A Arqueóloga

Gruta de Font de Gaume - Les Eysies de Tayac - França
Fotografia de Anabela Matias de Magalhães

A "Arqueóloga"

Todos os anos conheço miúdos e miúdas que me enriquecem os dias de uma forma que, presumo, eles nem suspeitam.
É o caso da "Arqueóloga", uma miúda que tem perante a vida uma atitude que se mantém bem longe da passividade.
Mantém-se nas aulas de olho vivo, atenta e interessada, entusiasmada mesmo enquanto lhes falo das circunstâncias da descoberta da Lucy e dos restantes fósseis de hominídeos e lhes mostro as imagens da minha apresentação em PowerPoint que trata destes primórdios da Humanidade e das conquistas, cruciais, que foram sendo feitas ao longo de milhões de anos.

Fim da primeira aula:
- Professora, sabe... quero ser arqueóloga! - diz-me com os olhitos a brilhar e voz entusiasmada. E lá continua, desfiando um rol de perguntas, tentando apaziguar a sua imensa curiosidade:
- Onde é que se encontram fósseis de dinossauros? E de hominídeos? É que eu quero ser arqueóloga! - volta a frisar para o caso de eu ter esquecido!
Fiquei com ela um bom bocado, deixando-me contagiar por aquela alegria e entusiasmo transbordante, saciando-lhe o espírito curioso e inquieto, até ela se dar por satisfeita, após uma belíssima conversa!

Fim da segunda aula:
- Professora, lembra-se que eu quero ser arqueóloga... vai daí resolvi treinar... fui para o quintal escavar... e desenterrei o meu cão!"
Não sei que cara fiz, se de espanto ou de outra coisa qualquer, certo é que a "Arqueóloga" resolveu sossegar-me de imediato:
-Ó professora, até estava bem giro! Tinha o crânio cheio de buracos!
- E depois que lhe fizeste? - perguntei eu sem saber muito bem como semelhante história iria acabar.
- Voltei a enterrá-lo! - respondeu-me a "Arqueóloga", com a certeza de ter procedido bem.
Confesso que também me pareceu bem. Safa! A aventura tipo Aventura dos Cinco tinha acabado por ali mesmo! Pelo menos assim parecia...

Fim da terceira aula:
- Professora, estive a pensar que era capaz de ser interessante voltar a desenterrar o meu cão... e trazê-lo para a aula de História. .. para os meus colegas o verem...
Bem, não sei mesmo que cara espontânea fiz, certo certo é que a arqueóloga me respondeu assim, ipsis verbis, enquanto me presenteava com um sorriso radioso:
- Pois! É melhor não! Também pensei nisso. É melhor deixá-lo descansar em paz!

Confesso que me senti francamente aliviada... é que eu não estava a conseguir imaginar muito bem o filme... a "Arqueóloga" a sair de casa... no transporte escolar... a chegada à Escola... sempre agarrada aos restos mortais do seu defunto animal...
Sexta-feira volto a encontrar-me com a "Arqueóloga". A ver vamos se o futuro me reserva mais surpresas vindas desta miúda entusiasmada até dizer chega!

Nota - A fotografia que escolhi para ilustrar este post, intitulado "A Arqueóloga", que comemora o "Dia do Professor" e a riqueza resultante do contacto entre Professores e Alunos, é da entrada da gruta de Font-de-Gaume, situada em Les Eysies de Tayac, na Dordonha, e declarada Património da Humanidade em 1979 e que é uma das poucas, originais, com pinturas polícromas, abertas ao público. Visitei-a no passado mês de Agosto. E é sempre com uma emoção imensa que visito estes espaços e observo extasiada, por vezes perplexa mesmo, as pinturas e as gravuras rupestres, originais do Paleolítico, que são, normalmente, de uma beleza, sensibilidade e delicadeza quase sobrenaturais. O número de entradas em Font de Gaume está limitado a 200 pessoas dia e por isso convém reservar com um pouquito de antecedência. Garanto que a preciosidade vale bem o trabalho.