domingo, 22 de agosto de 2010

Um "Exemplo Exemplar" ou um "Portugal Indecente"?


Arquitectura de Camilo Rebelo e Tiago Pimentel
Museu do Côa - Portugal
Fotografia de Anabela Matias de Magalhães

Um "Exemplo Exemplar" ou um "Portugal Indecente"?

Eu gosto de museus. Aliás é mais correcto falar de amor e paixão se pensar no que sinto por muitos dos que já visitei durante a minha já longa vida.
O de Foz Côa foi inaugurado numa sexta-feira, por aquela espécie de primeiro-ministro que nos vai desgovernando o país, que gosta dos holofotes e das fitas de cortar, e eu, na terça-feira seguinte, lá estava, de pedra e cal, aguentando estoicamente uma temperatura de esborrachar qualquer um.
O edifício vale a visita por si. Primeiro apreciei o dito de longe, vendo a caixa de betão pousada sobre o topo do monte, bem enquadrada de todas as perspectivas, olhando eu cá de baixo lá para cima, que o edifício vê-se, para quem sabe que ele lá está. Depois foi tempo de me aproximar dele, da fenda aberta no seu seio, qual entrada difícil para uma qualquer caverna, daquelas que já visitei em França, muitas, repletas de pinturas e gravuras e outras emoções, que elas estão lá à mão de semear, embora difíceis de se deixar ver, apreciar, absorver.
O museu é excelente, e estou por enquanto a falar do edifício, em termos conceptuais. Gostei francamente da arquitectura limpa, reduzida ao essencial que eu amo a arquitectura assim, farta que estou de tanta poluição visual que nos enxameia a vida.
O museu é igualmente excelente do ponto de vista da interactividade entre mensagens e receptáculos dessas mesmas mensagens. Há dinâmica e vida para além da escuridão e as novas tecnologias são, de facto, apelativas, como o raio que as parta.
Só que o museu abriu "à portuguesa", eu diria até que abriu "à Sócrates", ou seja, abriu de forma trapalhona e atabalhoada, sem muitas das condições mínimas para abrir, em termos de pessoal técnico, restaurante, bar de apoio, multibancos... e eu sei lá mais o quê de falhas incompreensíveis nos dias que correm e das quais me apercebi durante aquela visita.
Pelos vistos o pessoal é o mesmo. Com museu ou sem museu, não há mais pessoal para ninguém, pelo menos à vista desarmada, que apoie a nova estrutura parida. A aventura de visitar as gravuras já é o que se sabe, com marcações prévias de meses porque não há técnicos para tanta solicitação, mais os trabalhos de arqueologia que eu presumo que continuem, mais o serviço educativo que eles prestam às escolas e agora ainda mais o museu, com os guias e arqueólogos a servirem-nos de cicerones?! Está bem, está bem, sim, foi muito agradável a visita, mas será melhor que abram vagas e rápido, numa região onde, por certo, este emprego será bem vindo, sob pena de o projecto se afundar num equívoco. E será bom que abram rapidamente o restaurante. Eu, por exemplo, grande amante de parar um pouco para descansar após as visitas, ter-lhe-ia dado uso. E ouvi mais queixas de outros visitantes que, naquele primeiro dia, eram já em número apreciável e que, num dia de calor de esborrachar, não tinham acesso nem a uma mísera garrafinha de água, no meio daquele sufocante ermo magnífico.
Confesso que a visita ao museu deixou-me até um pouco preocupada. É que temos programada uma Oficina de Arqueologia Experimental na E. B. 2/3 de Amarante, daquelas onde os alunos vêem o fabrico do fogo com pauzinhos e pedrinhas e outras coisas mais do que interessantes, direccionada para os alunos do 7º ano de escolaridade, oficina que entusiasma literalmente os miúdos que a ela assistem, e nela participam, e os deixa a sonhar com Indianas Jones e aventuras sem fim... e foi-me transmitida alguma preocupação, pelos técnicos, sobre a conciliação do trabalho, imenso, que recai neste momento sobre aquela gente trabalhadora do Parque Arqueológico do Côa.
Foram gastos 18 milhões de euros no Museu do Parque Arqueológico do vale do Côa. Mas este investimento só fará sentido se tudo fizer sentido. Seria bom que não o estragassem agora por uns trocados.
Por isso não sei ainda onde colocar este post - se num "Exemplo Exemplar" ou se num "Portugal Indecente"...
E por isso fico à espera do futuro. Que terá de ser, obrigatoriamente, próximo. Sob pena de tudo isto ser mais uma enormesca indecência.
E aconselho a visita ao Museu do Vale do Côa a todos os meus leitores. Para que a pressão seja qualquer coisa de insuportável.



Ah! E parabéns, Camilo Rebelo! Amei a tua arquitectura. A do Tiago Pimentel também!
E amei as tuas sábias palavras.

2 comentários:

Em@ disse...

Também eu!
vim avisar-te que tens algo à tua espera no Em@.
beijo-te

Anabela Magalhães disse...

Como é que eu sabia que ias gostar?
Lá vou...

 
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