Alunos em Festa - EB 2/3 de Amarante
Fotografia de Anabela Matias de Magalhães
A Maria do Carmo Cruz escreveu uma carta aberta aos alunos que poderiam ser dela se ela ainda se mantivesse no activo. E escreveu-a com o coração. Espero que os alunos, que a lerem, a entendam. E, já agora, que os senhores professores também.
CARTA ABERTA AOS JOVENS QUE PODERIAM SER MEUS ALUNOS SE AINDA ESTIVESSE NA ESCOLA
Estive a ver quem me segue no Facebook. Não estão lá aqueles a quem me dirijo hoje com estas longas palavras. Sou crente, isto é, tenho Fé, mas não tanta que acredite que eles me vão ler directamente. Resta-me a ténue esperança de que alguém lhes faça chegar estas linhas e que lhes dêem uns minutos.
Queridos jovens, queridos Alunos que poderiam ser meus:
1. Acreditem! Acreditem em vocês.
2. Quando vos chamarem burros, incultos, incapazes, lembrem a quem vos fizer o diagnóstico que, geralmente, “não é o produto que se deve censurar mas sim o processo que foi utilizado para o produzir”.
3. Motivem-se! Têm todas as razões e mais uma para quererem aprender. Não envelheçam antes do tempo.
4. Questionem-se! Lembrem-se de que nasceram feitos máquinas de fazer perguntas. De que toda a família se cansava de tantos “porquês”. Continuem a perguntar: Porquê? Como? Para quê?
5. Perguntem, seriamente, o que querem ou não estar a fazer daqui a 5 ou 10 anos. Isso ajuda a que definam metas para o vosso trabalho na Escola.
6. Sejam realistas! Todos nós temos alguns de entre os oito tipos de inteligência definidos por um senhor chamado Howard Gardner e que não estão contemplados, por agora, na forma de aprender na Escola. Portanto, se for preciso três anos em vez de dois para aprender bem, onde está o problema? Eu não conseguiria correr nem sequer a mini-maratona, mas há assuntos em que sou óptima! (Haviam de provar a minha tarte de maçã!...)
7. Por isso, e por muito que à vossa volta reine o desânimo, a desesperança, acreditem em vocês! (Não me enganei: é mesmo a segunda vez em que lhes peço para acreditarem). Afinal, são vocês que vão ter que manter o mundo a funcionar daqui a 10/15 anos.
8. Organizem-se para trabalhar. Se gostam mais de trabalhar sozinhos, tudo bem. Mas se preferem trabalhar com um ou mais colegas e eles ou ela estão dispostos a isso, tudo bem também. O que é preciso é que funcione. Não sou muito adepta de grupos para estudar, mas, neste caso, estarei sempre mais interessada no resultado do que no grupo. (Para me compreenderem, lembrem-se de que dificilmente burro velho aprende línguas…)
9. Criem rotinas de trabalho: tentem começar sempre à mesma hora, não estudem com a barriga vazia, descansem entre períodos mais longos.
10. Lembrem-se de que quem não souber ler não pode estudar. Não se iludam! Muitos de vocês não sabem ler. Saber ler implica obrigatoriamente saber interpretar. Toca a treinar a leitura! Comecem por ler alto para ganharem velocidade mas passem rapidamente à fase seguinte: ler com os olhos, não por palavras mas por segmentos de texto ou ideias. E tenham como meta ler ao menos um livro não escolar por ano. Há tanta coisa fantástica!
11. Para treinar a interpretação, voltem a fazer perguntas! Como parece que é, outra vez, politicamente incorrecto escrever nos livros, arranjem umas folhas ou um caderno e tentem fazer a pergunta ou perguntas a que o texto responde.
12. Sabem onde é que podem a aprender a fazer perguntas? em bons livros policiais. Com detectives como Sherlock Holmes, Hercule Poirot, Miss Jane Marple, Perry Mason, o Inspector Maigret…
13. Sem nenhuma ideia preconcebida, experimentem ouvir os vossos Professores como se eles estivessem a prestar declarações. Depois, confirmem nos livros. Quem disse que os alunos não podem ser manhosos? (Estou a fazer um plágio, mas ao contrário, declaro-o desde já).
14. E qual será o objectivo dos professores ao mandarem ler isto ou aquilo? Olhem que é uma boa pergunta.
15. Peçam aos Professores que vos façam testes de interpretação, pelo menos no início do ano. Assim, aprenderão a distinguir o que é essencial do que é acessório.
16. Essa aprendizagem é, talvez, a mais importante de todas: se souberem identificar as ideias essenciais, facilmente saberão sublinhar eficientemente, tirar apontamentos, fazer resumos.
17. Estas técnicas de trabalho são básicas. Há muitas mais. Têm o direito de exigir que vos ensinem, e olhem que já nem é cedo! Deveriam ser munidos dessas ferramentas já dos dois ciclos anteriores. Mas mais vale tarde do que nunca.
18. E já que estamos a falar em trabalho, fixem bem isto: estudar é o vosso trabalho! Por isso é que têm férias. Talvez vos motive saber que há milhões de jovens da vossa idade que vivem na escravatura, e já estamos no século XXI.
19. Por outro lado, trabalhar faz parte do vosso processo de crescimento. Não querem ser “grandes”? Então, trabalhem!
20. Para aqueles cujos pais têm dificuldades económicas (e não assobiem para o ar, como se não fosse nada convosco), lembrem-se do gosto que lhes darão se souberem aproveitar. Sabem por que é que eles têm essas dificuldades? Talvez valha a pena perguntar.
21. Ainda para esses, não sobrecarreguem os vossos pais com a mania das marcas. Importa é Ser, não é Parecer. Li há tempos numa das revistas que acompanham os jornais do Domingo uma frase do género:”Não está provado que estudar com umas Nike calçadas dê melhores resultados do que umas sapatilhas do supermercado”. Mais ou menos isto, estou a citar de cor.
22. Mas aqueles que têm pais com uma boa situação económica não precisam de se vestir de estopa. Basta não ser arrogante, ostensivo. E não ficam desobrigados de trabalhar. Quem lhes garante, além da satisfação pessoal que devemos ter por sermos capazes de contribuir para um mundo mais justo, mais solidário, mais fraterno, quem lhes garante, dizia eu, que a situação não se inverte? Nada é definitivo.
23. Sejam exigentes com os vossos Professores. Atenção: ser exigente não é ser mal-educado, arrogante, e outras coisas assim. Ser exigente é reclamar se eles faltam muito, se, claramente, não preparam o seu trabalho, se vos pedem trabalhos de casa e nem olham para eles, se vêm sempre dar aulas como quem vem para a forca.
24. Sejam generosos. Os Professores são gente comum: têm filhos pequenos ou grandes, cada um com as suas preocupações, têm casas para pagar, estão meses sem saber se vão ter trabalho ou não, às vezes estão aborrecidos, doentes, preocupados. Se não for “doença crónica”, procurem compreender e dizer uma palavra amiga. Sabem, eles são de carne e osso…
25. Não admitam que os Professores façam coisas que vos proíbem a vocês: usar o telemóvel, mastigar pastilha elástica e outras coisas quejandas.
26. Por falar em “quejandas”, confirmem se sabem mesmo usar o dicionário, consultar uma obra, uma enciclopédia, a biblioteca e a mediateca, em geral.
27. Já agora, ninguém vai para a praia em fato completo mas também não se pode ir para a aula como quem vai para a praia ou para um pic-nic. Há registos de vestuário assim como há registos de língua. Imaginem lá para quem vai também este recado?...
28. Se não é muito costume na vossa Turma, peçam aos Professores que, de vez em quando, vos deixem fazer uma apresentação de uma aula ou um tema para debate e moderar. São competências de que a Escola se tem vindo a esquecer de vos ensinar e pôr em prática, ou até pode nunca se ter lembrado de fazer, sei lá…
29. Não julguem que pontuar é uma arte menor. Aprendam a pontuar, ou antes, peçam aos professores que vos ensinem a usar a pontuação. E, já agora, a usar o manual, a descobrir a melhor maneira de o rentabilizar.
30. Finalmente (mas fica tanta coisa para dizer!), façam o favor de ser felizes. Para isso, têm de se sentir bem convosco. É com vocês que vivem 24 horas por dia. E mesmo a dormir os sonhos nos importunam quando não fazemos bem a nossa parte.
31. Um bom resto de ano lectivo para todos e não se preocupem muito com reformas e coisas assim. O importante é aprender a aprender. Afinal, se está tudo a mudar, o melhor é aprender a pescar – assim, mesmo que mudem os conteúdos, sempre se pesca alguma coisa. E um obrigada muito grande por todas as alegrias que vocês me deram quando eu estava no activo. Nunca as esquecerei.
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