A Palavra a Marinho Pinto
Mapa judiciário (2)
A nova versão do mapa judiciário apresentada pelo governo (a terceira desde Janeiro deste ano) é bem pior do que as duas anteriores. Desde logo porque se propõe encerrar 54 tribunais, mas também porque agrava as assimetrias existentes entre as zonas do interior e as do litoral - entre os concelhos mais pobres, despovoados e deprimidos e os que, apesar de tudo, ainda apresentam algum desenvolvimento.
O facto de o governo ter apresentado três propostas em tão pouco tempo só aparentemente pode ser o resultado de impreparação ou de volubilidade política. Na verdade isso reflecte uma estratégia que visa pôr os municípios e as respectivas populações uns contra os outros; significa que o governo procura «dividir para reinar», ou seja, tenta enfraquecer os prejudicados para melhor lhes impor as suas nefastas medidas. Tal estratégia, pelo menos até agora, saiu gorada. Com efeito, as pessoas e os eleitos autárquicos desde cedo viram que os verdadeiros inimigos das suas terras não são os municípios que aparentemente beneficiavam com os anacronismos do mapa proposto, mas antes um poder central cego e que não é capaz de compreender os anseios das populações em matéria de justiça e, sobretudo, o valor simbólico dos tribunais nas zonas do interior.
Mas, mais do que não conseguir dividir os prejudicados, o governo acabou por gerar em algumas zonas uma dinâmica de unidade que não tinha previsto. É o que se passa na região que engloba os concelhos do Baixo Tâmega e os do Vale do Sousa, em que doze municípios têm reunido para proceder à distribuição entre si das competências que o governo quer centralizar nas comarcas de Valongo e de Gondomar. Pretender, de repente, obrigar as populações de Baião, Marco de Canavezes, Amarante, Felgueiras, Lousada, Penafiel, Paredes, entre outros concelhos, a deslocarem-se às comarcas de Valongo e de Gondomar para terem justiça, traduz um enorme desprezo pelas zonas mais pobres e benefícios injustificados a concelhos mais desenvolvidos. Significa (como foi afirmado numa reunião de advogados realizada na sexta feira passada em Felgueiras e que contou com a participação do presidente da Câmara e de outros autarcas) que os concelhos cujas populações têm um poder de compra abaixo da média nacional (em alguns casos de cerca de metade) irão empobrecer ainda mais, ao mesmo tempo que concelhos que já têm um índice de poder de compra igual ou superior ao da média nacional irão aumentar o seu desenvolvimento.
Tal até não seria de espantar vindo de um governo que impõe aos pobres sacrifícios muito mais pesados na saúde, na educação e ensino, na justiça e nos impostos do que os que exige aos ricos. Não admira que essas propostas surjam de um governo que aprova medidas de austeridade que obrigam os pobres a um esforço financeiro (6%) que corresponde ao dobro do que o que é exigido aos ricos (3%). Aquilo que verdadeiramente espanta é a arbitrariedade que subjaz às sucessivas propostas apresentadas, totalmente em contradição umas com as outras. Por exemplo: por que é que, de repente, na terceira versão do mapa judiciário, é proposto o encerramento do Tribunal de Valpaços, quando tal não estava previsto nas duas propostas anteriores? Por que é que se quer encerrar um tribunal para o qual, ainda não há muito tempo, foi nomeado um juiz auxiliar e mais um magistrado do Ministério Público, ou seja, um tribunal com dois juízes e dois procuradores? Tal só se compreende como uma pequena vingança (pessoal ou política) contra pessoas importantes daquele concelho.
Por que é que, de repente e sem qualquer justificação, Amarante deixa de ser uma centralidade judiciária, passando seu tribunal para segunda ou terceira categoria e as populações das suas dezenas de freguesias a terem de ir aos tribunais de Valongo e de Gondomar realizar cerca de metade dos julgamentos (e outras diligências) que agora se efectuam no seu concelho?
No fundo, o que o governo se propõe fazer é encerrar tribunais do interior do país com o argumento de que têm uma pendência processual pequena e, em simultâneo, diminuir artificialmente as pendências de muitos outros (também do interior), provavelmente para os poder encerrar dentro de pouco tempo por, então, terem também uma pendência reduzida.
fonte: JN
Surripiado aqui.
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