quarta-feira, 8 de julho de 2009

Avançar


Menina de Chaouen - Chefchaouen - Marrocos
Fotografia de Anabela Matias de Magalhães

Avançar

Este post vai direitinho para a Fátima Isabel que me deixou literalmente de lágrimas nos olhos com este comentário à minha/nossa saída.

"Navegar é preciso, eu sei...
Mas apetece-me ser egoísta. Ficam muitos lugares vazios...
A Ana Isabel, o Hélder, tu... Tudo será mais triste... O Mário...
Entristece-me ver-vos partir, embora compreenda os motivos de cada um. Mas apetece-me ser egoísta e pensar na falta que me farão, todos por razões diferentes.
Juro que não são palavras ocas!
Contrariamente ao que se diz, somos todos insubstituíveis, e depois... entristece-me saber que precisam de partir...
Hoje vi-te várias vezes, e não te dei os parabéns.
Preferia que ficasses com os teus CEF, os teus computadores, projectores,...
Com o teu passo apressado, o teu sentido de humor, a tua cabeça arejada, o teu sorriso aberto...
Na quinta dou-te os parabéns. Mas preferia que tivesses ficado!!"
8 de Julho de 2009 3:14

Quem conhece a minha história pessoal na ESA sabe que saio agora por opção, de livre vontade, fruto de uma decisão muito amadurecida e pensada.
Hoje recordo tudo. O primeiro ano em que lá leccionei no já tão longínquo ano de 1999. A falta injustificada no dia 1 de Junho, do ano 2000, tendo eu justificado a falta antes de faltar. A Ermelinda, que saudades dela, a querer perceber como tal fora possível. As lágrimas a escorrerem-me pela cara, pelos cantos da ESA, e que quase nunca consegui controlar ao falar deste assunto, as lágrimas limpas à pressa para entrar nas salas de aula, tentando ser a mesma de sempre, sem conseguir... "Professora, o que tem? Esteve a chorar?" "Não, não, foi apenas um mosquito... mas já estou bem..."
Este episódio, por certo pouco importante para quem o analisa do exterior, provocou uma verdadeira devastação no meu interior e, pela primeira vez, equacionei abandonar a minha profissão.
Consequências profissionais da falta injustificada? Nada de especial, "apenas" um dia de serviço a menos.
Consequências pessoais? Intoleráveis para uma pessoa que sempre justificou as suas faltas dentro dos prazos legais, para quem sempre foi extremamente cuidadosa com o assunto e nunca teve uma falha, um esquecimento, nem mesmo quando os "artigos" se enfiavam em caixinhas nas salas dos professores.
Como fora tal possível?
Não me dirigi "com urgência a falar com o sr Director para resolver o assunto" tal como me foi transmitido por um funcionário da escola, no dia seguinte à cena, em telefonema para casa. Não é o meu modo de actuar. Só sou bem mandada quando sou bem mandada. E não pedincho favores, nem tão pouco os peço. Se erro, assumo as consequências do meu erro.
Recorri para a DREN, para um director regional ps que me manteve a falta injustificada. Recorri ao ministro, ps, que reenviou o caso para o mesmo director regional que, obviamente, me manteve a falta injustificada. Voltei a perder. Restou-me o Tribunal Administrativo.
Entretanto, fruto dos concursos, lá fiquei mais um ano na ESA, num desconforto total que não desejo a ninguém. E chegaram os concursos e eu lá concorri, na primeira opção para a ESA, sem fazer segredo do assunto, muito pelo contrário, que quem não deve não teme.
Costumo dizer que fui expulsa da ESA uma vez... que saí à força. Não fui apanhada de surpresa quando o meu director acabou com o meu horário, legalmente, diga-se de passagem, e o atribuiu de mão beijada ao grupo de Geografia. Sei como funciona a generalidade dos militantes do ps, que me desculpem os que estão lá dentro e não são assim.
Num ápice a "incómoda" era despejada do seu lugar e foi para a E. B. 2/3 de Amarante onde foi tão bem acolhida, e se sentiu tão bem, que passou a olhar aquele espaço um pouco como casa sua. E aqui vivi três anos de pura felicidade profissional, onde me sentia leve leve, apoiada por um Conselho Directivo que não esqueço, principalmente nas pessoas do Magalhães e da Elisabete, apoiada por colegas fantásticas, que o terceiro ciclo desta escola é uma coisa muito pequenina e minhone.
Foram três anos em que continuei a concorrer na primeira prioridade para a ESA, que eu sou masoquista, dizem os meus. "Se és tão feliz onde estás por que concorres para o Inferno?" Pois. Apenas por uma questão de princípio, de dignidade, de coluna vertical, a manter, para que consiga adormecer em três tempos.
Há quatro anos voltei, fruto do jogo de sorte e azar dos concursos. A minha angústia interior voltou, sem que desta vez os meus alunos se apercebessem dela. O meu caso continuava, sem resolução, a arrastar-se no Tribunal Administrativo, mas eu continuei a mesma de sempre, uma professora esforçada, empenhada, tentando dar o meu melhor.
Num dia de Maio, quase seis anos passados sobre a minha falta injustificada, recebo um telefonema com a boa nova. "Ganhamos. Está de parabéns. Vai ser notificada mas já saiu o acórdão do Tribunal Administrativo".
E lá subi as escadas em caracol da minha ESA, sentei-me em frente ao meu Director e informei-o que iria ter de me apagar a nódoa do meu currículo, porque eu estava certa e ele errado.
Não dou de frosques perante as dificuldades. Não faz parte da minha estrutura que é vertical e, aliviada, perguntei-lhe a razão de tão estranho procedimento mas não obtive uma resposta clara à razão subjacente que motivou a marcação da falta injustificada. Ouvi, sem espanto, o que penso ainda hoje ser um pedido de desculpas do meu Director, quando me disse que provavelmente ele estava mais contente do que eu por o caso terminar assim. Ok. Toda a gente erra. Aceito isto. Eu também erro apesar de me esforçar muito para não meter o pé na poça.
Ok. Passemos então à frente, que a vida continua. Tinha turmas de 7º ano maravilhosas, os meus CEFs davam-me aquela luta diária do costume...
O tempo foi passando, a Tutela a lançar o caos sobre as escolas num processo atabalhoado, trapalhão, irresponsável como eu jamais tinha visto e sentido e que deixou o meu sector à beira de um ataque de nervos. A direcção da minha escola adesivada, sorry! a "chata" diz as verdades e não contem comigo para outra coisa, aliás corrijo para o topo da direcção da minha escola completamente adesivado e sem qualquer espírito crítico, a tentar implementar um processo de avaliação que estava à vista de quase todos que não era exequível, nem agora, nem nunca, nem aqui, nem em qualquer outro sítio deste planeta. Professores exaustos pelo trabalho, um ambiente péssimo, professores para um lado, Direcção para outro, professores sem sentirem qualquer apoio da sua liderança, muito pelo contrário, tentativas de lavagens ao cérebro constantes sobre as virtudes do modelo e nós sem as conseguirmos descortinar, conflitos entre colegas, porque este assim e aquele assado, porque se tens portefólio é porque alinhas nisto e decerto vais pedir aulas assistidas e tirem-me deste filme que eu não nasci para actuar neste filme rasca.
Sorry. Cansei. Eu era já a menina de Chaouen na ESA.
Tenho o direito de tentar ser mais feliz, profissionalmente falando, mesmo que não tenha a certeza do que vou encontrar. Mas agora saio de livre vontade, por opção, cortando as grades que me sufocavam, num passo rápido e decidido e que sempre foi/é o meu.
Avanço na certeza que serei muito bem recebida pelos meus novos/velhos pares. Mas também avanço já com saudades de tanta gente boa que tornou os meus dias menos estéreis na ESA e que não vou nomear sob pena e me esquecer de alguém.
Hoje saio com a certeza de ter conquistado o respeito de quase todos. Do Director Muito Adesivado também.
E é claro que avanço cheia de recordações de momentos bons, alguns mesmo excepcionais, cheios de cuidado, de apoio, de sorrisos cúmplices, de palavras trocadas alto e bom som, de gargalhadas saborosas, de amor fraterno que recebi de tantos.
Terei obrigatoriamente de voltar a este assunto... e ainda só aflorei os alunos e terei de falar sobre eles também.
Mas hoje não. Por hoje já chega.
Falei por mim. Mas sei que este sentimento de sufoco é comum a muitos dos que agora saem e a muitos dos que permanecem também. Amaria que assim não fosse. Amaria que a ESA fosse "Home" para todos os que lá trabalham.
Mas não é.

6 comentários:

extramar disse...

É enorme este depoimento!
Está patente - muito bem patente! - a miséria humana dos que se acoitam no pálio do «Partido» os cabos-de-esquadra em que o 'sistema' está alicerçado.
Entretanto, o País toma a sua fedorenta marca, no Ensino e em todos os domínios de subalternidade - deixando à sua passagem a "obra" povoada de moscas, enquanto não houver mais quem, assim, lhes saiba dizer «BASTA!» e saiba fazer diferente.
Para onde vais, Amarante?...

Anabela Magalhães disse...

É enorme, Extramar, por impossibilidade de ser mais sintética. Mas os meus leitores por certo me perdoarão por tal abuso de paciência.
Eu diria... Para onde vais Portugal?
A miséria é generalizada e temo mesmo que não se fique pelas nossas fronteiras.
Quanto a mim, continuo um espírito livre e a não suportar "pálios"!
Fique bem, Extramar.

Em@ disse...

Dos fracos não reza a História, não é?

Ser incómodo dá uma trabalheira "do caraças" e muitas dores por sinal. Mas o que interessa é não ir pleo + fácil, não desistir, se tivermos a razão do nosso lado e depois, claro está, denunciar... Eu também tenho umas quantas para contar.Ficará para outras núpcias.

B.jinho

Anabela Magalhães disse...

Dá uma trabalheira do caraças, Em@, mas também assegura muita tranquilidade e satisfação.
Beijinho

Teresa Alves disse...

Boa noite, amiga!
Desculpa, mas apetece-me ser egoísta, tal como disse a Fátima Isabel...
Eu sei que deveria parabenizar-vos, a ti, ao Mário, à Ana....mas não consigo...sinto que a vossa saída representa, para mim, "perder o chão/ o suporte", perder aqueles que me ajudam, aconselham e estão comigo sempre...
Desculpem o meu egoímo...mas são muitos lugares vazios...e um sentimento grande de tristeza e de dor...

beijinhos...

Anabela Magalhães disse...

Mafaldinha, é certo que continuaremos juntas.
Mesmo se nos deixarmos de cruzar praticamente todos os dias é certo que continuaremos a gargalhar juntas.
Pensa que nos tens a nós e terás os novos que chegarão. Vais ficar a ganhar, por certo.
Recebei-os bem e aconchegai-os que eles vão precisar.
E esperemos ter anos mais calmos pela frente.
Bolas! Sinto que foi um ciclo da minha vida que fechei. Agora começo outro. :)
E daqui a um bocado há mais ESA que o trabalho não acabou.
Beijocas e fica bem.

 
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