Parecer da FENPROF sobre o Perfil dos Alunos
“PERFIL DOS ALUNOS À SAÍDA DA ESCOLARIDADE OBRIGATÓRIA”
PARECER DA FENPROF
A merecida valorização do documento
O Grupo de Trabalho criado pelo Ministério da Educação para elaborar o “Perfil dos alunos à
saída da Escolaridade Obrigatória”, presidido pelo Dr. Guilherme d’Oliveira Martins,
apresentou no decorrer do mês de fevereiro o resultado final do seu trabalho.
A FENPROF faz uma apreciação bastante positiva do ”Perfil”, porque este, rompendo com o
legado da equipa de Nuno Crato, diverge de forma frontal das soluções neoliberais que têm
pautado a política educativa no nosso país nas últimas décadas, nomeadamente ao nível da
organização curricular e pedagógica.
O documento assenta numa visão humanista da Educação, em clara oposição à postura tecnoburocrática
até aqui prevalecente; regista o conceito de complementaridades no que toca aos
saberes e recusa a visão hierarquizada destes, que teve o seu apogeu com o último governo da
direita; sedimenta uma perspetiva de inclusão, por oposição a visões elitistas e excludentes
implementadas no nosso país pelos arautos do neoliberalismo em educação.
Logo no Prefácio, opondo-se à visão redutora e autoritária da aquisição de competências
dirigidas à entrada no mercado de trabalho, é referido que o “aprender a conhecer, o aprender
a fazer, o aprender a viver juntos e a viver com os outros e o aprender a ser constituem
elementos que devem ser vistos nas suas diversas relações e implicações”. O Grupo de
Trabalho considera que “isto mesmo obriga a colocar a educação durante toda a vida no
coração da sociedade”.
Esta referência merece algum realce porque a essência das propostas agora feitas coloca a
educação ao longo da vida bem para além das lógicas da chamada educação de segunda
oportunidade. Prefigura, isso sim, uma valorização do saber que dota os alunos, ao fim de
doze anos de escolaridade, de uma genuína vontade de continuar a aprender durante toda a
vida, seja qual for a opção de futuro que venham a adotar. Tudo isto, ali é dito, destinado a
“pensar e a criar um destino comum humanamente emancipador”.
O apelo à “necessidade de preparar os jovens para uma vida em constante e rápida
mudança” obriga, tal como estabelece o documento em apreço, a uma construção integradora
das competências-chave apresentadas. A FENPROF concorda com esta mudança de
paradigma.
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Um bom documento não garante, por si só, as mudanças necessárias
A apreciação do documento não faz esquecer, em momento algum, que diferentes aspetos
positivos nele contidos estão, no entanto, sujeitos a barreiras e constrangimentos que
impedem e ou condicionam o desenvolvimento, nas escolas, do perfil dos alunos ora
apontado.
As dez competências valorizadas no “Perfil dos alunos para o século XXI” serão esvaziadas
de conteúdo se não forem tomadas medidas ao nível da avaliação. O modelo de avaliação dos
alunos privilegia as competências relativas às áreas curriculares e disciplinares concomitantes
com o Português e a Matemática. A alteração do modelo de avaliação, a alteração do
currículo, e não apenas a sua flexibilização, são pressupostos para que se possam desenvolver
as competências descritas para os alunos, ao fim de 12 anos de escolaridade. Caso contrário,
mais uma vez, esgotar-se-ão os interesses e energias das escolas sem que se efetive qualquer
mudança substancial e estaremos, também mais uma vez, perante um mero artificialismo de
carácter teórico.
Sendo os docentes sujeitos indispensáveis na implementação de quaisquer medidas de política
educativa nas escolas, situações extremamente insatisfatórias vividas diariamente por estes
profissionais, tais como carreiras congeladas e desvalorizadas, turmas superlotadas, tensão na
relação com alunos, escassos recursos materiais e didáticos, indisciplina na sala de aula,
excesso de carga horária, inexistente participação nas políticas e no planeamento institucional,
cerceamento da autonomia profissional, as constantes mudanças – muitas delas de caráter
regressivo – ocorridas no sistema público de educação, a precariedade e a falta de
rejuvenescimento do corpo docente são contraditórias com o enunciado do “Perfil”. Reforcese:
a FENPROF entende que a manutenção daquele quadro é radicalmente incompatível com
o desenvolvimento do perfil do aluno proposto.
Prosseguindo, centre-se, por agora, a atenção nas formas de organização impostas hoje às
escolas. Ao longo de todo o documento e, em particular, no ponto intitulado “Visão”,
enfatiza-se a necessidade de que a Escola cumpra a sua função social na promoção de
processos educativos que formem cidadãs e cidadãos críticos e atuantes e no desenvolvimento
de uma pedagogia participativa e democrática. Em contraposição a esta visão, hoje apresentase
aos alunos, como modelo ou referencial nas escolas, um paradigma de organização social
excessivamente estratificado e hierarquizado, em que impera um estilo de comando e controlo
apertado e centralizador, o qual favorece relações assimétricas de poder, numa lógica
centralista em que um órgão unipessoal se apropria e detém o poder de posição oficial, o
poder de especialista, o poder pessoal, o poder de controlo das recompensas e o poder
coercivo.
No documento em apreço, no entanto, aponta-se um modelo que visa simultaneamente “a
qualificação individual e a cidadania democrática”, o qual pressupõe um paradigma
democrático, promotor de participação, empenho, sentido crítico e responsabilidade. Ora, na
prática, o modelo de gestão dos estabelecimentos de ensino portugueses perdeu os últimos
laivos de democracia com a substituição do órgão de gestão colegial por um unipessoal, com
a escolha de um diretor por um pequeno grupo de intervenientes em detrimento da eleição
pela comunidade escolar, com a desvalorização do conselho pedagógico, órgão que passou a
ser composto por elementos nomeados sem que representem, verdadeiramente, as estruturas
de coordenação e supervisão pedagógica e orientação educativa das escolas e esvaziando-o de
competências de decisão. Por sua vez, o modelo democrático imanente da Revolução do 25
de Abril de 1974 assenta numa lógica mais colaborativa e cooperativa, aberta ao diálogo,
características diretamente relacionadas com as práticas de gestão colegiais e
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descentralizadas, sem estereótipos elitistas, exigências privilegiadas nas organizações do hoje
e do amanhã e em que estão pressupostos três princípios fundamentais da democracia, a
saber: eleição, colegialidade, participação na decisão.
O perfil dos alunos para o século XXI pressupõe uma verdadeira autonomia das escolas. No
entanto, a proposta de lei-quadro para a transferência de competências na área setorial da
educação para as autarquias locais conduzirá à perpetuação de uma autonomia decretada e
cada vez mais restritiva das escolas e da liberdade pedagógica e profissional dos profissionais
da educação, professores e trabalhadores não docentes, podendo ainda pôr em causa o caráter
universalista da educação pública e, mesmo, em alguns casos, a sua matriz democrática.
A FENPROF faz uma avaliação positiva do documento, mas salienta que uma visão
holística e humanista da educação não se compadece com a continuidade de políticas
educativas de cariz marcadamente neoliberal.
Promover e garantir o envolvimento e a participação dos docentes
O perfil do aluno pretendido à saída da escolaridade obrigatória aponta para uma mudança de
paradigma na educação. Esta mudança implica alteração, também, nas práticas pedagógicas
dos docentes e, como “não se muda por decreto”, há que garantir as condições necessárias
para que o professor sinta necessidade de mudar a sua atuação.
Para dar resposta ao perfil do aluno apresentado, os docentes necessitam de tempo para
refletir sobre as suas próprias práticas, discutidas em ambiente escolar, com os seus pares,
despertando assim o interesse pela mudança na prática educativa. São necessários espaços de
diálogo para os professores terem condições para trocar experiências e para repensar e
adequar as suas práticas às exigências de um novo conceito de aluno: um aluno crítico, com
vontade de aprender e continuar a aprender ao longo de toda a sua vida, com competências
assentes em conhecimentos, capacidades e atitudes nas diversas áreas de desenvolvimento e
aquisição de competências-chave; um cidadão à saída da escolaridade obrigatória com uma
perspetiva humanista e inclusiva, assentando toda a sua ação, de forma reflexiva, mas sempre
sustentada num conhecimento efetivo. Cidadãos autónomos, que pensam por si e que
estabelecem relações com os outros. Esta é a principal função social da escola: preparar o
aluno para a vida numa sociedade em constante transformação.
Esta mudança só pode acontecer se os professores forem envolvidos na discussão, na
construção e na implementação destas alterações, em termos de uma participação ativa em
todo o processo. Professores como autores e atores da sua prática pedagógica, em constante
partilha de saberes e experiências com os seus pares. O que, manifestamente, diverge da
situação para que a profissão docente tem sido remetida pelas políticas de diferentes
governos.
Não podem ser aqui menorizadas dimensões incontornáveis que têm a ver com a formação
dos docentes, inicial, contínua e especializada, e, de cariz diferente mas absolutamente
determinante, a resolução dos magnos problemas do desgaste e do envelhecimento do corpo
docente, agravados de forma brutal com as políticas dos últimos largos anos.
A FENPROF considera indispensável a organização de espaços de debate e reflexão nas
escolas, envolvendo todos os professores, numa perspetiva construtiva de uma ação coerente
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com as conceções que se pretende que os alunos apresentem no final da escolaridade
obrigatória.
A mudança que se perspetiva neste documento é importante e urgente, mas “ninguém muda
por decreto”! Sem a criação, intencional e generosa, de condições de envolvimento dos
docentes, tornando-os participantes interessados, ativos e respeitados neste processo, o perfil
do aluno agora proposto não passaria de mais um exercício especulativo – ou de propaganda –
no campo da educação e do ensino.
13 de março de 2017
O Secretariado Nacional
Parecer retirado
daqui.
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