Ontem, Hoje, Amanhã - S. Gonçalo - Amarante
Fotografia de Bárbara Abreu
Hoje surripiei um post ao Aventar, mais concretamente à Daniela Major, com a sua autorização, claro está!, que vou partilhar com os meus leitores já seguida.
O post da Daniela dá conta da sua angústia e da sua revolta face a uma Lisboa que se altera e que muda a cada dia que passa, perdendo a sua especificidade na sua corrida pela adaptação aos novos tempos, pressionada pelos turistas que chegam em catadupa.
Confesso que a compreendo até porque eu própria sou assaltada, amiúde, de dúvidas relativamente às opções de desenvolvimento tomadas por aqui e às alterações que vão acontecendo em Amarante, cidade onde habito desde sempre. Vai daí, a cada passo as critico, temendo a descaracterização da minha cidade, sabendo bem que a sua descaracterização completa levaria, em última análise, à morte da galinha dos ovos de ouro.
Mas depois, olho para os ensinamentos da História e apaziguo um pouco as minhas angústias porque sei que nada existe para sempre e que a realidade de hoje não será a de amanhã, tal e qual como me diziam os meus avós, habitantes que foram um dia desta minha rua e que, se a conhecessem hoje, ficariam chocados tal o abandono a que está votada.
Eu própria fico chocada, confesso, só olhando para trás, para a minha infância aqui passada...
Onde está o talho da Silvina? Que é feito da mercearia do sr. Manuel? E da mercearia da dona Lininha? Onde está o funileiro que enchia de música esta rua? E a oficina onde se concertavam bicicletas e motas? Onde pára o escritório do Dr. Queirós? E o tasco do Sr. Manuel? E o padre Morais de batina preta descendo e subindo a rua distribuindo santinhos à pequenada? E a menina Lalinha calcando o empedrado da rua que será sempre dela? E a miudagem fazendo corridas em carros de rolamentos? E as raparigas, tantas!, que desenhavam macacas para jogar à patela?
Onde estão todos... se pouco mais nos resta do que casas ao abandono e meia dúzia de resistentes que dizem "Daqui não saio! Daqui ninguém me tira!" e que afixam nas suas portas "Not for sale"?
"Normalmente não gosto de colocar aqui publicações do facebook mas esta notícia supera-me. Ainda tive uma vaga esperança que fosse mentira. Não é. Vivo em Lisboa desde sempre. Os meus pais iam ao Jamaica. A minha mãe ainda vai. Ainda há uns meses estive no Europa.
O Diogo Faro tem toda a razão. A Lisboa que eu amo não é esta Lisboa dos hostels, dos tuk-tuk, dos rankings, dos mercados, do diabo a quatro mais um hamburguer gourmet. Não é que os hamburguers gourmet não sejam bons mas eu posso comer um hamburguer com um ovo, bacon e compota de frutos silvestres em qualquer sítio do mundo. O que não posso é ir ao Bairro Alto em qualquer sítio do mundo e sentar-me nos degraus das casas com um copo de plástico. E lá ficar pela madrugada dentro já depois dos bares terem cumprido a hora do fecho. O que não posso é ir ao Europa ou ao Jamaica em Londres, está bem? Não posso ir aos alfarrabistas da Baixa em Berlim. Não posso ir a Nova Iorque e passar à porta de uma tasca e ouvir um marmanjo invariavelmente bêbado embrulhado num fado vadio. Não posso ir ás Catacumbas no Rio de Janeiro. Não posso ir ao Japão comer ameijoas no Baleal. Não posso pagar uma renda altíssima e desajustada ao nível de vida dos Portugueses só porque vivo no Castelo ou em Alfama. Na Suécia eu não posso ver a placa do Eça mesmo por cima do Nicola. Não posso sentar-me nos degraus do Dona Maria à espera que a peça comece enquanto vejo a malta a brincar nas fontes do Rossio.
A Lisboa que eu amo é a Lisboa das tascas, dos eléctricos vazios às oito da noite ou oito da manhã (A única hora em que se apanha lisboetas no eléctrico) das discotecas na Rua Nova do Carvalho, daquele kiosque no Príncipe Real, a Lisboa dos putos a empoleirarem-se nos coretos, é a Lisboa em que o dono de um salão de cabeleireiro para homens sabe a que horas acaba a hora de almoço do alfarrabista do lado e da modista em frente, é a Lisboa em que os bairros são pequenas aldeias onde toda a gente se conhece, onde há donos de restaurantes que já vinham do tempo dos nossos pais, dos nossos avós. A Lisboa que eu amo é a Lisboa do Galeto, do Stop, do Jesus (Do Goês). É a Lisboa dos casais a namorar na rua do Alecrim enquanto estorvam quem quer passar. A Lisboa que eu amo é a Lisboa em que se grita na Bica “O Bairro Alto é que é!” e sai um insulto de uma janela porque só um lisboeta é que sabe onde acaba a Bica e começa o Bairro Alto. A Lisboa que eu amo é a Lisboa das lojas empoeiradas e despretensiosas, com bustos do Eça e do Herculano. A Lisboa dos miúdos – e miúdas – a andarem à “boleia” na porta de trás dos eléctricos. A Lisboa do Bairro onde se encontra toda a gente. A Lisboa que eu amo é a Lisboa dos prédios antigos, mal pintados, todos diferentes e desalinhados, a Lisboa descuidada, que parece que acabou de acordar, a Lisboa da calma do café ao fim da tarde ali nas Arcadas do Martinho ou no Miradouro da Graça. A Lisboa que eu amo é a Lisboa que se galga e conhece a pé, com muito esforço, e não numa coisa acolchoada que só faz barulho.
A Lisboa que eu amo merece mais do que este planeamento ridículo, do “dá dinheiro então faz-se”, sem visão, sem futuro, sem nada. Uma visão que só pretende tornar Lisboa, a minha Lisboa, numa cidade genérica, igual ás outras que foram ganhando fama à custa de rankings e restaurantes com estrelas michelin. Uma Lisboa sem lisboetas. E não me lixem, mas os lisboetas fazem Lisboa, os lisboetas são Lisboa. Ignorantes, curiosos, mal-dizentes, bairristas, mal-educados ou educados de mais, doidos por novidades mas detestando a mudança, com um respeito indiferente pela diferença. Isto são os lisboetas. Lisboa é deles. É nossa. É minha. E estragarem-ma é que não permito. Nem admito."
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