Barca - Carvalho de Rei - Serra da Aboboreira - Amarante
Fotografia de Artur Matias de Magalhães
Ricardo Cerqueira
Porque a vida de professor/a também se faz do orgulho imenso que sentimos perante os nossos alunos que brilham em correcção, em postura, em maturidade, em sobriedade, em solidariedade, em criatividade, em empenho, em determinação, em concentração, em educação... aqui deixo o primeiro capítulo desta história que vale a pena acompanhar, e que foi escrita pelo Ricardo Cerqueira, meu aluno da turma do 9ª H, da Escola Secundária de Amarante.
Só quero acrescentar que para mim tem sido um enorme privilégio acompanhar-lhe o crescimento, nesta fase da sua vida de estudante e de adolescente, rumo a uma vida que prevejo muito boa. Porque ele a vai merecer. Porque ele é dos que não tem de recear uma vida não vivida. Não está na sua maneira de ser.E tiro-lhe o meu chapéu. Eu não saberia escrever assim.
Viagem através da vida, da mente e do monte
I - Capítulo
Tudo começou quando eu tinha dez anos. Mas talvez seja boa ideia recuar seis anos no tempo, para perceberem melhor o que vos vou contar.
Há seis anos atrás, a minha mãe ainda era viva e eu muito jovem. Sim, perceberam bem, a minha mãe morreu quando eu ainda tinha quatro anos, mas deixem-me descrever-vos a minha vida naqueles tempos para compreenderem o que isso significou para mim.
A minha mãe era professora de Grego, numa universidade cujo nome não consigo recordar, e adorava o seu trabalho. Como professora de Grego que era, nunca deixou de ter ideias e conceitos um tanto ou quanto filosóficos, já que muitos dos grandes pensadores e filósofos da História foram Gregos. Um desses conceitos era o de que os nomes que cada um possuía deviam ter um significado mais profundo, um valor mais intrínseco que nos devia caracterizar. Fruto deste pensamento nasceu o meu nome, Sofia Kallos. Pode parecer um nome estranho, mas reparem no seu significado, - Sofia provém do Grego “sophia”, que significa sabedoria, e “Kallos” é a palavra original grega para “beleza” -, acaba por ser um nome bastante dignificante e motivo de orgulho.
Bem, voltando à história, agora compreendem um pouco a minha mãe, mas nada sabem sobre o meu pai. O meu pai era guarda nocturno num museu, por isso tinha que ser uma pessoa corajosa. Era também muito impulsivo, e foi esta característica que levou a minha mãe a reparar nele. Já que o meu pai era guarda nocturno, quem me adormecia todas as noites era a minha mãe, e esta é a memória que melhor preservei dela. Quase como um quadro enternecedor, recordo-me do cheiro do seu perfume preferido, do toque suave da sua mão sobre a minha cabeça e da sua doce voz contando histórias.
Eu adorava ouvir uma boa história antes de adormecer, e as minhas preferidas eram sobre uma aldeia de indígenas do Norte, que existia, perdida no tempo, no sopé de uma montanha. Os indígenas que lá viviam eram uma sociedade um pouco estranha, mas, agora que penso nisso, funcional, porque não usavam dinheiro ou outra coisa material para comprarem alimentos ou serviços, usavam o conhecimento. Permitam-me que explique melhor, todas as descobertas feitas sobre qualquer coisa, todas as novas conclusões a que se chegasse, toda e mais alguma informação que fosse nova valeria algo dependendo da sua utilidade. Isto agrada-me. Pensar que pudesse existir uma sociedade que não dependesse de nada, a não ser da sede de conhecimento e da vontade de querer saber sempre mais, para subsistir. Mas prossigamos com a minha história, éramos uma família feliz, até que um dia a minha mãe adoeceu e ficou incapacitada. O meu pai fez o melhor possível para cuidar dela, e os médicos também, mas a doença progredia a uma velocidade estonteante, e o nosso medo crescia exponencialmente. Um dia a minha mãe chamou-me ao seu quarto e eu sabia que esta seria a despedida final, por isso a única coisa que consegui fazer foi chorar. Verti lágrimas de infelicidade durante horas a fio, até que, por fim, adormeci de cansaço. Quando acordei proferiu as suas últimas palavras:
- Não temas a morte, receia sim, a vida não vivida.
Dita esta frase a minha mãe adormeceu para não voltar a acordar. Os anos foram passando, e tendo sempre a última frase da minha mãe como lema, tornei-me impulsiva, como o meu pai, mas adquiri o gosto pela leitura e pelo saber. Eu e o meu pai deixamos a cidade e fomos viver para longe, para um lugar a que gosto de chamar “tundra”. O meu pai tornou-se guarda de uma reserva natural, e vivíamos numa casa que parecia saída de um conto de fadas.
Agora é chegada a altura de vos descrever onde e como vivia quando tinha dez anos. Morávamos perto de um grande lago que permanecia gelado a maior parte do ano, devido ao frio. O meu pai ensinou-me a patinar nesse lago e eu desenvolvi uma espécie a afeição por aquela “janela para o interior do mundo”. Este era o nome que eu gostava de lhe chamar.
Em redor do lago não existia muita vegetação, à excepção de arbustos ou árvores solitárias. As rochas eram frias como gelo e cobertas por um musgo pardacento. A quietude daquele lugar era avassaladoramente ensurdecedora, mas eu gostava daquela sensação de calma.
O meu pai encarregou-se da minha educação e fazia todos os possíveis para que eu aprendesse sempre mais. Passava todo o meu tempo a ler e a pensar, mas às vezes fartava-me e apetecia-me brincar com alguém. Foi então que criei um amigo imaginário, uma espécie de consciência que existia fora e dentro de mim. Imaginava-o sempre como uma planta ou árvore, não sei porquê. Talvez por gostar da ideia de que, mesmo os seres que não falam, possam sentir.
Nunca precisei de lhe dar nenhum nome, bastava-me concentrar um pouco para ver a sua cara amistosa e sábia reflectida nos troncos ou caules das plantas.
I - Capítulo
Tudo começou quando eu tinha dez anos. Mas talvez seja boa ideia recuar seis anos no tempo, para perceberem melhor o que vos vou contar.
Há seis anos atrás, a minha mãe ainda era viva e eu muito jovem. Sim, perceberam bem, a minha mãe morreu quando eu ainda tinha quatro anos, mas deixem-me descrever-vos a minha vida naqueles tempos para compreenderem o que isso significou para mim.
A minha mãe era professora de Grego, numa universidade cujo nome não consigo recordar, e adorava o seu trabalho. Como professora de Grego que era, nunca deixou de ter ideias e conceitos um tanto ou quanto filosóficos, já que muitos dos grandes pensadores e filósofos da História foram Gregos. Um desses conceitos era o de que os nomes que cada um possuía deviam ter um significado mais profundo, um valor mais intrínseco que nos devia caracterizar. Fruto deste pensamento nasceu o meu nome, Sofia Kallos. Pode parecer um nome estranho, mas reparem no seu significado, - Sofia provém do Grego “sophia”, que significa sabedoria, e “Kallos” é a palavra original grega para “beleza” -, acaba por ser um nome bastante dignificante e motivo de orgulho.
Bem, voltando à história, agora compreendem um pouco a minha mãe, mas nada sabem sobre o meu pai. O meu pai era guarda nocturno num museu, por isso tinha que ser uma pessoa corajosa. Era também muito impulsivo, e foi esta característica que levou a minha mãe a reparar nele. Já que o meu pai era guarda nocturno, quem me adormecia todas as noites era a minha mãe, e esta é a memória que melhor preservei dela. Quase como um quadro enternecedor, recordo-me do cheiro do seu perfume preferido, do toque suave da sua mão sobre a minha cabeça e da sua doce voz contando histórias.
Eu adorava ouvir uma boa história antes de adormecer, e as minhas preferidas eram sobre uma aldeia de indígenas do Norte, que existia, perdida no tempo, no sopé de uma montanha. Os indígenas que lá viviam eram uma sociedade um pouco estranha, mas, agora que penso nisso, funcional, porque não usavam dinheiro ou outra coisa material para comprarem alimentos ou serviços, usavam o conhecimento. Permitam-me que explique melhor, todas as descobertas feitas sobre qualquer coisa, todas as novas conclusões a que se chegasse, toda e mais alguma informação que fosse nova valeria algo dependendo da sua utilidade. Isto agrada-me. Pensar que pudesse existir uma sociedade que não dependesse de nada, a não ser da sede de conhecimento e da vontade de querer saber sempre mais, para subsistir. Mas prossigamos com a minha história, éramos uma família feliz, até que um dia a minha mãe adoeceu e ficou incapacitada. O meu pai fez o melhor possível para cuidar dela, e os médicos também, mas a doença progredia a uma velocidade estonteante, e o nosso medo crescia exponencialmente. Um dia a minha mãe chamou-me ao seu quarto e eu sabia que esta seria a despedida final, por isso a única coisa que consegui fazer foi chorar. Verti lágrimas de infelicidade durante horas a fio, até que, por fim, adormeci de cansaço. Quando acordei proferiu as suas últimas palavras:
- Não temas a morte, receia sim, a vida não vivida.
Dita esta frase a minha mãe adormeceu para não voltar a acordar. Os anos foram passando, e tendo sempre a última frase da minha mãe como lema, tornei-me impulsiva, como o meu pai, mas adquiri o gosto pela leitura e pelo saber. Eu e o meu pai deixamos a cidade e fomos viver para longe, para um lugar a que gosto de chamar “tundra”. O meu pai tornou-se guarda de uma reserva natural, e vivíamos numa casa que parecia saída de um conto de fadas.
Agora é chegada a altura de vos descrever onde e como vivia quando tinha dez anos. Morávamos perto de um grande lago que permanecia gelado a maior parte do ano, devido ao frio. O meu pai ensinou-me a patinar nesse lago e eu desenvolvi uma espécie a afeição por aquela “janela para o interior do mundo”. Este era o nome que eu gostava de lhe chamar.
Em redor do lago não existia muita vegetação, à excepção de arbustos ou árvores solitárias. As rochas eram frias como gelo e cobertas por um musgo pardacento. A quietude daquele lugar era avassaladoramente ensurdecedora, mas eu gostava daquela sensação de calma.
O meu pai encarregou-se da minha educação e fazia todos os possíveis para que eu aprendesse sempre mais. Passava todo o meu tempo a ler e a pensar, mas às vezes fartava-me e apetecia-me brincar com alguém. Foi então que criei um amigo imaginário, uma espécie de consciência que existia fora e dentro de mim. Imaginava-o sempre como uma planta ou árvore, não sei porquê. Talvez por gostar da ideia de que, mesmo os seres que não falam, possam sentir.
Nunca precisei de lhe dar nenhum nome, bastava-me concentrar um pouco para ver a sua cara amistosa e sábia reflectida nos troncos ou caules das plantas.
3 comentários:
São jovens como este que me fazem acreditar no "projecto humano". De facto, perante esta demonstração de sensibilidade e inteligência, temos que acreditar no Futuro! Parabéns Ricardo que não conheço pessoalmente, mas conheço a Grande Mãe que tem, que está igualmente de parabéns. A Elsa é uma Educadora 24 horas por dia e os frutos disso estão à vista; tenho orgulho numa colega e numa Mãe assim! Obrigado Anabela, sem ti não teria acesso a este texto brilhante, duma mente brilhante!
Brilhante, é o termo. E eu também tenho orgulho em ser colega da Elsa. E muito orgulho em ser professora do Ricardo, miúdo que acompanho desde o sétimo ano.
Neste aspecto não é um privilégio ser professor?
Vou ver se me mantenho agarrada a esta ideia nestes dias conturbados que passam.
Helder e Anabela:
Obrigada pelas vossas palavras.
No entanto, considero que os méritos não são meus, mas do Ricardo.
Faço, apenas, o que uma educadora empenhada se preocupa em exercitar: a leitura, a troca de experiências ou a partilha de informações e sentimentos e, fundamentalmente, a inculcação de valores que considero serem prioritários, no desenvolvimento do espírito de autonomia e de cidadania.
De resto, é uma tarefa aliciante e uma fruição constante estar com alguém que tem a capacidade de me surpreender e, sobretudo, de me superar.
Bj.
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