados.
O homem, refractário à eternidade, espraia-se no tempo. E o seu trajecto existencial é um misto de experiências, de sensibilidades, de desejos e de expectativas reificados em projectos ora almejados, ora fracassados. Antecipando o devir, conquistará as suas asas? Asas caídas, quebradas ou verticalizadas? Metáfora do anjo caído ou do homem em ascensão?
O casulo humano, exo-esqueleto da existência, surge paradoxalmente como potenciador e cerceador de possibilidades que edificam estados vivenciais e desvelam os sentimentos antinómicos que subjazem à circunstância do viver situacional: do aconchego ao abandono, da comunhão à ruptura, do desejo à desesperança. Constituirá a casa um mero prolongamento do (ser) corpóreo? A epiderme de um outro corpo (humano)? Um espaço de recolhimento e um reduto de autenticidades?
Como ceramista, Karin Somers opta por uma técnica, baseada na modelagem fragmentária de placas, que se move visceralmente do interior para o exterior. Este processo criativo é revelador do peso da interioridade que incute às suas obras. Universo simbólico em estrita comunhão com a obra em gestação. Por exemplo, as fendas - análogas a cicatrizes (metáfora de rugas? - são cúmplices e vítimas da temporalidade. E assim a finitude humana ou semi-humana (muitas figuras sugerem a presentificação, a evocação dos seres irreais, quase mitológicos e oníricos) surge tematizada. A sua concepção de temporalidade é igualmente complexa: retrotensa - remetendo para o uno primordial plotiniano, onde existiria a fusão entre seres e objectos aparentemente díspares: homens, animais, casas - e protensa: futura, relembrando a decomposição a que todas as coisas são/serão sujeitas.
E esta ambivalência de estados, de mensagens implícitas, faz com que as esculturas não tolerem a indiferença: por um lado ganham anima, reivindicam o esforço e a atenção dos espectador; por outro, sugerem-lhe estados, vivências, associações e questões, relembrando o quão imbricado e complexo podem ser o humano e as suas manifestações."
"Contemplar as criações modeladas, em grês, por Karin Somers é aceitar o convite para transgredir a banalidade.
São muitas viagens dentro de uma só: da exploração dos materiais aos contrastes cromáticos que revelam a singularidade de cada obra, da compreensão dos títulos ao desvelamento das mensagens, quer dizer, do saber e do sentir impregnados quer na artista, quer nas suas obras.
Um percurso labiríntico onde não se identifica o desfecho, mas no qual o espectador é interpelado constantemente pelas mais profundas inquietações filosóficas inerentes à condição humana.
Desde logo, ressalta o carácter inovador, quiçá provocador, conseguido através dos elementos cirurgicamente associados, minuciosamente simbiados.
O homem, refractário à eternidade, espraia-se no tempo. E o seu trajecto existencial é um misto de experiências, de sensibilidades, de desejos e de expectativas reificados em projectos ora almejados, ora fracassados. Antecipando o devir, conquistará as suas asas? Asas caídas, quebradas ou verticalizadas? Metáfora do anjo caído ou do homem em ascensão?
O casulo humano, exo-esqueleto da existência, surge paradoxalmente como potenciador e cerceador de possibilidades que edificam estados vivenciais e desvelam os sentimentos antinómicos que subjazem à circunstância do viver situacional: do aconchego ao abandono, da comunhão à ruptura, do desejo à desesperança. Constituirá a casa um mero prolongamento do (ser) corpóreo? A epiderme de um outro corpo (humano)? Um espaço de recolhimento e um reduto de autenticidades?
Como ceramista, Karin Somers opta por uma técnica, baseada na modelagem fragmentária de placas, que se move visceralmente do interior para o exterior. Este processo criativo é revelador do peso da interioridade que incute às suas obras. Universo simbólico em estrita comunhão com a obra em gestação. Por exemplo, as fendas - análogas a cicatrizes (metáfora de rugas? - são cúmplices e vítimas da temporalidade. E assim a finitude humana ou semi-humana (muitas figuras sugerem a presentificação, a evocação dos seres irreais, quase mitológicos e oníricos) surge tematizada. A sua concepção de temporalidade é igualmente complexa: retrotensa - remetendo para o uno primordial plotiniano, onde existiria a fusão entre seres e objectos aparentemente díspares: homens, animais, casas - e protensa: futura, relembrando a decomposição a que todas as coisas são/serão sujeitas.
E esta ambivalência de estados, de mensagens implícitas, faz com que as esculturas não tolerem a indiferença: por um lado ganham anima, reivindicam o esforço e a atenção dos espectador; por outro, sugerem-lhe estados, vivências, associações e questões, relembrando o quão imbricado e complexo podem ser o humano e as suas manifestações."
Elsa Cerqueira
A exposição desta importante ceramista belga, radicada há muitos e muitos anos em Amarante, poderá ser vista no Museu Municipal Amadeo de Souza-Cardoso, até ao próximo dia 20 de Julho.
Hoje pela manhã, visitei-a, demoradamente, e recolhi-me perante tamanha riqueza, densidade, sabedoria, tranquilidade, textura e complexidade interior. Decididamente a Karin Somers não é o simulacro de um ser, não é assim Elsa? A Karin Somers É Um Ser - específico, único, irrepetível e faz por isso a cada dia que passa.
Voltarei à exposição. As excepções à banalidade são tão raras que têm de se fruir uma e outra vez, demoradamente.
E fiquei a sonhar com "O aconchego dos outros", "Uma reafirmação da vida", "Reunião", "Alma ao sol", "Visita crepuscular", Strategy of escape"", "Sonhos nómadas", "Evasão"...
Beijinhos enormescos de parabéns à Karin.
Beijinhos de parabéns também à Elsa Cerqueira que assina este belíssimo texto que transcrevi.
Nota - Continuo calma e pacientemente à espera que a Elsa se decida a parir um blogue.
Tens razão, Anabela: a Karin Somers destaca-se da maioria das pessoas que conheço (e preferia desconhecer) pela singular Autenticidade.
ResponderEliminarP.s.: seria incapaz de me disciplinar - mental e temporalmente - para "parir um blogue".
Sim, mas eu sou um diabo dum escorpião... vai daí não desisto de te "picar".
ResponderEliminarAguardo.
Bjs