sábado, 21 de agosto de 2010
Diabos à Solta - Amarante 2010
Diabo e Diaba - Museu Amadeo de Souza-Cardoso
Fotografia de Anabela Matias de Magalhães
Noite dos Diabos à Solta - Amarante 2010
Confesso que nunca assisti a esta efeméride, agora já na sua quarta edição, que se realizará no próximo Domingo, aqui mesmo no centro histórico de Amarante, e que pretende recriar a reentrada dos Diabos aqui no burgo, depois duma ausência forçada e atribulada por terras do estrangeiro, entre gente que, por certo, nunca os apreciou, acarinhou e venerou como os amarantinos de gema.
Sim, sim, por aqui passam-se coisas estranhas e amiúde até mais do que estranhas e lá diz a sabedoria popular que mais vale estar de bem com deus e com o diabo e que mais vale prevenir do que remediar.
Nunca assisti por não estar por aqui pela minha bela Amarante mas, garanto, a próxima não perco por nada e que vou observar ex-alunos, alunos, familiares, amigos, conhecidos e desconhecidos que contribuirão para a infernal recriação, pelo que sei concorrida até dizer chega!
A história deste par conta-se em duas penadas.
Não se sabe ao certo como aqui veio parar o casal de belzebus. Talvez durante a expansão portuguesa, talvez tenham vindo da Índia, onde estariam ligados a algum culto de fertilidade, talvez de África, que eles têm feições africanas, certo certo é que as suas origens estão envoltas em mistério e lenda, tal como convém a figuras tão peculiares, e são alvo de veneração e culto por parte das gentes de Amarante e dos arredores. Hoje discreto. Discreto o culto... discreta a veneração...
Queimados os originais, depois de vestidos de frades, pelos franceses, durante as Invasões Francesas, invasões que tantos estragos provocaram na nossa urbe, alguns ainda hoje visíveis, foram refeitos algures no século XIX, para grande conforto da população local, e colocados na sacristia da Igreja de S. Gonçalo, ai este S. Gonçalo, sempre ele e as tropelias, sempre ele e as brejeirices, sempre ele e as diabruras!
Pela segunda metade do século XIX os diabos foram expulsos do espaço sagrado, a mando do arcebispo de Braga, que mandou capar as obscenidades do macho, por certo farto da brincadeira e dos cultos a tão peculiar casal e foi-lhes dada ordem de marcha para um espaço profano, uma qualquer arrecadação da câmara municipal por onde permaneceram os ditos até acabarem vendidos a um inglês radicado no Porto, um tal de Sandeman, que os levou para Londres e daí para a Exposição Internacional de Paris, em 1889, que os mafarricos são gente instruída, aventureira, culta e viajada... não são uns mafarricos quaisquer!
Mas a população sentia saudades. Queria os mafarricos de volta. Tiveram até direito a pressão diplomática e tudo e eis que lá chegaram eles, num dia de 1910, de comboio, oferecidos à então vila, recebidos na maior das alegrias pelo povo, ele próprio mafarrico, com direito procissão, os ditos montados num carro de bois, a banda de música e tudo, grandes festejos vila abaixo até... não até à sacristia, onde eles permaneciam impedidos de entrar, mas ao antigo espaço do convento, então ocupado por serviços variados, alguns dos quais camarários.
Desde 1947 que os diabos estão expostos no Museu Amadeo de Souza-Cardoso, em Amarante.
Já lhes conheci vários poisos, todos dentro deste museu e não acredito que voltem a sair desta casa. São grandes. Assustavam-me quando era miúda, em visitas com o meu avô, ou com os meus pais.
Da última vez que os vi atentamente, exactamente quando captei esta fotografia do casal, durante uma visita de estudo com os meus alunos de 9º ano, realizada em 2008, estava eu ainda a leccionar na ESA, o macho capado, o diabo cornudo, belzebu chifrudo tinha uma moeda discretamente poisada sobre a sua cabeça... porque devemos estar de bem com deus e com o diabo, não é assim?, diz o povo... e porque mais vale prevenir do que remediar...
É a recriação desta efeméride da chegada dos diabos que se comemorará amanhã.
Não a perderei.
E aqui deixo o link para o blogue C`os Diabos! onde podem acompanhar os preparativos para a noite infernal
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
8 comentários:
Neste concelho e cidade a devassa e a perversidade não tem termo nem abranda o ímpeto.
Como não há quem enxergue e recuse o aviltamento de valores que são a essência da vida e a razão de Amarante existir, entrando na enxurrada deste falso carnaval de estio e churro, que a cultura oficial cultiva e promove para deleite de quem faz do povo o seu circo e transforma a cidade naquilo que nunca foi enquanto vila: terra dos diabos!
Abastardada, Degradante, e Vil cultura a fazer lembrar tempos babilónicos...
Também subscrevo, Extramar.
Mas eu gosto desta recriação. Apesar da política de Pão e Circo que eu sei estar por trás, a verdade é que sempre senti um fascínio inexplicável pela história/lenda destes dois que já me assustaram em tempos.
E acho que cada terra tem que aproveitar as suas especificidades e esta é nossa. Ninguém mais tem uma história dos diabos como esta e isso não pode ser renegado! Até Pascoaes se pronunciu sobre o retorno dos ditos, com enorme entusiasmo!
Esta história dos diabos não lembra ao diabo - sempre com minúsculas para não levantar falsas suspeitas.
Respeito profundamente as opções religiosas e de temor que cada um tenha.
Mas de repente sinto-me projectado para o tempo Medievo, porque a exaltação duma religiosidade OK, agora a exaltação dum sacrilégio não o posso aceitar.
Claro que há as tradições e essas têm de manter-se, mas se se confunde religião e profano aí acho que quem de direito deveria ser torto.
Sabe que na minha opinião não há crentes mas antes tementes!?
E não se admire se ainda vir por aí alguém em busca da redenção nem que para isso tenha de socorrer-se do Belzebu!
Com tantos Belzebus por aí à solta...escoiceando à esquerda e à direita, e NADA RESOLVEM...o bom Povo já devia ter saído desta.
Por favor não o amarrem cada vez mais ao tempo Medievo ....
Não lembra ao diabo, pois não? Kakakakaka... são as especificidades desta minha gente, complicada até dizer chega, misturando sagrado e profano a torto e a direito...
Eu gosto disto. Kakakakaka
Bjs
Se vir por aí um Belzebu acompanhado por um Judas Escariote...mande-os para o Sul porque estão cá a fazer falta.
Precisamos cá desses guerreiros, para ver se com algumas benzeduras expurgamos a "paisagem"!
Ip!
Venerem e exaltem o Santo fundador da urbe, cubram as ruas com flores, queimem incensos em toda a cidade, celebrem as vindimas e o vinho, observem o rio com olhos de ver, festejem o solestício, encenem «O Pobre Tolo» e a «Senhora da Noite», saibam distinguir o falsário do contraste, e reconheçam que os caminhos ascencionais que no novo milénio se oferecem ao Homem não se devem confundir com o medo ou a depravação com que até aqui se tangeu a manada.
Os sinais de degradação e declínio estão patentes por todo o concelho e cidade, e quando no presente escasseiam as oportunidades comemorativas de valor e de valores, tudo serve de apego racional para justificar este miserável (e mais um! como foi comemorar as «invasões») evento oficial - com direito a festim e a procissão nocturna - com a pretensão de ressuscitar o «culto oficial» dos diabos neste nobre e sagrado lugar de eremitério.
Não há acaso que possa justificar tamanha desfaçatez em repetição contínua...
Olha que não estão a fazer falta, estes, Hélio! Com toda a certeza há por aí belzebus e Judas Escariotes de carne e osso... até dizer chega!
Amanhem-se com eles!
É um ponto de vista que eu compreendo e aceito, resultante duma perspectiva um pouco diferente da minha.
Enviar um comentário