Pão - Chefchaouen - Marrocos
Fotografia de Anabela Matias de Magalhães
Frugalidade
Tenho de mim a ideia que, no geral, sou uma pessoa de hábitos alimentares frugais, e que isso se estende à casa onde habito.
A casa dos meus pais, onde cresci, era uma casa frugal, como a maioria das casas portuguesas do tempo do Estado Novo. Assim sendo o frigorífico estava recheado de produtos verdadeiramente importantes para a alimentação, e nada de porcarias que o dinheiro não se podia esbanjar. Havia sempre carne e peixe, que se usava para fazer refeições alternadas, e muitos legumes e hortaliças que se usavam para as saladas e a sopa. Não faltava a fruta variada. Não faltava o leite deixado pela leiteira e que eu bebi tantas e tantas vezes, ainda morno, à porta de casa. Havia queijo e lembro-me até de aparecerem os primeiros yogurtes. Sumos consumiam-se só os naturais e a grande bebida refrescante em voga, na época, era o sumo de limão, feito com água fresca da fonte e que era simplesmente delicioso. A Coca-Cola era proibida. O álcool estava reservado aos adultos. O chá de hortelã, apanhada do quintal e seca em grandes ramalhetes de pernas para o ar, nunca faltou lá em casa. Bolachas havia a célebre Maria, Água e Sal e Torradas. Para colocar no pão, alimento indispensável de qualquer casa da época, havia a manteiga, o mel, as compotas caseiras, a geleia, a marmelada e o Tulicreme. Havia, por vezes, uvas-passas e figos secos que a minha avó materna secava no sotão da sua casa da Régua. Por vezes havia um bolo, feito pela minha mãe, e quando o rei fazia anos havia uma gulodice, em passeios domingueiros, que passava por um chocolate, um chupa-chupa, um Sumol. Eram hábitos espartanos, típicos dum país rural e de uma economia atrasada.
Tenho de mim a ideia que, no geral, sou uma pessoa de hábitos alimentares frugais, e que isso se estende à casa onde habito.
A casa dos meus pais, onde cresci, era uma casa frugal, como a maioria das casas portuguesas do tempo do Estado Novo. Assim sendo o frigorífico estava recheado de produtos verdadeiramente importantes para a alimentação, e nada de porcarias que o dinheiro não se podia esbanjar. Havia sempre carne e peixe, que se usava para fazer refeições alternadas, e muitos legumes e hortaliças que se usavam para as saladas e a sopa. Não faltava a fruta variada. Não faltava o leite deixado pela leiteira e que eu bebi tantas e tantas vezes, ainda morno, à porta de casa. Havia queijo e lembro-me até de aparecerem os primeiros yogurtes. Sumos consumiam-se só os naturais e a grande bebida refrescante em voga, na época, era o sumo de limão, feito com água fresca da fonte e que era simplesmente delicioso. A Coca-Cola era proibida. O álcool estava reservado aos adultos. O chá de hortelã, apanhada do quintal e seca em grandes ramalhetes de pernas para o ar, nunca faltou lá em casa. Bolachas havia a célebre Maria, Água e Sal e Torradas. Para colocar no pão, alimento indispensável de qualquer casa da época, havia a manteiga, o mel, as compotas caseiras, a geleia, a marmelada e o Tulicreme. Havia, por vezes, uvas-passas e figos secos que a minha avó materna secava no sotão da sua casa da Régua. Por vezes havia um bolo, feito pela minha mãe, e quando o rei fazia anos havia uma gulodice, em passeios domingueiros, que passava por um chocolate, um chupa-chupa, um Sumol. Eram hábitos espartanos, típicos dum país rural e de uma economia atrasada.
Cresci, o país foi melhorando, os seus hábitos de consumo crescendo, e bem, crescendo e voltando a crescer, e mal, até atingirem as proporções verdadeiramente alarmantes de hoje.
Mantenho os mesmos hábitos alimentares de consumo de casa dos meus pais, e a minha filha guarda praticamente as mesmas memórias de infância, sem a do leite bebido ainda morno a acabar de sair da vaca, claro! Sumos artificiais nunca houve nesta casa. Coca-cola só entra em dias de aniversário e, muito de longe a longe, para acompanhar uma pizza que também só se consome quando o rei faz anos. O álcool sempre esteve reservado para os amigos. Queijo consome-se pouco e tenho de comprar aos quartos, mesmo assim correndo o risco de, passadas três semanas, ir para o lixo o seu resto, já impróprio para consumo. Fiambre não há. Apodreceria. As bolachas continuam as mesmas, agora salteadas com Filipinos e bolachas caseiras da Casa dos Lenteirões. O pão continua a barrar-se com as mesmas coisas, excepto o Tulicreme e outras coisas que tais que nunca entraram nesta casa. Faço as minhas compotas, agora que me falta a mãe, minha fornecedora de compotas, deliciosas, enquanto viveu. As refeições continuam a fazer-se intercalando as refeições de carne e peixe, há sempre salada a acompanhar, sopa, e fruta de sobremesa. Bolos, por norma, não se fazem, que eu sou um desastre com eles.
Vem isto a propósito de eu ter, sobre os hábitos alimentares desta casa, uma ideia de frugalidade. E desses hábitos alimentares frugais se reflectirem nas pessoas magras que somos todos. E o meu frigorífico é até motivo de gozo por ser tão paupérrimo em termos de recheio.
Pois o Sahel, o Líbio, quando aqui ficou no Verão de 2004, a dada altura virou-se para mim, verdadeiramente espantado e estupefacto, e perguntou-me "Vocês comem sempre assim? E comentou comigo a sua preocupação de ir mais gordo para Sebha, a sua cidadezinha rodeada de Sahara por todos os lados.
O Sahel deixou-me a pensar.
Ainda bem que ele não espreitou a maioria dos frigoríficos que eu conheço.
Teria ficado horrorizado.