quinta-feira, 19 de abril de 2007

Progressos

Progressos

Estamos a fazer progressos cá em casa.
O meu pai, que desde a morte da minha mãe se refugiou em casa do meu irmão e na minha, voltou a assumir a sua independência e voltou para sua casa, para o seu quarto.
Depois do funeral da minha mãe tocou-me a mim, e a pedido do meu pai, organizar de novo a casa, atendendo a que passaria a ser habitada por uma só pessoa. O meu pai pediu-me para tirar tudo o que foi da minha mãe, a sua roupa e calçado, para não ter que se confrontar com as suas recordações físicas sempre que abrisse um armário. Ainda por cima porque eles tinham as coisas organizadas em conjunto e as suas roupas estavam todas misturadas, a roupa da minha mãe junta com a do meu pai.
Lá lhe fiz a vontade e confesso que me custou mais do que algum dia imaginei... as roupas da minha mãe vazias para sempre, as roupas que eu associava a ela, a esta ou aquela circunstância.

Estamos agora em Abril e na Páscoa passada levei o meu pai a Marrocos, país que ele conhecia de nome e de me ouvir falar tantas e tantas vezes, mas que nunca visitara. Em três dias de viagem estávamos no deserto, a dormir no sopé das Grandes Dunas de Merzouga e no dia seguinte meti-o no jipe e atacámos as pistas do Grande Sahara. Marrocos foi para ele, aos 70 anos, uma revelação, e fez-lhe bem. Encorajou-o a voltar ao seu espaço, a voltar a ser independente, encorajou-o a largar o meu pé, sempre atrás de mim pela casa fora, fazendo-me ter que disfarçar o meu nervosismo de pessoa habituada à sua própria independência.

É por isso que cá em casa estamos a fazer grandes progressos no sentido da superação de uma dor e de uma ausência, que sabemos se esbaterá com o tempo, restando as lembranças de sorrisos e gargalhadas, e circunstâncias felizes.

2 comentários:

mara disse...

Confesso que não sei reagir com as "perdas" dos outros. Não há o que dizer, que não seja uma palavra de conforto porventura já dita por tantos outros, e porque sei que às vezes os outros não querem ouvir só sentir que estás lá. Por isso não digo nada. Não que não me custe ver quem gosto sentir dor. Mas porque sou flagrantemente má com as palavras. Faladas. As escritas saem mais fluentemente. Não sei o que sentes, não sei o que a Joana sente. E confesso que não quero imaginar. O que sei é que se a "perda" não passa, e o "vazio" e a "saudade" também não, o tempo faz esmorecer, qualquer coisa, não sei bem o que, talvez a dor ...

Anabela Magalhães disse...

Não me digas que não sabes o que eu sinto porque eu sei que sabes. Uma perda é sempre uma perda. E por isso sabes muito bem que é complicado, e esta é a única palavra que agora me ocorre. Continuo a lamber as minhas feridas pelos cantos da casa, principalmente quando já todos dormem e eu continuo a chorar baixinho para ninguém ouvir.Sou um escorpião complicado e odeio expor as minhas fraquezas. O que eu odiei estar naquele funeral e não conseguir suster as lágrimas e não conseguir portar-me como já vi tanta gente que admirei pela sua serenidada perante a dor da perda definitiva.
E o sacrifício que foi e é para mim conseguir dar alento ao meu pai quando eu própria precisava/preciso dele...e ajudá-lo a estabilizar-se porque sei que ele vivia em função dela há muitos anos e sei que a perda maior foi a dele porque perdeu a sua "pequenina".

 
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