sexta-feira, 29 de fevereiro de 2008

Trabalho, Suor e Lágrimas



Trabalho, Suor e Lágrimas

Estou farta de pensar que pertenço a uma classe sui generis. Paciente, pacífica, empenhada, trabalhadora, que gosta daquilo que faz apesar de mal paga, que resiste a mudanças e mais mudanças nas regras e nos costumes, a mais das vezes para pior, que é quantas vezes amesquinhada pela tutela, e que permanece na profissão, num exercício próximo do masoquismo. Sim, eu sei, alguns de nós são uma balda. Não tenho estatísticas sobre o assunto, mas serão seguramente poucos, uma minoria muito minoritária. E sim, mesmo minoritários são demasiados. Não tenho estatísticas sobre o que afirmo, mas tenho a experiência de ter assistido todos estes anos que já levo de profissão, e que são já muitos, a muitas práticas e a muitas conversas entre professores de facto preocupados com a aprendizagem dos seus alunos, com o bem-estar dos seus alunos, com o apoio que dão aos seus alunos e quantas vezes aos pais dos seus alunos, e que se estende muito para além da sala de aula, agora também através do sms, desfazendo dúvidas antes dos testes ou durante a realização de um qualquer trabalho, "ouvindo-os" em desabafos, dando-lhes atenção, carinho e força para permanecerem na escola, para permanecerem por cá, aconselhando-os quando eles precisam, enfim, desempenhando um papel muitas vezes confessional e assistencial que nos leva a suspender o nosso trabalho de casa, seja ele de que tipo for, até para a escola, elaborando testes, fichas diversas, planificações, actas de reuniões, relatórios, justificações de negativas, na minha escola uma por cada negativa atribuída, etc, etc, etc, suspendendo até por vezes a própria família.
É neste grupo que eu me incluo e deve ser por isso que a minha filha desde pequenina, à costumeira pergunta "Que queres ser quando fores grande?" respondeu sempre "Professora nunca!" Também deve ser por pertencer a esta categoria de professores que por várias vezes ouvi a minha filha dizer-me em tom de desagrado "Não sei porque não levas o colchão para a escola!" tal a carga de reuniões que já tive de suportar.
Mas tudo isto se fez, de sorriso pronto para os nossos alunos. Até agora, em que não está a ser mais possível aguentar a revolta e o desagrado de me saber no topo da carreira aos 46 anos já que, por opção, nunca me candidatarei à carreira de Professor Titular. Não sou burocrata. Se fosse ter-me-ia filiado há muito num qualquer partido político e teria feito carreira à custa de um qualquer cartão, rosa ou laranja, ou mesmo de uma outra cor qualquer. Escolhi ser professora pelos meus alunos e não abdico deles. É por eles que trabalho e entro todos os dias na minha escola, no meu espaço sagrado que é a sala de aula. Foi por isso que, bem antes de toda esta macacada que me está a prejudicar o trabalho, iniciei um projecto pessoal, com o apoio da minha família e dos amigos que me aturam, e que pode ser visitado em

http://anabelapmatias.googlepages.com/home

Orgulho-me deste trabalho, feito com muito esforço e dedicação, à custa de horas e mais horas, e mais horas e mais horas, do meu tempo. Partilho-o. Porque ser professor também é isto. Sou uma entre muitos. Exausta. Exaustos.

Hoje não seria capaz de o iniciar e de o fazer. Não teria tempo.
E isso faz de mim uma professora indignada que participará, pela primeira vez, numa manifestação de rua, no próximo dia 8 de Março, em Lisboa.

Basta.

2 comentários:

Céu disse...

Tenho acompanhado o teu discurso inflamado, e só me ocorre dizer que, aceitar o que está mal, como se fosse um facto incontornável, é comprometer tudo na vida: neste caso a educação dos nossos filhos, a Educação em geral, e outros valores que merecem a minha fidelidade, apesar de tudo.
Bem-haja, Anabela!

Anabela Magalhães disse...

E tu, que assim falaste, sabes muito bem o que dizes. Concordo plenamente. E eu não gosto de comprometer coisa alguma, que fará tudo!!!
Beijos.

 
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