quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

Síndrome da Indisciplina e da Violência Aprendidas


Síndrome da Indisciplina e da Violência Aprendidas

Hoje partilho um magnífico texto do Luís Costa publicado originalmente no ComRegras.

Da desconsideração e da falta de respeito à violência o caminho não é longo nem demorado. Em Portugal, foi percorrido num ápice. Da política educativa à prática pedagógica, não esquecendo o fulcral nível da gestão escolar é vastíssimo o grupo de pessoas que, generosamente, têm contribuído para a celeridade deste vergonhoso retrocesso civilizacional.
Ao longo da última década, salvo raras exceções (muito pontuais), o poder político, direta e indiretamente, ora por razões economicistas, ora por razões ideológicas (ou ambas), não se limitou a desconsiderar os professores, desrespeitou-os reiteradamente e apontou-lhes, publicamente, o dedo da culpa pelo insucesso escolar. Do amplo leque, destaco algumas evidências: a constante degradação da carreira (congelamentos e conversão de escalões); a crescente precariedade laboral (nos vínculos, nas contratações…); a efetiva redução salarial; as sucessivas alterações das normas de avaliação e dos conteúdos programáticos (frequentemente no decorrer do ano letivo, sem ouvir os professores ou contra a sua opinião); o real aumento do horário semanal de trabalho (quer na escola quer em casa); a progressiva instrumentalização dos professores; a pérfida confusão entre atividades letivas e não letivas; a inibidora carga burocrática; as constantes, circunstanciadas e individualizadas justificações que é preciso fornecer (quer por motivos disciplinares quer na atribuição de níveis negativos); as frequentes e venenosas declarações sobre a necessidade de melhorar a formação dos professores (especialmente corrosivas quando feitas a propósito de resultados dos alunos). É um autêntico arraial de chicotadas que vergam, descredibilizam e desautorizam publicamente os professores, estimulando assim o recrudescer das más vontades, das desconfianças, das desobediências… do desrespeito. E quando tudo se consubstancia na barbárie contra docentes… só o granítico silêncio da tutela responde aos professores e à comunidade.
Duplamente entalados (entre Ministério da Educação e professores; entre professores e encarregados de educação) os diretores escolares (salvo raras e louváveis exceções) encostam-se invariavelmente ao lado mais forte: falam fininho para cima e grosso para baixo; dizem "não," por defeito, para dentro e "sim", por feitio, para fora. Comprometidos, superiormente, com determinadas metas e taxas; comprometidos com certos enlatados pedagógicos que subscreveram (por crença e/ou a troco de reforço de meios), estão normalmente dispostos a fazer o necessário para que os resultados numéricos beijem os objetivos subscritos: impõem as suas ideias em todos os órgãos e grupos disciplinares (incluindo as práticas pedagógicas), desvalorizam, ignoram ou vetam o pensamento divergente. Face à crescente falta de empenho e de respeito dos alunos e ao progressivo aumento da pressão dos encarregados de educação, não hesitam (na maior parte dos casos) em fazer ceder os ex-colegas, seja em questões disciplinares, seja no domínio da avaliação. Para a comunidade, passa a ideia (não descabida) de que os professores são os elos mais fracos, que ninguém os defende e que muito boa gente está mesmo disposta a expô-los à desautorização e à humilhação. Aos docentes, este contexto provoca intimidação, medo e… silêncios, que não são completamente injustificados. Na verdade, quando um dedo acusador entra na escola e aponta um professor, o visado, normalmente, fica só. Na verdade, quando um troglodita qualquer invade o espaço escolar para esbofetear e pontapear um professor diante dos seus alunos, o que se segue, muitas vezes, é o desfazer das verdadeiras solidariedades geradas, o estigmatizar das vozes inconformadas que apelam à reação, a apologia do sofrimento abafado, o esconjuro da má fama que a divulgação de tais atos, alegadamente, acarreta… uma discreta participação, um cinzento e mui pachorrento processo disciplinar e… toneladas de silêncio em decomposição.
No fundo da cadeia alimentar está aquele que deveria ser uma sólida referência para os alunos e o braço direito dos encarregados de educação. Isolado, entalado por todos (frequentemente pelos próprios alunos), reage da forma mais inadequada: teme, aceita, cala, age frequentemente contra os seus princípios e ideias, e vai deixando cair, um atrás do outro, quase todos os baluartes do respeito (dentro e fora da sala de aula), muitos baluartes da exigência académica, muitos baluartes da consciência, do orgulho e do amor-próprio. Só isso justifica que o número de participações e de sanções disciplinares não seja verdadeiramente aterrador. Os professores estão em modo de sobrevivência, mas a ruir por dentro, o que é terrivelmente preocupante, esmagador, visto que todos nós ensinamos muito mais o que somos do que o que sabemos.,
É neste estranho campo que os alunos medram e aprendem a ser. Sem as devidas e benéficas cumplicidades entre os adultos, sem firmes referências de postura e de autoridade, sem claros e bem definidos limites, sem rigorosa exigência, sem verdadeiras consequências… alimentam a boçalidade, o despropósito, a desconsideração, o desrespeito, o sentimento de impunidade, a falta de ambição… E vão criando os seus próprios códigos de conduta, as suas próprias (i)moralidades, as suas próprias intransigências, as suas autolegitimadas insubordinações… Nesta seara negligenciada (que, dizem, prepara para a vida), é muito natural que o joio vença o trigo, que a indisciplina, a violência e mesmo a criminalidade se normalizem e se vão tornando progressivamente banais.
Esta espiral involutiva só poderá conhecer reversão quando as REFERÊNCIAS se libertarem do medo e decidirem, efetivamente, ocupar o lugar que é seu POR DIREITO E POR DEVER.
Luís Costa

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