segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Fronteiras







Zona de Fronteira - Marrocos/Mauritânia
Fotografias de Eugénio Queiroz

Fronteiras

Pois hoje falarei deste tema, tão caro para mim, e que apenas foi aflorado neste blogue em postagens anteriores. Fronteiras. A magia das fronteiras terrestres, que se perdeu quase completamente por essa Europa fora, mas que persiste e se mantém em quase todos os países do globo fora deste nosso continente tão "clean".
Relembro um tempo em que passar a fronteira Portugal-Espanha ou vice-versa, era uma aventura. Relembro a minha viagem de lua-de-mel, eu e o A. à descoberta do Sul de Portugal e de Espanha, nas calmas, sem nadinha marcado, tenda e sacos-cama para o que desse e viesse, retorno ao país por Chaves e, surpresa das surpresas... a fronteira fechava às 24 horas!! E já passavam 5 minutos! Nada a fazer. Foi uma noite passada ali mesmo, dentro do carro, para terminar em beleza aquela viagem, antes do retorno ao ninho, que já não havia pachorra para voltar para trás à procura de alojamento, àquela hora tão tardia. Entretanto esta magia das fronteiras, da barreira que não se transpõe sempre que se quer, perdeu-se quase completamente, neste nosso velho continente, diluída algures na urgência de fazer crescer o tempo, diluída algures na urgência de nos facilitar a vida de europeus anafados.
Mas as fronteiras resistem. Tantas, espalhadas por esse mundo fora à espera de nós. E as fronteiras terrestres que resistem são locais propícios à acumulação de experiências, sensações, odores, cores, conversas, situações, quantas vezes inesquecíveis.

E é aqui que entra a fronteira de Marrocos. Por Ceuta, a minha preferida. O lugar está agora mais "civilizado" do que em 1990, aquando da minha primeira incursão a este país tão próximo e tão distante. Em 90, a fronteira era constituída por uns guichés mal atamancados, e umas tendas enormes, brancas, exóticas, que cobriam todo o recinto que mais parecia uma lixeira a céu aberto. Mas é que era lixo por tudo quanto era sítio, sacos plásticos a esvoaçar, papéis e charcos sei lá do quê, areia e pó pelo ar. A confusão era total com estrangeiros de jipe e motas por tudo quanto era lado a quererem entrar e os marroquinos a quererem dificultar. Assustadora. Devo dizer que a fronteira de Marrocos era deveras assustadora e qualquer pessoa mais sensível que aí chegasse daria certamente meia volta, desatando a fugir a sete pés para longe dali. Entretanto os anos passaram, o pessoal da fronteira foi acomodado em instalações condignas, informatizaram os serviços, a sujidade já não é o que era, mas o controlo pelos três postos manteve-se e a turistada não escapa. Gendermerie, polícia, alfandega, não necessariamente por esta ordem, fazendo-nos perder por vezes horas num país a fazer-se de difícil para os estrangeiros.
Numa das passagens por esta fronteira, algures em meados da década de 90, a coisa foi tão grave que passadas 4 ou 5 horas de termos chegado à fronteira e, finalmente, com todos os carimbos necessários em tudo o que era passaporte, impresso de pessoas e impresso de veículos, eis que vejo o Eugénio a aproximar-se, a elevar os braços ao ar e a lançar alto e bom som, num misto de prazer e alívio "Isto sim!! Isto é uma fronteira!!!
Sem dúvida. Uma fronteira a dar luta, que isto de invadir espaço alheio não deve ser feito à balda, e não deve ser totalmente facilitado.

A fronteira da Líbia também me traz boas recordações. Entrada do meu querido Abdol mini-bus adentro e uma pestilência de cheiro a suor que nos obrigou a olhar uns para os outros com ar de interrogação "Sobreviveremos a isto?"
Sobrevivemos. Encantados. E sobrevivemos à falta de telemóvel que se verificou mal atravessámos a linha que separa a Tunísia da Líbia.
É que foi mesmo instantâneo. Os nossos telemóveis perderam o pio em uníssono e a uma só voz.

E eis que chego à inacreditável fronteira da Mauritânia depois de percorrer uma belíssima estrada alcatroada que ainda no início de dois mil era uma pista manhosa por onde só se circulava em comboio militar, por causa das minas e dos ataques da Frente Polisário. Passado o controlo de Marrocos de Guerguerard, que fecha seguindo os horários de uma qualquer repartição pública marroquina, e que portanto também fecha para almoço, eis-nos chegados a uma terra de ninguém. Voltamos à pista, à que restou do alcatroamento, por meia dúzia de quilómetros que permanecem como recordação das privações para se alcançar um dos países mais pobres do mundo - a Mauritânia. Os barracos abaixo de manhosos onde polícia, gendermerie, e alfândega fazem o controlo são inacreditáveis de maus. A linha divisória faz-se com um pequeno montículo de areia que percorre o deserto com um rolito, baixo, de arame farpado. Absolutamente proibido sair da pista pois a terra em disputa, o deserto, está ali minado e não faltam avisos a relembrar os mais descuidados. É uma fronteira inacreditável e é uma experiência única para mim, debaixo de um sol impiedoso, às apalpadelas pista adentro, seguindo os trilhos, seguindo os outros, os da Expedição Braga-Luanda, que afinal acabam por se enganar no trajecto levando-nos por uma pista sem saída. Pás de probléme. Afinal estamos em África onde tudo tem solução.

As fotografias que ilustram este post foram tiradas à socapa, na zona de fronteira entre Marrocos e a Mauritânia, onde é proibidíssimo fotografar, vá-se lá saber porquê. São o testemunho das dificuldades da entrada em novos caminhos, em novos caminhos quantas vezes completamente desconhecidos e percorridos às apalpadelas.

É por isso que isto de fronteiras lembra-me muros, nós, laços e lacinhos. E avaliação de desempenho de professores.

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