Eduardo Teixeira Pinto - A Palavra a Antero de Alda
Eduardo Teixeira Pinto é um fotógrafo de um mundo que já quase não existe.
Na verdade, estamos a atravessar uma era de (quase) catástrofe. Algo que Barthes definiria como um «punctum», um momento de dor e angústia para muitos de nós, decerto para as nossas representações, para o ‘cliché’ que faríamos de nós mesmos. Lula Pena, essa estranha voz do fado (do fado exquis ou o fado esquisito), disse um dia: «o silêncio não assusta» e «a velocidade é uma coisa que não é humana». É certo: ruído e velocidade caracterizam tragicamente este tempo de passagem.
Não se trata de um fenómeno novo: Mallarmé, Baudelaire, Rimbaud e até Paul Célan experimentaram já esta asfixia no passado. Cultivaram-na, mesmo. Walter Benjamin, o famoso filósofo alemão, chamou-lhe «spleen». O «spleen» é aquilo que nós podemos designar por «doença do tempo». Se se pode dizer assim, o tempo está em mudança da pele, numa impiedosa metamorfose.
Vivemos hoje numa parede entre duas esquinas. Vislumbramos, por um lado, o fim de uma era – o fim do capitalismo selvagem, dizem alguns; definitivamente, o fim daquilo que se convencionou chamar o pós-Modernismo. Temos, por outro lado, ainda um pé (a recordação dos nossos antepassados e a memória da nossa infância) num outro tempo. Estamos, portanto, divididos, com a alma dilacerada, em chagas.
Para os mais pessimistas (ou mais incapazes) restará aceitar esta perda: os próximos anos serão de psiquiatras e coveiros. Para nós deverá ser um tempo de reconstrução…
Repito: Eduardo Teixeira Pinto é um fotógrafo de um mundo que já quase não existe. Dito por outras palavras, é um fotógrafo de um tempo quase perfeito.
Nos últimos anos Amarante transformou-se. Cedendo, também, a um certo caos (veja-se, por exemplo, o caos arquitectónico), sacrificando-se por essa avassaladora dinâmica da inevitabilidade, do enriquecimento fácil, da ilusão da felicidade a qualquer preço.
Retomando as palavras do «fado exquis», o que fazer, então, contra esta velocidade, contra este ruído?
Temos passado, somos ricos. Na Literatura temos um Teixeira de Pascoaes. Na Pintura temos um Amadeo de Souza-Cardoso. E muito mais. Porque a Fotografia é hoje uma arte nobre, podemos dizer que temos agora um Eduardo Teixeira Pinto na Fotografia.
Gageiro (Eduardo Gageiro, um dos fotógrafos do 25 de Abril), propõe uma rua para o Eduardo. Nós, que respiramos ainda, que povoamos o Largo de S. Gonçalo (um dia já não nos veremos mais por lá - e não nos incomoda pensarmos nisso?), temos essa e mais - e maiores - responsabilidades.
Como há 200 anos, temos que defender outra vez a ponte. Uma outra ponte, é certo: uma ponte para atravessar esta esquina, para levar às gerações futuras o rio do Eduardo, a névoa do Eduardo, as lavadeiras e as velhas azenhas, as feiras antigas e os negociantes de gado, a luz matinal, os reguilas e os barcos, o Tâmega límpido ou em chamas.
Em suma, Amarante precisa de um Museu da Fotografia. Eu diria mesmo: Amarante precisa, urgentemente (porque para isto é-nos permitido reclamar urgência), de um Museu da Fotografia com o nome de Eduardo Teixeira Pinto. Se não formos capazes, a nossa geração não entregará nada de significativo (de verdadeiramente perfeito) aos nossos filhos.
Antero de Alda
18 de Dezembro de 2010.
Estas foram as palavras ontem lidas na homenagem a Eduardo Teixeira Pinto. São do Antero de Alda e foram ditas com convicção e firmeza.
Continuamos a atravessar pontes, teimosamente. De fotógrafo para fotógrafo. De artista para artista. De ontem para hoje... de hoje para amanhã.
É certo que vivemos agora numa encruzilhada.
Sentiremos vergonha, um dia, do legado que deixaremos aos nossos filhos?
Baixaremos os braços de exaustão?
Ou, pelo contrário, remaremos contra esta maré, que tudo parece submergir, enlaçando passado na direcção de um futuro que se exige mais honesto e simples?
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7 comentários:
EDUARDO TEIXEIRA PINTO (1933-2009)
«Baixaremos os braços de exaustão?
Ou, pelo contrário, remaremos contra esta maré, que tudo parece submergir (...)»
Sem palavras mais do que as necessárias sobre uma comunidade desatenta e ausente no tempo próprio, de onde o espírito de elevação e de nobreza escasseia e parece andar envergonhado, fica em segregação propositada de um esquecimento propositado, um singelo contributo que ETP sabe que houve. Em «PlenaCidadania»
1.«ARQUIVO DA ex-«FOTO-ARTE» EM RISCO – UMA DELIBERAÇÃO DA ASSEMBLEIA QUE O MUNICÍPIO DE AMARANTE NÃO CUMPRE»
2.«ARREMEDO DE DEMOCRACIA – UM CASO CONCRETO DE AMARANTE»
3.«EDUARDO TEIXEIRA PINTO (1933-2009) - SAUDADE DE AMARANTE»
(http://comunidade.sol.pt/blogs/plenacidadania/default.aspx?p=3)
José Emanuel Queirós
Pena não teres estado presente ontem. O Sr Eduardo teria gostado que lá estivesses.
Por algum motivo ele também não esteve.
Basta-me saber da recíproca Amizade talvez iniciada junto à pia baptismal da Igreja de São Gonçalo, comunhões e casamento, dos baptizados até às comunhões da Cláudia e da Inês.
A minha ausência não pode ser notada entre notáveis que dão mais cor e distinção às representações e aos eventos.
No entanto, não posso deixar de exprimir o meu respeito pela família, por quem fui convidado a estar presente, mas por razões estritamente pessoais que não têm lugar aqui não me pude exceder para a cerimónia.
Lamentavelmente, ele também não esteve presente. Ainda no sábado o afirmei... mas é sempre a mesmacoisa... as pessoas partem e ficam prontas para a homenagem que não se fez em vida.
Sei que a vossa ligação era forte.
Felizmente ele também soube disso.
No plano em que ETP se encontra todas as homenagens que lhe dediquem deste são absolutamente dispensáveis.
Esta mente humana que se engalana para as evocações na ausência física dos homenageados ainda não percebeu da condição de hipocrisia em que anda enredada com este procedimento de passar ao lado dos vivos sem lhes dar a merecida atenção preferindo carpir nas homenagens que faz depois estando só.
A lembrança da obra de ETP é dele e também de uma Amarante que Foto-Arte fixou na celulóide em cerca de 80 anos no século XX, que encontrei depositada numa velha cozinha rústica sem condições físicas para guardar tamanha preciosidade ali reunida e que na condição de eleito à Assembleia Municipal (entre 81 eleitos + 7 camarários) mais não fiz do que me competia.
Há muito que a comunidade amarantina está em falta com aquela família, que nos tem a todos entre as suas relíquias de toda a sua vida artística e profissional. Eu sei disto, mas há quem não saiba usar a sua competente responsabilidade nos órgãos autárquicos desbaratando recursos que são de todos em domínios privados que só servem para sustentar orgulhos sôfregos de poderes difusos, sem mérito nem prestígio para o nosso colectivo.
Ainda em 1990 (literalmente, nesse ano!) depois de acordar com ETP a osrganização de todo seu espólio e de contactar um Prof. da Escola Superior Artística do Porto, hei proposto à nossa empobrecedora Câmara Municipal de Amarante a realização dessa tarefa pelos finalistas do curso de Fotografia, que o realizariam como trabalho final de curso apenas pelo valor das despesas (Porto-Amarante e refeições) calculadas em cerca de 90 contos durante 6 meses.
Os resultados estão à vista!...
Portanto, não lembro ETP depois de nos ter deixado... nem tenho a ousadia de criticar em alguém o culto dos mortos ou as elegias para que muitos foram talhados.
Direi mais, apenas, a terminar (indisponível para continuar esta abordagem) que se apreciam genuinamente a Obra e o Homem, porque se inspiraram naquilo que fizeram por ignorar?
José Emanuel Queirós
Conheço essa história, mais uma do Portugal no seu melhor.
E subscrevo as tuas palavras. Apesar de estar presente na homenagem póstuma, mais longe dele, agora. do que tu estiveste em vida.
Esperemos que algo resulte da sua morte. Esperemos que algo possa ser legado para às gerações futuras que caminharão sobre o Largo de S. Gonçalo, sobre o meu umbigo e sobre o teu...
Tenho apenas que agradecer a tua bem-intencionada provocação sancionatória pela minha ausência. Não me surpreende que a tivesses anotado...
Criás-te, entretanto, a oportunidade para que te tivesse esclarecido de alguns argumentos que estas cerimónias evitam, como todas as verdades que se configuram inconvenientes para alguém.
Dentro de uma certa normalidade que os normativos cosmo-éticos me concedem por referenciais ontológicos, não me revejo adestrado no rebanho entre o pasto e o redil, no tanger do cajado do pastor. Nem tenho as artes do palco para mágicas ou trapézios.
Presto atenção ao mundo naquilo que com ele consiga aprender mas não sigo às cegas o bando sem que me questione por que o faço, e com quem.
Lamento reconhecer falta de originalidade e reiterados erros de procedimento para os quais a nossa comunidade não se questiona e segue a turba às cegas em carnavais a destempo subelevando 'os diabos' no ermitério do Santo, ou andando em comemorações de invasões como nem os franceses ousam...
Há uma espiral de descaracterização de valores (valores!) e de preversidade que já faz norma na terra e que não se fica por aqui, mas que não quero prolongar além do legado a Lousada de 106 mil m2 do território que é raiz do concelho. Mas o que para aí vai mais... que por acomodação, desleixo, conveniência, ou manifesta limitação no sentir da terra, dita uma terrível e conformada morbidez colectiva.
Questionemo-mos, perante os mais diversos contextos, e duvidemos das nossas melhores boas-intenções. Que, sem termos que abdicar de prosseguir a marcha, talvez descubramos maior iluminação para os caminhos que estamos a esboçar para cada um de nós e para essa Amarante grandiosa da memória, que a realidade volatiliza ensombrada em anos de chumbo sem fim.
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