terça-feira, 17 de agosto de 2010

O País Indecente


Praia da Amoreira - Aljezur - Algarve - Portugal
Fotografia de Anabela Matias de Magalhães

O País Indecente

Hoje volto ao país indecente. Com culpas distribuídas por muitos de nós, que o fazemos indecente, com culpas distribuídas pelos políticos indecentes, que escolhemos, pelas políticas mais do que indecentes colocadas em prática e agora não me estou a referir apenas aos governos ps, mas também aos psd, que eles são cara e coroa da mesma moeda, são vira o disco e toca o mesmo e trouxeram-nos aqui, ambos, às circunstâncias que hoje todos nós vivemos.
Durante estas minhas férias de Verão, aquelas que acabaram há dias, segui o conselho do nosso, por vezes tão omisso, presidente da república Cavaco Silva, tão omisso mas que, por certo por um mero acaso, neste tempo de dificuldades imensas para inúmeros portugueses, esteve bem ao aconselhar os portugueses a fazerem mais pelo seu país, não saindo de cá durante as férias, deixando aqui, consequentemente, as divisas tão necessárias para o reerguer da coisa que está mais do que lixada.
Pois fiquei por cá e durante a minha volta por Portugal, mais ou menos conhecido, mais ou menos desconhecido, fui parar a Aljezur, encostada ao Alentejo, mas já Algarve, de um Algarve que não se confunde com Abufeiras, Quarteiras e outras eiras que tais e que sofre ainda influência, e muita, de um Alentejo a muitos títulos excepcional.
Pois durante o meu poiso de quatro dias, nos arredores de Aljezur, frequentei três restaurantes diferentes e em todos fui atendida, no total, por três brasileiras e uma russa.
Nada de confusões, nada me move contra esta gente, muito pelo contrário, pensando eu que a mobilidade de pessoas no planeta é mais do que salutar, não me esquecendo jamais dos que saíram de cá e foram tentar a sorte num outro local e admirando, até, esta coragem demonstrada no acto de deixar tudo para trás e iniciar uma vida inteira do zero, em outro local, por vezes radicalmente diferente.
O meu incómodo é outro. É aquele mesmo incómodo que se apoderou de mim um dia ao ouvir o meu amigo Chakib, em plena Ouarzazate, grande conhecedor de Portugal pois aqui viveu por muitos e longos anos, dizer-me qualquer coisa como "Os portugueses estão muito diferentes. Estão uns malandros. Agora há muita gente que só quer viver dos subsídios e não quer trabalhar."
Pois foi o que agora ouvi da boca da russa que simpaticamente nos atendeu no restaurante da praia da Amoreira. Ela sozinha para um mar de esplanada que começava em pequenos-almoços tardios que engatavam em almoços, que por sua vez engatavam em lanches que só terminavam já engatados ao jantar. E lá nos disse ela " Os portugueses não querem trabalhar. Vivem dos subsídios querem eles lá pensar em trabalho! Já viste, eu aqui nesta esplanada toda, sozinha? Não arranjamos ninguém para aqui! Não é incrível?"
Pois é, pensei eu. Incrível mesmo num país onde o desemprego é o que é.
E não é que chego a Amarante e por um motivo de saúde, já mais ou menos controlado, desloco-me à urgência do hospital cá do burgo e sou atendida por um médico africano e outro brasileiro logo de enfiada?
E continuo a pensar que habito um país estranho e indecente, com tantos miúdos e miúdas a esfalfarem-se para entrarem em medicina, coisa recusada muitas vezes, apesar das notas elevadíssimas, e anda o estado a contratar profissionais lá fora, sob pena do sistema entrar em ruptura.
Porca miséria esta, a do país indecente, que parece não acertar com um caminho decente e digno.

11 comentários:

Unknown disse...

Pois tens toda a razão, amiga. Subscrevo cada uma das tuas palavras. Um beijo grande.

Unknown disse...

Muito interessante e apropriado, este post. Vou contar-te um caso verídico que aconteceu comigo no ano passado nas Minas de S. Domingos, Baixo Alentejo.

Íamos almoçar diariamente ao melhor restaurante da vila. Fomos sempre atendidos por romenos. O dono do restaurante disse-nos que ia fechá-lo porque os romenos estavam a pensar ir trabalhar para a Alemanha. Tinha de fechar o restaurante porque, apesar de haver nas Minas de S. Domingos uma escola profissional com curso de hotelaria e restauração, ele não encontrava nenhum jovem que quisesse trabalhar no restaurante. Una iam para o Algarve, outros ficavam sem fazer nada a viverem de subsídios de formação.

Anabela Magalhães disse...

País que não acerta mesmo, Lelé!
Por umlado há emprego e não há trabalhadores, por outro há possíveis trabalhadores a quem o estadocorta as pernas! Que aberração de país em que estamos transformados!
Beijocas!

Anabela Magalhães disse...

Todos nós conhecemos exemplos destes,não é assim, Ramiro?
É o país triste que temos e em que vivemos o nosso dia-a-dia, recusando-o.
Dramático.
Beijinhos e continuação de excelentes férias!

Anabela Magalhães disse...

Ah! Só para te dizer que passei por S. Domingos e que me apeteceu mergulhar numa praia fluvial que por lá vi... mas que beleza e asseio!

Ricardo Pinto disse...

Sem pôr em causa os outros médicos, o Dr. Ozolo (africano sim) é uma simpatia de pessoa e competentíssimo!

Anabela Magalhães disse...

Longe de mim pôr em causa a competência seja de quem for. Aliás nem nomeei ninguém, pordelicadeza e respeito, apesar de saber o nome dos médicos que me atenderam. Mas para o meu post os seus nomes são irrelevantes. Não se trata deles, especificamente. Podiam ser outros estrangeiros quaisquer. O meu post não trata disso. Trata da aberração de um país que precisa de contratar médicos de fora quando tantos miúdos portugueses ficam, ano após ano, sem cumprirem o sonho de uma vida e que é o de serem médicos. E repara que já tivemos tempo de resolver o problema, que se arrasta há décadas.
Trata-se ou não de um país disfuncional, Ricardo?
Esse é que é o problema em discussão...

Ricardo Pinto disse...

Não se trata de nomear nomes, porque quem quiser saber quais foram os médicos de serviço basta contactarem a DGS.
É evidente que as médias para medicina estão muito altas, mas creio que se baixassem iria ser uma disparidade de pessoas a querer entrar para medicina e aí seria «matar a doença com o remédio». Creio que deveria haver outro tipo de avaliação, de forma a perceber se realmente aquele indivíduo teria ou não vocação para assumir uma função tão nobre...
E não precisamos de sair de cá do seu burgo, como diz, para encontrar romenos, argelinos, ... a trabalhar em bares ou noutros sítios quaisquer.

Anabela Magalhães disse...

Misturas vários problemas.
Ponto um - o nosso país é altamente deficitário em médicos.
Ponto dois - o nosso país estrangula de forma incompreensível as entradas em medicina.
Ponto três - o nosso país dá-se á estupidez de recrutar médicos no exterior, que não passaram pelo crivo dos nossos números clausos estúpidos que deixaram potênciais médicos com a cara literalmente batida pela porta de entrada.
Ponto quatro - Se a entrada se poderia encontrar de outra forma que não a actual? Se calhar até não seria mau.
Mas este último problema não tem absolutamente nada a ver com os primeiros, porque os primeiros podem subsistir com a alteração das regras de entrada, se as continuarem a estrangular de forma anormal, desequilibrada e estúpida.

Ricardo Pinto disse...

Mas sabe porque estrangula, olhe o que aconteceu aos professores... A solução não está na abertura exagerada de vagas e nem nas médias: repare que um aluno com média de 18 terá tanta ou mais vocação que um aluno de 19. Deveria ser criadas outras alternativas, tipo um estágio de iniciação à medicina e aí sim altamente rigorosos, onde todos os comportamentos fossem admitidos.
Médicos, eles estão cá, estao é a fugir para as reformas antecipadas e para o privado, lá está, a ambição fala mais alto do que o juramento que fazem em salvar todas e quisquer vidas humanas.
Mas neste caldeirão quem sai prejudicado são os utentes, que se quiserem um atendimento que seria normal noutro país da europa, têm de pagar por uma consulta sem exames, entre 50 a 75 euros, dependendo da especialidade.

Anabela Magalhães disse...

O que se passou com os professores foi radicalmente diferente. O nosso país é desequilibrado mesmo. Vê dois problemas com duas soluções estúpidas:
1 - médicos - nunca chegaram para as necessidades, o problema a agravar-se ano após ano e nada dos governantes acharem soluções de curto, de médio ou de longo prazo. Deu no que deu - nisto de teres necessidade de médicos e de não os teres. Quanto aos médicos fugirem para o privado, acho até muito bem, porque digo-te uma coisa, ou este estado se põe fino ou nós, professores, fugimos dele como o diabo foge da cruz. E depois aqui d`el rei!
2 - professores - a escolaridade obrigatória a crescer e os professores que não chegavam para coisa nenhuma e toca de recrutar gente com o 5º ano do liceu e o antigo 7º... que valeu tudo menos arrancar olhos.
Cursos baratos os direcccionados ao ensino e toca de abrir no vão de cada escada uma faculdade, que elas proliferaram como cogumelos e toca de lançar gente no mercado de trabalho a torto e a direito, mais a torto que a direito, até encharcar completamente o mercado de trabalho em muitas áreas.
Como este é um país disfuncional, que parece acertar muito pouco, agora vais assistir ao processo inverso, deixa continuar as políticas deseducativas tal como estão a trilhar o seu desnorte e vais ver, daqui a uns anos, a querer ter professores para os teus filhos e a não teres.
Porca miséria esta! País indecente este!

 
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