terça-feira, 13 de março de 2007

Droga I


Noiva Casadoira/Noiva Fumadoira
Fotografia de Eduardo Pinto

Droga I

Venho de um tempo em que o tabaco não era mal visto. Muito pelo contrário. Associava-se o consumo do tabaco a uma certa cultura e instrução. Os anúncios apelando ao seu consumo estavam por todo o lado. Nos cinemas, nas revistas, na televisão. Era o tempo do homem Marlboro. Um homem elegante, aventureiro, distinto, sensual. Fumador, claro!

Fumei o meu primeiro cigarro aos doze anos, com um grupo de rapazes mais velhos, nos quintais do meu avô Rodrigo. A maria rapaz aspirava o seu primeiro fumo. E o que fazer com ele? Deitei-o fora. Que não era assim que se fumava. Que tinha que travar o fumo. Travei. Comecei a ficar tonta e enjoada. Que era normal. Que tinha que insistir que os efeitos colaterais passavam. Passaram. Aos catorze anos comprava regularmente tabaco. SG Gigante. Uma bomba! Um maço por dia! Vinte cigarros por dia. Cento e quarenta cigarros por semana. Quinhentos e sessenta cigarros por mês. Seis mil setecentos e vinte cigarros por ano. Seis mil setecentas e vinte bombas por ano. Assustador. Mas sentia-me bem. E havia que quebrar preconceitos numa Amarante provinciana. Rapaz, sim. Rapariga não.Havia que quebrar preconceitos. Eram os anos setenta.

Casei-me. Fui uma noiva fumadoira. Uma noiva pendurada num cigarro! Mais tarde engravidei. Deixei de fumar. Já estava alertada para os malefícios do tabaco e deixei de fumar. Não queria prejudicar terceiros. Acima de tudo não queria prejudicar a minha filha ainda por nascer. Depois do nascimento da Joana voltei a fumar. Agora, SG Light. Para não me fazer tanto mal. Em breve estava a fumar um maço e meio por dia. Nove mil novecentos e quarenta cigarros por ano. Aterrador.

Fartei-me. Estava com vinte e cinco anos. Fartei-me do cheiro sempre colado à minha pele. Do cansaço ao subir as escadas. Dos ataques de tosse matinais. Decidi deixar de fumar. Deixei de um dia para o outro. Ao longo de todos estes anos nunca fraquejei. Nunca hesitei. E nunca me arrependi.
Em trinta anos muita coisa mudou. A publicidade ao consumo do tabaco foi proibida. Hoje toda a gente está alertada para os perigos do consumo do tabaco. Cancro da boca, de traqueia, de esófago, de estômago, de bexiga. E, claro, cancro de pulmão. O meu avô Rodrigo morreu numa cama de hospital agarrado desesperadamente a uma máscara de oxigénio. Cancro de pulmão para um fumador que desde miúdo fumou cigarros sem filtro. Outra coisa não seria de esperar!

Hoje associo o consumo de tabaco a gente pouco instruída. E pouco respeitadora dos outros. Atiram o fumo para cima de nós. Não apagam os cigarros nos cinzeiros. Atiram com os restos incandescentes para o chão. Na praia atiram cigarros a arder para a areia. Pobres pés incautos.

Hoje associo o consumo do tabaco a gente pouco instruída.
Mas a droga continua a fazer as suas vítimas!

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