segunda-feira, 21 de maio de 2007
"O sabor está na diferença"
"O SABOR ESTÁ NA DIFERENÇA"
Voltei a reler Miguel Esteves Cardoso, desta vez a obra intitulada "Último Volume", da Assírio & Alvim.
Já aqui falei sobre a importância do ser diferente, do não ser formatado pelos outros, do mantermos a nossa especificidade, do não nos dobrarmos perante aquilo que os outros esperam de nós... enfim, de sermos simplesmente aquilo que somos. E isto aplica-se a cada um de nós, enquanto seres únicos e irrepetíveis, às diferentes culturas, aos diferentes países. Para quem é atento e observador, é preocupante a velocidade a que se perdem especificidades, neste mundo cada vez mais global e massificador! Eu adoro a diferença... não que a cultive per si, mas porque me sinto diferente dos demais... e este sentimento sempre me acompanhou desde que me lembro. Em criança era uma maria rapaz e as meninas não se comportavam assim! E eu queria lá saber! No colégio queriam obrigar-me a escrever como as pessoas "normais"....nunca conseguiram! Acentuou-se durante a adolescência...fazia a minha roupa porque não tinha o que queria à venda. Dava dores de cabeça imensas à minha mãe, que a cada dia reentrava em casa, depois de um dia de trabalho, e encontrava o meu quarto feito num oito, virado do avesso, segundo as suas palavras, a cada dia diferente! A minha mãe dizia amiúde "Não sei a quem esta rapariga sai!" Tanto desobedeci ao meu pai, que tinha a mania que era ditador, e achava que eu me contentava com a justificação "As meninas não saem à noite. O teu irmão? O teu irmão pode sair porque é rapaz!" que saí sempre que me apeteceu e aos dezoito anos tinha chave de casa e entrava e saía quando me apetecia. Sempre fui uma lutadora e Amarante nos anos setenta tinha muito pouco a ver comigo. Acentuou-se quando me casei e desenhei, desenhei mobiliário, porque nada do que havia à venda me interessava, nada tinha a ver comigo! Detesto camas, detesto mesinhas de cabeceira, detesto guarda vestidos, detesto aquela coisa formatada da mobília completa, detesto cortinas, detesto portas dentro das casas...aliás, pelas casas em que passei, alugadas, está bom de ver, uma das minhas primeiras actuações era tirar umas quantas portas. Isso e pintar o interior todo de branco! E pintava eu as paredes, de trincha em punho, todos os anos, por causa do aquecimento que se fazia a lenha e borrava tudo com uma camada negra de pó.
E lembrei-me de tudo isto por causa do artigo que li, de um autor que tem um sentido de humor que eu amo, e que se chama Miguel Esteves Cardoso. Transcrevo os três primeiros parágrafos.
" A coisa mais bonita do mundo, mais bonita do que a beleza, é a diferença.
Suponhamos que o leopardo é o animal mais bonito da terra. Mais bonito do que ver cem leopardos juntos é ver um leopardo rodeado de outros animais, feios ou bonitos. Bonito, bonito é um leopardo ao pé de um ornitorrinco, um ornitorrinco ao pé de um flamingo, um flamingo ao pé de um crocodilo. É por isso que a ideia da Arca de Noé é tão comovente. Noé não escolheu os animais mais bonitos, nem os mais úteis, nem os mais fortes. Escolheu dois de cada espécie, não porque tivessem alguma qualidade particular, mas por serem diferentes das demais.
Ser diferente é uma qualidade só por si. Só por ser diferente tem de ser defendido. Acontece, porém, que vivemos num tempo igualitário, unificador e racionalista em que as diferenças que ainda existem tendem a ser abolidas. Nota-se em tudo. Uniformiza-se, massifica-se, burocratiza-se como nunca antes. É muito benéfico, económico e democrático; traz muitas vantagens às populações e é também uma grandíssima chatice."
Pois é Miguel Esteves Cardoso, como eu te compreendo. E obrigada... sinto-me mais compreendida!
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