terça-feira, 6 de novembro de 2007
Mohammed
Mohammed - Fez - Marrocos
Fotografia de Artur Matias de Magalhães
Mohammed
Hoje vou falar do Mohammed. Do extraordinário Mohammed que vive e trabalha na extraordinária cidade de Fez, em Marrocos.
Conheci o Mohamed faz muitos anos, por acaso, no interior da medina de Fez, quando qualquer coisa me despertou o interesse na sua minúscula loja. Por isso entrei. Eu e uma data de amigos que eu conduzia e guiava por terras de sua majestade, na altura ainda o rei Hassan II.
A loja do Mohamed, entre outras coisas, tinha uma boa colecção de tapetes marroquinos, nomeadamente kilims vermelhos, o tipo de tapete que eu mais aprecio de todos os tipos de tapetes produzidos em Marrocos.
Vasculhámos a loja e lá iniciámos o negócio. Aqui chegados tenho que esclarecer que um negócio em Marrocos, independentemente do valor em causa, pode dar para uma tarde inteira de discussão, isto se as partes estiverem para aí viradas e se estiverem inspiradas. Ora naquela tarde estávamos todos inspirados. E todos queriam comprar tapetes. Muitos tapetes.
O negócio decorria a bom ritmo entre gargalhadas e copos de chá de menta, de whisky berbere, como dizem os marroquinos, até que o Mohammed se vira para mim e me informa que está na hora das orações, que ele vai à mesquita rezar e volta já já, e pede que lhe tomemos conta da loja! E lá foi ele, o que nos fez olhar uns para os outros incrédulos e perplexos perante uma situação inédita em que um comerciante larga a sua mercadoria com os potenciais compradores e em que um comerciante abandona um negócio fabuloso! Surpreendente! Surpreendente a fé que o fez pôr em causa tamanho negócio. Surpreendente a calma, a serenidade e a tranquilidade espelhadas no seu rosto que se ia abrindo em sorrisos rasgados e francos durante toda aquela tarde irreal.
E assim continuou mesmo quando eu lhe propus comprar a djelabah que ele trazia vestida, depois de esgotadas todas as possibilidades de me arranjar uma parecida. E comprei-a. Despi o homem ali mesmo na loja, e enfiei-me dentro da djelabah mais cheirosa que vesti em toda a minha vida, enquanto os meus companheiros de viagem riam a bandeiras despregadas de tão insólita situação.
E, engraçado, durante muito tempo a djelabah do Mohammed continuou a cheirar-me a Mohammed, mesmo depois de lavada, aqui, em Amarante.
Agora, perdido o cheiro algures no tempo, a djelabah continua a fazer-me lembrar aquele homem curioso e enigmático que me deixou a pensar e a reequacionar os meus valores e a minha vida.
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