quarta-feira, 21 de fevereiro de 2007

Para o Sahel


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Fotografia de Artur Matias de Magalhães

Para o Sahel

Estava a ver as fotografias que postei no meu blogue e lembrei-me da minha viagem à Líbia.
Surpreendente. No mínimo surpreendente.
Preparada com dois anos de antecedência, adiada por causa do início da Guerra do Iraque, deu tempo para ir aceitando cada vez mais amigos, e amigos de amigos, que se foram juntando sem mesmo saberem o que íamos visitar, fazer ou acontecer. Apenas sabiam que, dos onze dias disponíveis, quatro seriam para viagens de ligação, e cinco seriam passados em pleno deserto.
Todos queriam ser surpreendidos. E foram, cada um à sua maneira. Para todos foi uma experiência extremamente enriquecedora. Não é todos os dias que dormimos num saco cama. Não é todos os dias que tomamos banho, em pleno deserto, por trás de uma duna ou de uma pequena árvore, com metade de uma garrafa de litro e meio de água e nos sentimos lavados até à alma. Não é todos os dias que jantamos à volta de uma fogueira, nosso único ponto de luz, no meio da escuridão. Não é todos os dias que adormecemos embalados por música tuaregue, tocada baixinho, mesmo para nos aconchegar. Não é todos os dias que adormecemos a olhar o céu, o incrível céu do deserto. Não é todos os dias que ouvimos cantar as dunas mesmo por baixo dos nossos pés. Não é todos os dias que saímos da tenda, a meio da noite, sem GPS, para resolvermos uma emergência, e nos perdemos em pleno deserto! Não foi Zé Mário? Não é todos os dias que nos encontramos sem frigorífico para assaltar. Não foi Zé ? Não é todos os dias que temos praticamente uma desconhecida a pedir-nos que a deixemos dormir na nossa tenda, no meio de nós, porque tem medo dos bichos. Não foi Raquel? Não é todos os dias que deitamos as mãos à cabeça e giramos sobre nós próprios, feitos umas baratas tontas e perguntamos atónitos "Meu Deus! Como é que eu vou conseguir explicar isto a alguém?!" Não foi Mel? Não é todos os dias que fazemos anos no deserto e dançamos com o pide-guide mais divertido e cheiroso do mundo. Não foi João? Não é todos os dias que observamos um crescimento interior acelerado, e bem direccionado, nos nossos filhos. Não é todos os dias que conhecemos um Abdul, um Sahel ou um Moufta. Salam Aleikum para todos vocês. Que a vida vos trate com generosidade.
Não é todos os dias que estancamos bruscamente perante O Ponto de Não Retorno.
A nossa vida está cheia deles mas, como os ver? Como ter consciência deles?

E jamais esquecerei a reacção da Júlia, abraçada a mim, em pleno deserto, a chorar convulsivamente e a agradecer-me por eu lhe ter mostrado o que ela nunca pensou ver.
A plenitude.

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