segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Quelhas










Quelhas - S. Gonçalo - Amarante - Portugal
Fotografias de Anabela Matias de Magalhães

Quelhas

Esta é uma Amarante que permanece desconhecida, quantas vezes, para quem nos visita e que permanece na sombra, mesmo para muitos amarantinos, que sabem que ela existe, mas que não a cheiram, não a percorrem, não a observam, nem a absorvem. Bem sei que as quelhas são espaços estreitos, sombrios, onde a luz do sol mal penetra... mas que diabo, isto também é Amarante. E Amarante é sempre bela seja nas suas artérias, nas veias ou nos capilares.
As duas quelhas acima postadas são a Quelha das Garridas e a Quelha da Silvina. A primeira é bastante conhecida até porque o seu pavimento foi recuperado e é um dos acessos ao rio Tâmega. A segunda está bastante mais degradada no seu pavimento e nos edifícios que a ladeiam. As duas eram habitadas, na minha infância, por famílias bastante pobres e não raras vezes muito numerosas, como era o caso da família das Garridas que acabou por fornecer o nome popular e oficial à "sua" quelha. Percorro as duas desde miúda mas, sem dúvida, àquela a que estou mais ligada, pelas minhas memórias, é à Quelha das Garridas. Aliás o quintal dos meus avós, postado numa das fotografias, dava acesso, por um velho e estreito portão, a esta quelha, que eu tantas vezes desci acompanhando a criada da minha avó que, carregada com uma grande bacia de zinco cheia de roupa suja, empoleirada numa rodilha transformada numa espécie de rosca torcida, descia a calçada em direcção ao rio, onde havia sempre uma grande azáfama e o colorido da roupa a corar nas pedras e nos arbustos. Com sorte, na Primavera e no Verão, lá me deixavam ensaiar e treinar a lavagem da roupa, com os meus pés pequenos dentro da água fresca do Tâmega. E era sempre uma alegria porque o trabalho, pesado, era sempre acompanhado de tagarelice e cantorias.
Sem dúvida que o tempo tinha outra dimensão e tudo se processava muito devagar. E eu, que durante a minha vida já assisti a tanta mudança, que tive de me adaptar, melhor ou pior, a tanta inovação, dou por mim a pensar que esta falta de tempo cada vez mais notória, este acelerar constante do ritmo de trabalho, este sentir o tempo escoar-nos das mãos sem nós termos tempo de o reter, interiorizar, viver, vai dar cabo de nós enquanto pessoas.
Eu continuo a remar contra a maré dando a mim própria algum tempo de paragem, de quietude, de contemplação... nem que seja rápida, porque eu moro no século XXI!!!
Mas aqui nas quelhas o tempo parece quase fossilizado assim como algumas das pessoas que as habitam e não deixa de ser estranha esta sensação.

2 comentários:

Luis Pereira disse...

Como li "Quelhas I", espero que haja muitos mais "posts" sobre as nossas quelhas, sobre tudo o que faz parte da nossa cidade, porque esta é sem dúvida uma cidade lindíssima, cheia de história(s). Histórias estas que me são contadas pelos meus avós e me deixam concentrado nelas durante tempos....
Que mais dizer?? Apesar de tudo, somos uns sortudos por habitar e gostar desta cidade!:)

Anabela Magalhães disse...

Vai haver mais "posts" porque ainda não consegui dizer tudo o que tenho a dizer a propósito das quelhas, porque me continuo a debater para aqui com uma infinidade de fotografias, e porque, realmente, Amarante é uma senhora muito fotogénica! :)

 
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