Tarsila do Amaral, "Os operários", 1933
Este post foi integralmente surripiado ao Luís Costa. Pela sua importância, transcrevo-o.
Todos os professores serão QM
Na última década, apesar da intensa e constante atividade crítica desenvolvida na blogosfera, a classe docente só tem perdido direitos, autoridade, respeito, autonomia, capacidade reivindicativa… enfim, VOZ. Concomitantemente, tem somado cargas de trabalho, atividades não docentes e expropriações sucessivas das suas áreas pedagógicas mais íntimas. Há, de facto, um “plano” para transformar os professores em meros executores de ordens e atividades, em meros aplicadores de conhecimentos e competências.
Neste acelerado processo de imbecilização e silenciamento da classe docente, tem ganho crescente relevo a voz dos diretores (ou, para ser mais rigoroso, daquele que diz que os representa, através da ANDAEP) e dos pais e encarregados de educação (ou melhor, daqueles que dizem que os representam, através da CONFAP). Não sei se é por ignorância ou por encomenda, a verdade é que, ultimamente, sempre que fala o Senhor Andaep a comunicação social toma-o como representante da opinião/vontade dos professores, como aconteceu com o bitaite dos dois semestres (uma hipálage ética e profissional, que consiste em atribuir ao ”objeto” qualidades de quem o possui). Os professores?! A ANDAEP (ou melhor, Filinto Lima) agora fala pelos professores?! Talvez ainda nem sequer represente a voz da maioria dos diretores e já o tomam como representante dos professores? Depois, entrevistam uma ou duas caras larocas e… toma lá mais uma sinédoque (tomar uma ínfima parte pelo todo silencioso e alheado): “os encarregados de educação querem isto, estão de acordo com aquilo”. Até dos manuais fala um e outros sem que se faça ouvir uma única voz de quem com eles trabalha. É obra de vampiros, não é, Zeca?
Humor à parte, a realidade afigura-se miseravelmente triste para os professores. Já não têm voz praticamente nenhuma no quotidiano escolar e estão a assistir à emersão de outras figuras que, no palco reivindicativo, comunicacional e político, lhes estão a usurpar o espaço e a dignidade. A comunicação social, qual arauto acéfalo e subserviente, acrescenta decibéis a esta decadente sequela. E é neste quadro de devastação que, paulatina e discretamente, se vai instalando a logística da municipalização. Para os professores (logo, para os alunos) não podia surgir em pior conjuntura. Por vezes, até chego a pensar que certos mimos só exibem determinados temas na praça do pelourinho para nos desviarem do que se passa na porta do cavalo.
O Estado jamais abrirá mão do controlo científico, axiológico e político da escola. A tendência e os sinais dados apontam precisamente para o inverso (a desconcentração funcional deixa a tutela política mais livre para outros controlos). Portanto, para os municípios (ou regiões) sobrará sempre, e só, a gestão dos recursos materiais e humanos (com um ou outro arbítrio pedagógico, para brincar). Numa primeira fase (sonsa) os recursos materiais assumir-se-ão como quase exclusivos e perpétuos. Os professores, cândida e obedientemente, acreditarão e deixarão comprar. Numa fase posterior, tão subtil e manhosa como a mamã, os professores serão paulatinamente adicionados ao carrinho de compras dos municípios. É isto que o rosto dos tempos e o modus operandi político nos permitem prever.
A escassíssima capacidade reivindicativa de uma classe afónica dissipar-se-á completamente. Se, no presente, já temos outros a opinar e a decidir por nós, então, quando esses dias chegarem… O que agora está concentrado praticamente num só interlocutor decisório (o Ministério da Educação) fragmentar-se-á, diluindo e silenciando a nossa já miserável capacidade reivindicativa. Com o tempo, cada caso será um caso particular de um determinado município, o que, inevitavelmente, conduzirá ao alheamento e à indiferença geral. Os professores sentir-se-ão cada vez mais isolados, mais compartimentados, mais indefesos, mais incapacitados de reagir coletivamente, enquanto corpo. Os próprios sindicatos terão muito mais dificuldades na sua ação. A precaridade e a subalternidade dos professores roçará a indigência.
Catastrofista? Quando, em 2008, fiz uma leitura desta índole, os meus colegas de escola riram-se na minha cara e chamaram-me pessimista. Todavia, a realidade trouxe-nos tudo mais cedo e pior do que eu previa. Nesse tempo vindouro, os professores saberão o que é pertencer ao QM (Quadro de Município).
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