quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Evitar Charrar

Evitar Charrar

A história que vou relatar é inédita neste blogue e é consequência da minha experiência durante o concerto dos U2.
Confesso que a minha experiência pessoal com drogas é absolutamente nula em termos de consumos disto e daquilo e daqueloutro também, tendo-me ficado pelas experiências com tabaco, um maço por dia de SG Gigante dos 14 aos 20 anos e um maço e meio por dia de SG Light, dos 20 aos 25, idade em que ganhei um juízo pouco vulgar para a época e deixei de fumar por decisão pensada, amadurecida e absolutamente consciente do mal que me fazia a tabaquice, do fumo horroroso que lançava sobre os outros e do cheiro nauseabundo de que não me libertava um segundo. Deixei de fumar de um dia para o outro, que um escorpião não admite que substâncias estranhas à sua vontade lhe comandem a vida, achando isso mesmo absolutamente deprimente e asqueroso, insuportável e incompreensível. Por certo foi por este motivo que jamais me senti tentada sequer a experimentar um charro, tão na moda entre os meus amigos rapazes que me acompanharam a adolescência. Oportunidades não me faltaram, está bom de ver, ao longo da vida, mas o certo é que o mais próximo que estive de charrar foi quando entrei num café em Marrocos, já mais do que adulta, acompanhada pelo Eugénio, algures nas montanhas do Rif, montanhas produtoras de haxixe de 1ª, convém esclarecer quem desconhece a região, e o interior do dito estava pejado de homens que charravam descontraidamente envoltos numa nuvem assustadora. Confesso que se estivesse menos aflita teria dado meia volta, mas assim sendo, aflitinha, lá atravessei corajosamente o café em direcção ao WC, evitando respirar, acompanhada por um bon ami que provavelmente fez o mesmo. À saída, entre gargalhadas, atirei-lhe um "Estás bem?", tal era a quantidade de fumo mais parecendo nevoeiro denso pousado naquele interior.
No sábado voltei a evitar charrar e foi a primeira vez que tal me aconteceu num concerto. À minha frente, na bancada lateral, estava um grupo estranho de gente, alguma que rondaria os 40 e tais anos e portanto com idade para ter juízo, com piercings espalhados pelas orelhas, pelas faces, pelos beiços, com tatuagens aqui e ali e com aspecto de quem estava embrenhado na droga faz tempo. Começaram a incomodar-me com o fumo do tabaco e passaram para as charradas que charraram forte e feio fazendo retiradas estratégicas, mais ou menos prolongadas, em que, presumo, iriam talvez chutar para a veia ou chutar para outro sítio qualquer, que não o concerto, que não os U2.
Mais uma vez evitei charrar fazendo retiradas estratégicas às nuvens de fumo que constantemente os tipos e as tipas sorviam com sofreguidão e se escapuliam no ar e fiquei a pensar que por certo sou mesmo um fóssil vivo que vive neste planeta já descontextualizada de um contexto cada vez mais caótico, desregulado, imprevisível, alienado e desrespeitador dos outros, que são obrigados a aturar os vícios de terceiros mesmo sem o querer. E ao mesmo tempo pensei que a minha filha, ali ao meu lado, tem uma mãe estranha, vinda do século passado, que resiste a estas modernices e foge delas como o diabo da cruz. Porque a sua afirmação pessoal não passa por aí, nunca passou, jamais passará... sendo que eu não sou o Jamé!

2 comentários:

www.angeloochoa.net disse...

Parabéns, Anabela, por teu depoimento!
Beijinhos do Ângelo.

Anabela Magalhães disse...

Saiu-me! :)
E não precisa de me agradecer a mensagem tão demodé nos dias que correm... mas que não demodé para mim. Orgulho-me desta minha não experiência!
Beijinhos!

 
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