Ex.ma Senhora Diretora do Agrupamento de Escolas Sidónio Pais em Caminha,
Na
sequência do envio por V.Exa., hoje, para conhecimento, da nota
informativa, não numerada, mas datada de 11 de Junho de 2018 (embora não
assinada, seja manual ou digitalmente, no exemplar
que me foi remetido), oriunda da Ex.ma Senhora Diretora Geral dos
estabelecimentos escolares, Dra. Maria Manuela Pastor Faria e no que
respeita aos efeitos na minha esfera jurídica pessoal e como trabalhador
em funções públicas, comunico a V.Exa. o seguinte:
1.
A figura de Nota Informativa não existe entre os
instrumentos legais ou regulamentares com valor normativo no ordenamento
jurídico português.
2.
A referida Nota Informativa (como, aliás, se deduz
da expressão verbal da designação que lhe foi dada) não é, assim, ordem
ou normativo, seja para quem for, mas apenas um esclarecimento, com o
pretenso objetivo, e como é constatável
pela leitura, deficientemente executado, de iluminar a situação criada
pela existência de pré-avisos de greve para reuniões de avaliação a
decorrer nas próximas semanas.
3.
Se fosse uma ordem, deveria ser dada em forma de ordem e devidamente sustentada na lei.
4.
Ora, não é claro em que competências legais se
sustentaria a Ex.ma Senhora Diretora Geral (num regime de gestão escolar
dito de autonomia) para exercer poderes sobre a matéria de avaliação
dos alunos e realização de reuniões de conselho
de turma em cada uma das escolas portuguesas. Talvez, por isso,
prescinda na própria nota de referir tais diplomas legais ou não
mencione fazê-lo no uso de competências delegadas.
5.
Também não possui a Ex.ma Senhora Diretora Geral
competências para interpretação autêntica de normas legais, como as que
regulam o exercício do direito fundamental dos trabalhadores à greve
(questão que insidiosamente não refere expressamente,
salvo num ponto, no texto da nota, mas que está obviamente subjacente)
ou as normas legais e regulamentares relativas à convocatória e
funcionamento de órgãos colegiais das escolas e procedimento de
avaliação dos alunos.
6.
E, muito menos, como parece tentar na redação da
nota remetida, para prescrever serviços mínimos no decorrer duma greve
(cujo processo de definição inclui o recurso a formas de arbitragem em
que legalmente não participa).
7.
Assim, as interpretações que refere em tal nota
sobre tais normas (embora quase sempre indiretamente, no que se refere à
questão da greve) têm nulo valor jurídico no que contenda com o
exercício de direitos fundamentais (para mais, sendo
tais direitos protegidos por normas que chegam ao ponto de criminalizar
a sua perturbação).
8.
Aliás, tendo lido com atenção a nota informativa,
saliento, por exemplo, que a interpretação produzida evidencia algumas
fragilidades (que parece que já se notam, nos seus maus efeitos, em
algumas escolas onde já terá alegadamente sido
sugerido realizar reuniões ao sábado). Na verdade, tal poderia
depreender-se da literalidade do que a Ex.ma Senhora Diretora Geral
escreveu nos pontos 1 e 2 da nota ao escrever “dia seguinte” que,
obviamente, não é qualquer dia, mas sim o “1º dia útil seguinte”.
9.
Ou, ainda no ponto 5 da nota, em que, anunciando a
intenção de esclarecer, esquece que seria útil precisar que a
interpretação de “mais antigo” é “mais antigo na função” e que,
portanto, tendo, salvo casos pontuais, os professores dum
conselho de turma, a mesma antiguidade na função de professores desse
concreto conselho de turma, se teria de considerar a idade (prevista no
número 2 do mesmo artigo 22º do CPA, que até cita).
10.
No ponto 6, por exemplo, indica que, no 1º ciclo, a
avaliação será atribuída apenas pelo docente titular, alegando a
natureza consultiva do órgão a reunir (e cuja reunião, “esclarecendo”,
dispensa, por isso). Não esclarece quais os efeitos
para a validade dos atos praticados da inexistência do parecer que
pode, mesmo que seja apenas consultivo (o que, por agora, se prescinde
de elucidar melhor), ter efeitos sobre a possibilidade de reclamação e
recurso dos interessados (se não existir tal parecer).
Estas imprecisões no invocado objetivo final do correto e pleno
esclarecimento de quem lê a nota, mostram o pouco rigor que foi colocado
na elaboração, centrada que estava num objetivo mais lateral.
11.
No ponto 4., a falta de rigor atinge um grau mais
grave ao enunciar os “deveres de recolher” e os “deveres de facultar”
elementos de avaliação, em que a autora da nota prescinde de enumerar
concretamente qualquer fundamentação legal,
talvez pela constatação inconsciente da sua inexistência efetiva (no
sentido que lhes deu) ou da fragilidade intrínseca do procedimento
antigreve que pretende sustentar com o uso que tenta sugerir para a
informação recolhida.
12.
É, por sinal, curioso que seja aí que, pela única
vez, em todo o texto, se refere à situação de greve que leva tão ilustre
responsável administrativa superior a escrever um tão lamentável
documento (lido no contexto de um Estado de Direito
Democrático).
13.
Na verdade, o que o “esclarecimento” pretende
atingir é, através de um subterfúgio manifestamente ilegal, impedir a
realização da greve: ao substituir os trabalhadores em greve pelo uso,
por outros a trabalhar, da informação incompleta
e não definitiva que entregaram para preparar a reunião e subverter a
definição material que a lei atribui ao conceito de avaliação dos alunos
(em que se pressupõe, como critério de qualidade mínimo – legal e não
meramente regulamentar ou paranormativo-, que
quem elabora a proposta de avaliação esteja presente e possa participar
na deliberação sobre ela, o que obriga a não executar tal processo,
quando essa pessoa esteja a exercer outro direito fundamental).
14.
Aliás, a nota informativa cita, por diversas vezes,
o despacho normativo nº 1/F 2016 de 5 de abril e o artigo 23º deste e,
uma simples leitura atenta, permite constatar que o uso recorrente nele
de palavras como “todos” ou “consenso”
(referido às deliberações) evitaria a tentativa de subversão normativa
vertida na nota informativa.
15.
Tal tentativa fica patentemente condenada ao
fracasso pela sua desconformidade à própria letra das normas que cita
(que se presume juridicamente, foram escritas por um legislador que
soube expressar adequadamente o seu pensamento e que,
por isso, quando faz a exigência de todos estarem presentes era mesmo
isso que queria dizer: TODOS).
16.
E a remissão ao ponto 8 desse despacho normativo
não afasta a constatação do seguinte: ao referir a palavra “ausência” o
autor da norma queria referir-se às situações de ausência do serviço,
continuadas e ininterruptas,
que durem mais de 48 horas (daí a expressão normal nas escolas, que resulta da interpretação habitual dessa norma:
“para faltar a reuniões de avaliação só com atestado médico”).
17.
Ora um docente que faça greve a reuniões, não está
numa ausência desse tipo, continuada e ininterrupta de mais de 48 horas.
E essa ausência por greve não cabe assim na hipótese da norma invocada,
pois não é o caso de uma ausência que
seja superior a 48 horas.
18.
Na verdade, o docente que fez greve a uma primeira
ou segunda reunião (se tiver sido o mesmo) suspendeu o seu vínculo
laboral por efeitos da greve (durante algumas horas, durante a reunião) e
no restante tempo intermédio esteve presente
ao serviço, e não ausente por mais de 48 horas, como a norma exige para
ser aplicável.
19.
No caso da portaria, também citada na nota
informativa, formula-se a hipótese de outra forma (“No caso de a
ausência a que se refere o número anterior ser presumivelmente longa”),
mas a sua aplicabilidade ao caso concreto tem a mesma
fragilidade. Havendo atestado médico há base para a presunção, mas num
caso de greve, em que se baseia o raciocínio do “presumivelmente longa”?
Aliás, a ausência até será presumivelmente curta, pois só durará o
tempo da reunião coberta pelo pré-aviso (contradição
linguística que não é, de forma nenhuma irrelevante, para saber o que o
legislador quereria dizer).
20.
Esta última observação sobre a duração da ausência,
que não pretende ser jocosa, evidencia linguisticamente como as normas
invocadas estão realmente a ser utilizadas na nota informativa, fora do
seu sentido adequado, que se lhes pretenderia
atribuir no momento de escrita pelo autor das normas.
21.
Assim, nem as normas expressamente citadas dizem o
que o pretenso esclarecimento quer fazer crer, nem é legítimo que, com
tal frágil sustentação, em normas cuja hipótese não se verifica, se
tente anular regras perfeitamente estabelecidas,
há largos anos, sobre a qualidade material e procedimento formal da
avaliação dos alunos.
22.
E nem se invocam aqui, por economia de exposição,
normas, essas, sim, legais, em sentido estrito (decreto-lei), sobre
avaliação de alunos, que explicitam a necessidade da presença de todos
os docentes.
23.
Nem se tecem também comentários (que seriam longos e
fastidiosos) sobre a aberração que se evidencia na tentativa de limitar
o exercício de direitos fundamentais (de base constitucional e legal,
como é o direito à greve) com base num
mero despacho normativo e numa portaria (normas infra-legais e
regulamentares).
24.
Por isso, concluo pessoalmente que a nota
informativa nada acrescenta à constatação de que as reuniões de
avaliação não estarão em condições de se realizar, enquanto em qualquer
uma delas houver qualquer docente aderente aos pré-avisos
de greve vigentes.
25.
Atuarei com base nessa constatação nas reuniões em que deva ser diretor de turma.
26.
E isso em nada contende ou é afectado pelo facto de
os docentes terem entregue antes as suas propostas de avaliação (coisa
que habitualmente por rotina operativa, e não por dever, fazem), que só
são definitivas e produzem efeitos válidos,
perante os interessados no processo de avaliação, após devidamente
sujeitas a deliberação de um conselho de turma, regularmente
constituído.
27.
Creio que seria meu dever alertar também V.Exa.,
embora me pareça desnecessário, dado conhecer a larga experiência nesta
matéria e funções, que realizar conselhos de turma, tendo em vista
avaliar alunos, no final de um ano letivo, sem
estarem regularmente constituídos, e usando as condições sugeridas pela
nota informativa para rodear a questão da greve, além de desvirtuar a
qualidade do processo de avaliação e os seus efeitos pedagógicos, para
lá dos administrativos, pode originar uma série
de reclamações e recursos legítimos, ou oportunistas, com as inerentes
complicações e dificuldades, perfeitamente evitáveis, se se cumprir
estritamente a lei e outras normas vigentes.
28.
É espantoso que as sugestões contidas na nota
informativa, que resultam em degradação do processo avaliativo, sejam
explicadas pela comunicação social como reação a pressão das
organizações representativas dos pais. É estranho que sejam
os representantes dos interesses dos alunos a eventualmente solicitar a
consagração de uma tal degradação material e processual da avaliação
dos alunos, cujos interesses defendem e que, por absurdo, pode levar a
que chegue a ser realizada apenas por metade
dos professores exigidos ou levar a que um aluno com insucesso seja
retido, sem que esteja presente nenhum dos docentes que lhe atribuiu
nível 2.
29.
Talvez neste mundo tão conturbado, em que tais
coisas ocorrem, ainda vejamos organizações representativas de
passageiros a pedir que, numa greve de pilotos, os aviões voem só com um
piloto (ou só com o automático), numa greve de transportadores
se reutilizem as seringas que existam nos hospitais, numa greve de
anestesistas se façam operações sem anestesia e outras peculiaridades do
género. Mas creio que as escolas deviam ser preservadas de
originalidades desse calibre, em nome da promoção do sucesso
educativo dos alunos, com base num processo de avaliação digno e não
distorcido. E no respeito paralelo do direito à greve dos professores.
30.
Na verdade, um simples estudo sumário da história
da administração escolar portuguesa levará a concluir que a avaliação
dos alunos em conselho pleno dos professores é um traço organizativo
característico do sistema de ensino português
(referido desde finais do século XIX). Não é uma interpretação pontual
para a oportunidade pontual de uma greve que vai desvirtuar essa forma
de agir estruturante do modelo de avaliação, seguido em Portugal há
muitos anos. E, para mais, sem que quem a faz
tenha competência legal para fazer a mudança legislativa que tal
alteração implicaria.
31.
Em suma, considero que se for aplicado o sugerido
nos pontos 3 e 6 da nota informativa estará a ser cometida uma grave
violação do direito à greve, traduzindo-se, na prática, em substituição
de trabalhadores em greve e modificação das
condições de prestação do trabalho como efeito de reação à greve,
visando a inviabilização e perturbação desta.
32.
Tais situações estão previstas e punidas em diversa legislação aplicável.
33.
Acresce que estará a ser violado um conjunto largo
de princípios e normas de execução e validação do processo de avaliação
dos alunos, utilizando mecanismos sem base legal para transformar a
avaliação deliberativa (e em conselho) num
mero ato notarial de registo de avaliações individualmente propostas.
Creio que, como profissional do ensino, com larga experiência, será
sensível aos efeitos pedagógicos negativos dessa situação.
34.
Contudo, por razões legais, tenho de informar
V.Exa. de que não reconheço a Nota Informativa emitida pela Ex.ma
Senhora Diretora Geral, a que me venho referindo e que me remeteu, como
ordem válida de superior hierárquico com legitimidade
para a proferir.
35.
Assim, se nos conselhos de turma em que tenha de
participar se chegar a invocar o referido ponto 3 como base de
realização da reunião, solicitarei ordem escrita prévia de V.Exa. como
única superior hierárquica com competência legal para
a proferir.
36.
Informo ainda V.Exa que, se emitir essa ordem de
realização das reuniões, nos termos indicados no ponto 3 da referida
nota informativa (para reuniões em que esteja presente ou até para
aquelas em que esteja em greve), pretendo, depois
de a cumprir, impugná-la por todos os meios legais acessíveis. Tal ação
será realizada na esteira das ações que os diversos sindicatos vêm
anunciando, com os mesmos motivos e objetivos e com fundamentos bastante
similares aos que aqui explicitei.
37.
Convencido da ilegalidade, quer da ordem que venha a
ser proferida nesses termos, quer da realização da prática proposta nos
pontos 3 e 6 da nota informativa (pelos motivos expostos e outros cuja
enumeração se articulará em tempo) irei,
por esse motivo, contestar tal ordem ou prática por todos os meios que
me sejam legalmente acessíveis, entre outros motivos, por considerar que
as deliberações avaliativas e outras das reuniões, assim realizadas,
constituirão atos nulos, nomeadamente, nos
termos do nº 2 do artigo 161º do Código de Procedimento Administrativo
(alíneas a), d), h) e l).
38.
Desta comunicação se dá conhecimento à Presidente
do Conselho Geral do Agrupamento, aos diretores de turma dos conselhos
de turma em que participo, ao coordenador do estabelecimento em que
leciono e às coordenadoras de Departamento a
que pertenço. Dado o contexto e conflito laboral em que foi produzido
será divulgado publicamente por ouras formas.
Disponível para qualquer esclarecimento adicional apresento a V.Exa. os meus mais respeitosos cumprimentos,
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