"Alando" - Gaivota do Cabo Sardão - Portugal
Fotografia de Anabela Matias de Magalhães
O texto que hoje partilho com os meus leitores não é da minha autoria e surripiei-o ao Luís Costa, do blogue DaNação. Para ser meu, este texto teria de começar por "Tenho cinquenta anos" e teria de ser escrito no feminino. Fiz-me entender? Ah! E claro, eu teria de escrever com as exactas palavras poéticas do Luís.
"Tenho cinquenta e um anos. É uma idade difícil para me aventurar na emigração. No entanto, tenho de estar preparado para tudo, mesmo para fazer as trouxas e atirar-me ao horizonte. Infelizmente, o presente é de nevoeiro, e o futuro, esquivo e incerto, não se vislumbra com nitidez nenhuma.
Num país normal, eu estaria no apogeu da minha carreira: a dar o melhor de mim e a dar os melhores frutos do meu trabalho. Como não estou num país normal, roço o perigeu: dou o melhor de mim, mas os meus frutos são fustigados pelos ventos, roídos pelos bichos, devorados pelas pragas. O meu pomar é um lugar inóspito. As próprias árvores parecem querer ser só lenha e sombra. Eu mesmo, humanamente, estou a perder o gosto de cultivar, o afeto de cuidar, o prazer de colher. Saio para o campo como a manhã que, invariavelmente, nasce e renasce, mas não há dia em que a ventania não desfaça, o granizo não destrua ou o sulfato não envenene. E quando a noite cai, cai com ela um vazio escuro e frio. Muito pouco para quem leva na mão sementes de sol.
Floresce nas nossas “elites pensantes” a ideia de que muitos dos problemas deste campo se resolveriam com uma certa limpeza: a emigração de uns, a morte de outros e a aposentação dos que não se conformam, dos que incomodam, dos que ainda têm memórias de primaveras vestidas de verde e de luz. Compreendo, pois o chão é mais parente das aves nascidas em cativeiro. Talvez queiram fazer deste pomar um viçoso galinheiro, ou um produtivo aviário cheio de asas que não voam nem sonham voar. Num país normal, eu estaria no apogeu da minha carreira: a dar o melhor de mim e a dar os melhores frutos do meu trabalho. Como não estou num país normal, roço o perigeu: dou o melhor de mim, mas os meus frutos são fustigados pelos ventos, roídos pelos bichos, devorados pelas pragas. O meu pomar é um lugar inóspito. As próprias árvores parecem querer ser só lenha e sombra. Eu mesmo, humanamente, estou a perder o gosto de cultivar, o afeto de cuidar, o prazer de colher. Saio para o campo como a manhã que, invariavelmente, nasce e renasce, mas não há dia em que a ventania não desfaça, o granizo não destrua ou o sulfato não envenene. E quando a noite cai, cai com ela um vazio escuro e frio. Muito pouco para quem leva na mão sementes de sol.
Infelizmente, não posso ir nos meus sonhos, que já vão alando bem longe do meu pomar, livres e ansiosos, a soprar a lentidão do tempo."
Luís Costa
8 comentários:
Obrigado, minha querida amiga! Tu vais-me ajudando a "alar" para mais longe!
Bjs :)
Obrigada eu, Luís, por partilhares connosco a tua escrita. Sou-te devedora.
De resto, alemos!
Beijinhos.
Parabéns por mais este belo texto, Luís Costa!
E o de Flávio Monte que lá está agora, sobre a indisciplina, é acutilante! :)
Ainda não li mas vou ler! Obrigada por aqui deixares pegadinha!
Beijinhos.
Felizmente que há quem tenha asas nos pés e salte!
E o texto do Luís Costa é brilhante.
Que de mentes trôpegas e sem brilho , estamos fartos.
Beijos.
Ainda há... mas por quanto tempo?
Beijinhos, Tecas!
Resta-me agradecer as palavras que me foram dedicadas neste recanto onde sou sempre bem recebido e bem tratado.
Nós é que te agradecemos, Luís!
Beijinhos. Tem um excelente dia!
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