sexta-feira, 23 de março de 2012

Dia da Poesia - Precisamos de Merda


Dia da Poesia - Precisamos de Merda

Sim, eu sei, já passou...
No entanto, todos os dias são bons para magníficas obras. É o caso. A poesia pode ser uma poderosa arma de combate.

Versos do oficial de cavalaria, João de Vasconcelos e Sá, lidos por ele próprio em Évora, perante o Ministro da Agricultura de então – Leovigildo Queimado Franco de Sousa, 1933

Agradecida à Ana Cristina Leonardo, do Meditação na Pastelaria, de onde surripiei a pérola que se segue:

Ao Excelentíssimo Senhor Ministro da Agricultura

Exposição


Porque julgamos digna de registo,
A nossa exposição, Sr. Ministro,
Erguemos até vós, humildemente,
Uma toada uníssona e plangente,
Em que evitámos o menor deslize,
E em que damos razão da nossa crise.

Senhor! Em vão esta província inteira,
Desmoita, lavra, atalha a sementeira,
Suando até à fralda da camisa.
Falta a matéria orgânica precisa,
na terra que é delgada e sempre fraca.
A matéria em questão, chama-se  CACA.

Precisamos de merda, senhor Soisa,
E nunca precisámos de outra coisa.

Se os membros desse ilustre Ministério
Querem tomar o nosso caso bem a sério
Se é nobre o sentimento que os anima,
Mandem cagar toda a gente em cima
Dos maninhos torrões de cada herdade,
E... mijem-nos também, por caridade.

Oh! Senhor Oliveira Salazar,
Quando tiver vontade de cagar,
Venha até nós, solicito, calado,
Busque um terreno que estiver lavrado,
E como Presidente do Conselho,
Queira-se espremer até ficar vermelho!

A nação confiou-lhe os seus destinos?
Então comprima, aperte os intestinos;
E, se um traque escapar, não se importe,
Quem sabe se cheirá-lo dará sorte!
Quantos não porão as suas esperanças
Num traque do Ministério das Finanças.

E quem já vive aflito e sem recursos,
Já nao distingue os traques dos discursos.
Não precisa falar, tenha a certeza,
Que a nossa maior fonte de riqueza,
Desde os montados negros às courelas,
Provém da merda que despejarmos nelas .

Precisamos de merda, senhor Soisa,
E nunca precisámos de outra coisa.

Adubos de potassa, cal e azote!
Mandem-nos merda pura do bispote,
E que todos os penicos portugueses,
Durante pelo menos uns seis meses
Sobre o montado, sobre a terra campa,
Continuamente eles nos despejem trampa.

Terras alentejanas! Terras nuas,
Desesperos de arados e charruas,
Quem as tem, quem as compra ou quem as herda
Sente a paixão nostálgica da merda.
Ah! Merda grossa e fina , merda boa.
Das inúteis retretes de Lisboa!
Precisamos de merda senhor Soisa,
E nunca precisámos de outra coisa.

Como é triste saber que todos vós
Andais cagando, sem pensar em nós.
Se querem fomentar a agricultura,
Mandem vir muita gente com soltura.
Nós daremos o trigo em larga escala,
Também nos faz jeitinho a merda rala.

Venham todas as merdas à vontade.
Não fazemos questão de  qualidade.
Formas normais ou formas esquisitas,
E desde o cagalhão às caganitas,
Ou desde o negro poio à dura bosta,
Que tudo o que for merda, a gente gosta.

Precisamos de merda, Senhor Soisa ,
e nunca precisámos de outra coisa.

Versão corrigida pelo texto anexo.

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