Igreja de S. Gonçalo - S. Gonçalo - Amarante
Fotografias de Anabela Matias de Magalhães
O Escarro/Vómito na Igreja de S. Gonçalo
Não sendo crente, sou, no entanto, uma acérrima defensora do respeito por um património local, nacional, mundial, que foi sendo acumulado ao longo dos milénios, dos séculos, dos anos e que nos foi legado por quem nos antecedeu nestes espaços que hoje são calcorreados por nós, mas que, não tarda nada, serão percorridos e apropriados por outros, nossos descendentes.
Neste meu gosto pelo património, de múltiplas tipologias, e não podia deixar de ser de outra forma, está incluído o património religioso que é mesmo dos primeiros que eu procuro nas minhas deambulações por terras estranhas à minha. E, dentro de um património religioso, confesso que amo sentar-me, em recolhimento quantas vezes extasiado, perante a beleza, a harmonia, o equilíbrio, a luz... independentemente do estilo do património edificado e decorado que está perante os meus olhos. Ora os edifícios/equipamentos são muito despojados, ora são um espavento de rebuscados e excessivos, ora a luz é ténue e filtrada, ora entra a rodos, em todos os casos aquecendo-me as entranhas, aquecendo-me o coração.
Volto a frisar, não sou crente... mas podia ser e se calhar sou mesmo mais crente do que muitos que mecanicamente respondem que o são. Não acredito em deus, qualquer que ele seja, nem, confesso, acreditava seu antagónico diabo... até que hoje entrei na "minha" igreja de S. Gonçalo e a vi profundamente profanada com uma pseudo "modernidade" que só pode ser obra dele, do chifrudo, do rabudo, do belzebu.
Que fique bem claro, adoro a modernidade das linhas simples, o despojamento em que a tralha nem existe, o branco luminoso e repousante... ao invés, o barroco nem sequer é a minha praia, não gosto da filosofia por detrás deste estilo, do esmagamento dos crentes pelo excesso, pelo luxo ostentatório, pelo rebuscado, mas tudo se quer contextualizado e a tralha de um branco imaculadamente gélido, que parece atirada ao acaso para o transepto da Igreja de S. Gonçalo, não passa disso mesmo, de tralha foleira que perturba a visão de um interior globalmente barroco, que antes tinha equilíbrio, harmonia e onde se respirava uma paz acolhedora e doce. Hoje, o que fica é a aberração, a perturbação, o rompimento com o equilíbrio, a demência, a arrogância e o desrespeito por um edifício que está classificado e que é património nacional, ou seja, que é património de todos nós.
Não acreditava no diabo mas, confesso, esta intervenção, que eu só espero seja uma instalação de mau gosto muito efémera, só pode ser obra dele.
Saí. A Igreja de S. Gonçalo está, para mim, altamente perturbadora. Não crente, interrogo-me... os crentes conseguirão ali rezar?